Biomédico preso usava assinatura de médico cassado em dois estados
Rafael Bracca, biomédico preso por exercício ilegal da profissão, usava carimbo e assinatura de um médico cassado pelo CRM no DF e em Goiás
atualizado
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Rafael Bracca, o biomédico e influencer preso na quarta-feira (1º/11) por exercício ilegal da profissão, usava o carimbo e a assinatura de um médico cassado em duas unidades federativas. O Metrópoles teve acesso a documentos da clínica e pedidos de exame no nome do médico Herval Cavalcanti Pereira de Sá Martins, emitidos em junho de 2023. Além de não poder atuar desde março, ele nega ter assinado qualquer papel da clínica neste ano.
Bracca é alvo de denúncias de um grupo de cerca de 10 mulheres, de Brasília, Goiás e São Paulo, que relatam ter sofrido danos irreversíveis à saúde depois de realizarem um procedimento no bumbum, chamado “protocolo TX-8”, conduzido pelo biomédico. Além disso, o homem virou réu por tráfico de drogas, após a Polícia Civil encontrar substância proibida no consultório. E a prisão recente, em flagrante, aconteceu por crimes de exercício irregular de atividade e venda de medicamentos sem autorização.
Somada às denúncias, algumas em apuração e outras já concluídas pela polícia, há agora a relação com o médico Herval Cavalcanti. Ele foi cassado pelo Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) em março de 2023 e, um mês depois, pela unidade de Goiás do CRM. Os documentos obtidos pelo Metrópoles, porém, mostram indícios de possível atuação dele na clínica após essas cassações.
Há pedidos de exames realizados pela clínica de Rafael Bracca, como solicitações de PCR para detecção de Covid-19, coleta de hemograma e mais. O carimbo e a assinatura são de Herval, que nega ter feito qualquer documento semelhante para o consultório de Bracca neste ano.
“Não tenho ligação com ele há muito tempo. Atendi um paciente lá, uma vez ou outra, e acabou. Não assinei nada do ano passado para cá. Se ele tem um carimbo, mandou fazer, não sei… Mas tenho certeza de que a assinatura não é minha”, afirmou à reportagem.
Herval ainda diz que já prestou depoimento policial por conta desse caso e que testemunhas confirmam que ele não estava trabalhando na clínica. “Estou na Justiça contra o Conselho [Regional de Medicina]. Não foi correto o que fizeram comigo, sempre tiveram perseguição contra quem atua na medicina ortomolecular”, alega sobre a cassação.
A cassação do médico que trabalhava com Bracca foi fundamentada, segundo o CRM, por infração a cinco artigos do Código de Ética Médica de 2009. Tais dispositivos proíbem praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no país, deixar de cumprir as normas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina, exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas e participar de anúncios de empresas comerciais valendo-se da profissão.
Pacientes ouvidas pelo Metrópoles denunciam que era Rafael Bracca quem assinava os documentos pelo médico. Algumas nunca chegaram a ver Herval na clínica e dizem que sempre pegavam os pedidos de exame diretamente das mãos do biomédico. Procurada, a defesa de Bracca afirmou que vai aguardar as investigações de novos fatos.
A prisão
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) prendeu em flagrante, na tarde de quarta-feira (1º/11), o biomédico Rafael Bracca, acusado por mulheres de pelo menos três unidades da Federação de causar danos irreversíveis à saúde e à estética delas, após passarem por um procedimento no bumbum. Ele acabou detido na clínica que já havia sido interditada anteriormente, na 610 Sul, por exercício irregular da atividade.
A ocorrência foi registrada como delito por “exercício ilegal de profissão ou atividade, adulteração, falsificação, corrupção ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais”. O caso é investigado pela 1ª Delegacia de Polícia, que prendeu Bracca durante uma ação em conjunto com a Vigilância Sanitária.
A clínica do biomédico já havia sido interditada e, ainda assim, ele continuava atendendo. “Em uma nova vistoria da Anvisa, foram constatadas diversas irregularidades, como o uso de medicamentos anestésicos e antibióticos que não podiam ser ministrados pelo biomédico, bem como outras irregularidades. Além da ação de hoje, a delegacia possui dois inquéritos que apuram lesões corporais praticadas pelo biomédico no exercício irregular de suas atividades”, divulgou a delegacia.
Nas redes, o biomédico influencer alegou que utilizava produtos de marcas que “estariam suspensas cautelarmente”, mas que não tinha conhecimento. “A Clínica Bracca está fazendo todos os esforços para restabelecer os atendimentos o mais brevemente possível”, finalizou.
O advogado de defesa do biomédico, Bruno Morato, argumenta que o cliente é inocente e colabora com as investigações e andamentos processuais, e que a prisão preventiva “fere o princípio da presunção de inocência”. “Existem medidas cautelares que poderiam ser usadas neste momento. Todos os fatos serão esclarecidos durante o processo e a sua inocência será provada.”
Tráfico
Pouco antes da prisão, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) tornou o biomédico Rafael Bracca réu por tráfico de drogas. Esse caso foi concluído na Polícia Civil com o indiciamento do influencer. Em busca e apreensão de fevereiro deste ano, foram encontradas fórmulas proibidas no escritório dele na Asa Sul.
Na ocasião, os agentes flagraram 200 unidades de cápsulas vermelhas de metilhexanamina (DMAA), substância que auxilia no emagrecimento, mas foi proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2012 por aumentar riscos de surgimento de doenças cardíacas, hepáticas e renais, por exemplo.
No processo, o Ministério Público lembrou que os materiais apreendidos são “proibidos há bastante tempo”, e ainda pontuou que Bracca é biomédico e frequentador de academia, então “não possui um juízo leigo sobre o que é permitido ou proibido”. O órgão também não ofereceu proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) ao denunciado, afirmando que “há claros indícios de conduta criminosa profissional, reiterada e habitual, considerando que ele responde a outra ação penal”.
Lesões no bumbum
Um grupo de cerca de 10 vítimas denunciam Bracca por lesões e problemas de saúde, com risco de morte, após passarem por um caro “tratamento” do biomédico para dar volume ao glúteo. Segundo Rafael, o TX-8 é um tratamento “exclusivo e único”, que usa materiais bioidênticos (ou seja, que são produzidos naturalmente) e mescla vitaminas, minerais, aminoácidos e estimulantes de força, por exemplo, para dar volume ao bumbum, sem envolver qualquer tipo de corpo estranho ao organismo.
Porém, pacientes que tiveram problemas de saúde suspeitam do uso de uma substância proibida, chamada Synthol. O Metrópoles mostrou os relatos com exclusividade. Eles envolvem o caso de uma moradora de Brasília que passou por 70 dias de internação e ainda convive com dores e problemas de saúde; a denúncia de uma moradora de Goiás que teve diagnósticos médicos preocupantes; e a narração de uma paciente de São Paulo que chegou a registrar boletim de ocorrência contra Bracca naquele estado.
CRBM investiga
Por meio de nota, o Conselho Regional de Biomedicina (CRBM-3ª Região) informou que apura a conduta do biomédico Rafael Bracca diante dos fatos narrados, mas não comenta detalhes a respeito da investigação em andamento.