Bolsonarista que agrediu enfermeiras é demitido do ministério de Damares
Terceirizado, Renan Sena teve contrato rescindido com empresa que presta serviço para o Ministério dos Direitos Humanos
atualizado
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O homem que aparece em gravações divulgadas na internet agredindo profissionais da saúde durante uma manifestação pacífica na Praça dos Três Poderes era funcionário terceirizado do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Renan da Silva Sena (foto principal) chegou a xingar e cuspir nas enfermeiras durante o ato realizado na última sexta-feira (01/05).
No ministério chefiado por Damares Alves, Sena atuou como analista de projetos do setor socioeducativo. O contrato dele foi feito por intermédio da G4F Soluções Corporativas Ltda. Contratada por R$ 20 milhões, a empresa presta serviços nas áreas de apoio administrativo e operacional à pasta e demitiu o funcionário nessa segunda-feira (04/05).
Nas redes sociais, Renan costuma fazer publicações em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Na noite dessa segunda-feira (04/05), o seu perfil no Facebook foi tomado por comentários de protesto. Internautas repudiaram os atos. “Ameaçar mulher é fácil, né, covarde?”, publicou um homem. Apenas em uma publicação, são mais de 50 mil comentários.
A reportagem tentou contato com a empresa G4 e com Renan Sena, por meio de telefones fixos, redes sociais e WhatsApp, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
O que diz o ministério
Por meio de nota, o ministério informou que Renan Sena não faz mais parte da equipe de prestadores de serviços terceirizados da pasta. “O ex-colaborador não possui qualquer acesso à rede de dados nem às informações internas do órgão desde a sua saída”, diz o texto.
O MMFDH detalhou que ele foi contratado em 5 de fevereiro como prestador de serviços terceirizado, após processo seletivo realizado pela empresa G4F. Explicou que a empresa seleciona os profissionais com base nos critérios técnicos definidos pelo ministério, indicados no termo de referência no qual a contratação foi baseada.
“Ele atuava como assistente técnico administrativo na Coordenação-Geral de Assuntos Socioeducativos, onde cumpriu as tarefas demandadas até 7 de abril. A partir desse dia, o funcionário, que estava em trabalho remoto diante da pandemia, deixou de responder todas as tentativas de contatos telefônicos e e-mails da unidade”, informou o ministério.
Diante disso, a pasta diz que “imediatamente informou à empresa G4F sobre a ausência de Renan”. “A empresa conseguiu o contato em 23 de abril. O MMFDH solicitou a substituição do funcionário no mesmo dia. Prontamente, a empresa G4F deu início aos trâmites legais necessários à efetivação da rescisão contratual, que foi concluída no último dia 4 de maio, com a substituição do prestador de serviço terceirizado. O substituto, inclusive, já começou a trabalhar. O ministério já dava o assunto por encerrado”, ressaltou o órgão.
A pasta esclareceu, ainda, que o motivo de o e-mail do ex-colaborador continuar funcionando decorre do fato de que, apesar de o acesso ter sido bloqueado, as contas ainda recebem mensagens até que sejam concluídos os trâmites internos de exclusão do nome do usuário no servidor de correio eletrônico.
“Portanto, o simples fato de uma caixa receber mensagens não vincula necessariamente o seu destinatário ao ministério. No caso, por exemplo, não há possibilidade de acesso nem resposta por parte do ex-colaborador às mensagens recebidas.” Por fim, o MMFDH ressalta que “repudia qualquer ato de violência e agressão, principalmente contra profissionais de saúde em um momento que eles devem ser ainda mais respeitados e valorizados”, destacou.
“Só queriam machucar”
Enfermeiros e técnicos da área de saúde agredidos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro relembram, com tristeza, como terminou o ato em homenagem aos profissionais da saúde que estão arriscando suas vidas no combate à pandemia do novo coronavírus.
Ao Metrópoles, uma das enfermeiras que estavam na manifestação relembra como as agressões começaram.
“Fomos para um lugar na Praça dos Três Poderes que não tinha ninguém. Não invadimos a manifestação de ninguém. Quando começamos a nos posicionar, mantendo o distanciamento, já começaram a chegar umas pessoas gravando e colocando o celular na nossa cara”, conta a moça, que pediu para não ter o nome divulgado por medo de retaliação.
A enfermeira chegou a ser agredida fisicamente. “Bateu com o braço na minha cabeça e me empurrou. Nesse momento, coloquei a mão nele e ele empurrou minha mão. Depois, me ameaçou.”
À reportagem, a mulher relatou estar muito abalada com o ocorrido. “Antes do ato, me sentia emocionada por poder fazer uma homenagem aos meus colegas. Depois, eu fiquei muito triste, um desalento muito grande”, disse.
Ela relembra, emocionada, dos momentos de tensão que passou durante o protesto. “No meu coração, sei que cumpri minha missão. Eu amo ser enfermeira, escolhi essa profissão porque queria cuidar das pessoas. Mas depois de tudo isso, senti como se minha escolha não fizesse sentido. Chorei e tenho chorado muito.”
