Beneficiários do Cartão Gás denunciam ágio na compra de botijões
Prática é proibida e lesa uma parcela vulnerável da população brasiliense; 211 empresas estão cadastradas para vender com o benefício
atualizado
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Moradores da Estrutural relataram ao Metrópoles práticas abusivas na comercialização de botijões para beneficiários do Cartão Gás, sancionado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) em agosto. Conforme as denúncias, com o incentivo do GDF, donos de comércios cobram uma espécie de ágio pela venda do produto. Em alguns locais, ainda de acordo com os relatos, o valor chega a R$ 10, ou seja, 10% do que é encaminhado pelo Buriti às famílias.
“Tem três meses que a gente recebeu o cartão, e há três eles fazem isso”, diz uma das moradoras, sob condição de anonimato. “A gente compra o botijão e eles cobram R$ 10 a mais. Se não tem, falam que ‘pode deixar no fiado, depois a gente vê’, mas alguns nem falam quanto vai custar depois. Aqui R$ 10 é muita coisa, influencia no mês inteiro”, relata.
Outro caso é o de um catador, que também pediu para não ter a identidade divulgada, cujas compras no mercado foram reduzidas mesmo com o benefício do governo. “Pesa porque eu vivo principalmente do Bolsa Família. Meu filho é doente, precisa comprar remédio, dá muito gasto. A comida dele é diferenciada, por isso eu preciso cozinhar algo separado para ele e outra comida para o resto da família. Qualquer R$ 10 é muito dinheiro”, lamenta o senhor.
O Metrópoles esteve em dois estabelecimentos que, segundo as fontes, cobravam um sobrepreço quando a compra era realizada por meio do Cartão Gás. Na Estrutural, a Secretaria de Economia tem quatro lojas cadastradas. Apesar da obrigatoriedade do Procon e da Seec, apenas a distribuidora Romário Gás apresenta os valores em tabela na entrada do comércio. “O Procon já veio aqui algumas vezes, porque não foi bem repassado à população”, diz Jociel Silva, responsável pelo local.
“Nós temos um preço nosso, mas cobramos por entrega também. Aí fica R$ 110, mas muitas vezes eu nem cobro, porque levo um botijão para um pessoa que está com fome e eu sei que não tem dinheiro, porque o pessoal é humilde”, completa o empresário, que apresentou à reportagem documentos de visitas do Procon, da Secretaria de Saúde e até do Corpo de Bombeiros. “Mas tem gente na Estrutural que está escondendo o preço, sim”, admitiu.
Na GV Marinho Comércio de Gás, o dono – segundo a Receita Federal (RFB) –, Gilvan Pereira Marinho, recebeu a reportagem por trás da grade de segurança. Questionado sobre o valor do botijão de 13 kg, ele rodeou. “O Cartão Gás é R$ 100, mas o valor do botijão aqui é R$ 105. O governo dá R$ 100. A tabela já tem alteração. O nosso preço na tabela é R$ 105, mas a gente negocia se a pessoa vier buscar”, explica. Questionado sobre a “negociação”, ele disse que baixa a margem de lucro para não perder clientes.
“Não tem que reclamar”
De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que regula os derivados do combustível fóssil no país, o preço mais caro praticado no DF é R$ 114, com R$ 85 como o menor valor. Não há previsão de aumento, segundo a autarquia, mas Marinho garante que os distribuidores receberam avisos. “Vai aumentar mês que vem e a gente vai ter que aumentar também. Não tem que reclamar”, argumenta.
Acionada pela reportagem, a Secretaria de Economia encaminhou nota na qual informa que há 211 lojas cadastradas para atender quem tem o Cartão Gás. “A Secretaria esclarece ainda que instituiu uma Comissão Técnica, que é responsável por verificar o cumprimento das obrigações acordadas pelas empresas parceiras. Havendo quaisquer denúncias, as ilegalidades serão apuradas. Se for o caso, empresas podem ser descadastradas do programa.”
Administradora regional da Cidade do Automóvel (Scia) e da Cidade Estrutural, Vânia Gurgel diz não conhecer denúncias, ao menos na administração. “Para mim não chegou nada oficial. Uma pessoa me abordou e falou algo sobre isso e eu recomendei que registrasse ocorrência, mas nada foi feito. A administração regional pode ajudar por meio da ouvidoria, ou em contato comigo mesmo”, comenta a gestora.