Bombeiros do DF fazem churrasco para comemorar curso e 10 pegam Covid-19
Oficial pediu apuração e punição a comandantes que participaram do evento por “desejo fútil, irresponsável e egoísta de se aglomerar”
atualizado
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Um churrasco para comemorar o fim de um treinamento do 1° Esquadrão de Aviação Operacional do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), realizado em plena pandemia da Covid-19, resultou em adoecimento da tropa e efetivo reduzido no atendimento à população. No total, 10 militares foram infectados por coronavírus após a celebração, sendo que dois tenentes precisaram ser internados, de acordo com nota enviada ao Metrópoles pela própria corporação.
O evento gerou um processo para que o caso seja investigado. O pedido é do chefe do Comando Especializado da corporação, tenente-coronel Bruno Tempesta.
No documento, encaminhado ao comandante Operacional do CBMDF e aberto no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), o tenente-coronel Tempesta pede a apuração da possível prática de transgressão disciplinar na realização de churrasco. Por trás do evento, segundo ele, estaria um “desejo fútil, irresponsável e egoísta de se aglomerar, além de arriscar a vida de muitas pessoas”.
O oficial diz no texto ter chegado a seu conhecimento que o churrasco ocorreu em 25 de junho, na casa do pai de um capitão lotado no Grupamento de Aviação Operacional (Gavop). A reunião foi para comemorar o fim do treinamento e a adaptação de voo operacional da aeronave EC 130 B4, de resgate, que começou no dia 22 de junho.
Efeito cascata
Até a data do churrasco, nenhum oficial piloto do Corpo de Bombeiros tinha diagnóstico de infecção por Covid-19 ou estava afastado pela doença. Porém, quatro dias depois, em 29 de junho, o próprio anfitrião da festa e um major entraram de atestado por sete dias devido à suspeita da doença.
Em 30 de junho, o tenente-coronel João Antônio Menagessi Neto também apresentou atestado por suspeita de Covid-19. Os casos começaram a surgir dia após dia e foram confirmados por meio de teste. Em 6 de julho, já eram 10 pessoas infectadas. Todos com atestado e, segundo o pedido de investigação, “com possibilidade de nexo causal com o churrasco realizado no dia 25 de junho com os militares”.
Em 9 de julho, o comandante do 1° Esquadrão de Aviação Operacional (1° ESAV), Lúcio Kleber Batista de Andrade, foi indagado sobre o evento. Em seu pedido de apuração, o tenente-coronel Bruno Tempesta relata que fez questionamentos por meio de ligação telefônica ocorrida às 17h20 daquela data.
Ele disse que não havia tido nenhum evento de confraternização de forma oficial. Logo, insisti e peguntei de forma bem objetiva se militares do Gsvop e outros haviam realizado tal evento e que ele deveria ter o compromisso com a verdade. Foi quando ele me questionou se estava sendo inquirido por mim. De certo, disse a ele de forma contundente: ‘Não, você não está sendo inquirido, você está recebendo uma pergunta direta do seu comandante e a resposta é sim ou não, e você tem o compromisso com a verdade’. Foi quando ele respondeu que sim, que houve o referido churrasco
Trecho do pedido de investigação assinado pelo tenente-coronel Bruno Tempesta
Pedido de punição
A partir da resposta positiva, o autor do processo começou a ligar os pontos. Perguntou pelo tenente-coronel João Antônio Menagessi Neto e obteve como retorno que ele havia sido internado no Hospital Santa Lúcia no dia 10 de julho, com Covid-19. Menagessi Neto chegou a precisar de unidade de tratamento intensivo (UTI).
Diante das informações, o tenente-coronel Tempesta abriu o pedido de transgressão contra Lúcio Kleber Batista de Andrade e João Antônio Menagessi Neto, alegando que ambos feriram o Estatuto do Bombeiro Militar, que exige conduta moral e profissional.
“O tenente-coronel João Antônio Menagessi Neto, como comandante do Gavop, deveria, na qualidade do cargo que ocupa, coibir tal evento (o churrasco), mas fez justamente o contrário, pois, além de ter ‘feito vistas grossas’, esteve presente no mesmo, assim como o comandante do 1° Esav, tenente-coronel Lúcio Kleber Batista de Andrade, afrontando visivelmente o Estatuto Bombeiro Militar”, embasa Tempesta no pedido de investigação que consta do SEI.
Ele ressalta que esses oficiais realizaram um evento de confraternização durante a pandemia, num momento em que os casos estão em ascensão, podendo sobrecarregar o sistema de saúde do Distrito Federal, e visto que todas as recomendações preventivas em vigor são pelo distanciamento social.
“Ignorando esses fatores que deveriam ter sido levados em conta, por parte de ambos os oficiais, pois estão no cargo de comando, e que uma atitude dessa, num desejo fútil, irresponsável e egoísta de se aglomerar, além de arriscar a vida de muitas pessoas, maculam o nome da corporação”, disse.
O processo ainda pede que João Antônio Menagessi Neto indenize o erário pelo custeio de sua internação, caso esse pagamento tenha sido feito por parte do sistema de saúde do Corpo de Bombeiros. O embasamento para a Tomada de Contas Especial (TCE) é que ele “se aglomerou por negligência ou imprudência, num desejo fútil de confraternizar”.
Outro lado
Acionado pela reportagem, o CBMDF informou que os primeiros militares a serem afastados reportaram ter apresentado sintomas no dia 19 de junho. No dia 22 do mesmo mês, mais três bombeiros de uma mesma ala apresentaram sintomas e também foram afastados e submetidos a testes, seguindo protocolo adequado.
Em nota, a corporação fala de todos os casos ocorridos entre os profissionais desde o início da pandemia.
“Ao longo da semana, novos casos surgiram na unidade. Ao todo, 18 militares foram afastados para tratamento, dentre enfermeiros, médicos e tripulantes, mais três pilotos que cumprem escala na unidade. Desses 21 militares, 10 já estão recuperados e já retornaram às suas atividades normais”, informou o CBMDF, em nota ao Metrópoles.
Ainda conforme a corporação, do dia 19 de junho até essa sexta-feira (24/7), não houve qualquer restrição operacional para o serviço aéreo decorrente desses afastamentos. “Todas as ocorrências foram atendidas, sem prejuízo algum à sociedade. Diante do atual quadro da pandemia, a unidade tem se preparado para realizar os remanejamentos necessários, caso ocorram novos afastamentos”, concluiu.
O Metrópoles ligou para os celulares dos dois oficiais investigados, mas eles não atenderam ou retornaram os contatos. O espaço segue aberto a manifestações futuras.