Sindicato defende profissionais
Conforme conta o diretor do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal (SindEnfermeiro), Jorge Henrique de Sousa, que estava na manifestação, a ideia era protestar contra a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) em todo o Brasil e prestar uma homenagem aos profissionais mortos por causa da doença.
A manifestação, no entanto, se preocupou em evitar aglomerações. Um limite de pessoas foi estabelecido e até um distanciamento entre elas foi combinado. “Foram apenas 55 enfermeiros, e os lugares estavam marcados. Devia ter uma separação de até três metros ali. Além de protestar, precisávamos dar um exemplo também”, explica Jorge.
Apesar de o ato ser silencioso, Jorge lembra que alguns apoiadores do presidente Bolsonaro estavam no local e não gostaram da movimentação. “Disseram que éramos vagabundos, analfabetos e até mesmo genocidas”, revela.
Segundo ele, nenhuma das pessoas que estavam no protesto conseguiu imaginar que algo assim fosse acontecer. “Mesmo assim, achamos que não poderíamos revidar. Ainda bem que a polícia chegou logo e ainda conseguimos ficar lá por mais algum tempo”, afirma.
Carinho e respeito
Além de Sena, Marluce Gomes, que aparece xingando com uma bandeira do Brasil na mão, é do Tocantins e tem 44 anos. Dona de uma empresa de eventos em Palmas (TO), ela excluiu as redes sociais após o fato. Nesta terça-feira (05/05), a mulher esteve no Palácio da Alvorada, onde conversou com o presidente Bolsonaro, do lado de fora da residência oficial. Pediu perdão, mas levantou a hipótese de haver infiltrados no ato promovido pelos profissionais de saúde..
Uma terceira pessoa envolvida é um influenciador de direita, de 38 anos. Morador de Goiânia, ele chegou a Brasília na última sexta-feira (01/05) para participar dos atos a favor do presidente nesse domingo (03/05). O homem postou inúmeros vídeos da estadia dele na capital, mas não mencionou o episódio.
Coren-DF tomará medidas judiciais
O Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF) anunciou que tomará medidas judiciais contra os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que xingaram profissionais de saúde. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também pediu abertura de inquérito para apuração dos fatos.
“O Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal juntou todo o material probatório, identificou os agressores e vai processar cada um deles. A ignorância e a violência perpetradas contra a enfermagem do Distrito Federal, em pleno Dia do Trabalhador, não ficará impune e será respondida judicialmente, para que não mais se repita”, destaca o texto da nota publicada em uma rede social.
A GF4 respondeu à reportagem por meio de nota. Leia o texto na íntegra:
“Informamos que Renan da Silva Sena estava passando pelo período de experiência para a contratação para o cargo de assistente técnico administrativo desde o dia 5 de fevereiro, cumprindo todos os requisitos legais e técnicos exigidos para desempenho da função, para prestar serviços no Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos. No final de março ele foi afastado para trabalho em home office por pertencer ao grupo de risco para a Covid-19. Fomos comunicados pelo Ministério, no dia 16 de abril, que o setor ao qual ele estava vinculado não conseguia contato com o então colaborador. Nosso setor de recursos humanos fez todos os esforços para localizá-lo, pois havia uma suspeita de que ele poderia estar com problemas de saúde. Em 23 de abril finalmente conseguimos contato, verificamos e reportamos aos gestores do contrato que o afastamento dele não era justificado.
No mesmo dia, o MDH solicitou o desligamento do citado funcionário. Em atenção à legislação trabalhista, o procedimento adotado foi o de descontar os dias não trabalhados e encerrar o contrato ao final do prazo de experiência, no dia 4 de maio. A decisão acerca do desligamento do então colaborador já havia sido
tomada antes mesmo do dia 1º de maio e o ex-colaborador fora afastado de suas atividades junto ao Ministério desde o dia 23 de abril, não exercendo quaisquer atividades relacionadas ao órgão a partir daquela data. Assim, o excolaborador seria desligado ainda que não tivesse participado dos episódios lamentáveis e absolutamente condenáveis aos quais está supostamente vinculado. A G4F tem um Código de Ética e Boas Práticas que é fornecido a todos os seus colaboradores quando da contratação e deve ser rigorosamente seguido e praticado durante todo o período de atuação. Evidente que a atitude atribuída a esse ex-colaborador está em desacordo com os princípios morais e éticos da empresa, que repudia veementemente os atos que a ele estão sendo imputados. A G4F, sua direção e seus colaboradores se solidarizam com os enfermeiros e com todos os profissionais de saúde do Brasil e do mundo, que estão dedicando suas vidas ao combate da covid-19 e merecem nossos aplausos, e pede para que os enfermeiros atingidos nesse episódio lamentável aceitem nossos sinceros votos de admiração e respeito.”