Bebê morre após esperar dois meses por cirurgia cardíaca
Arthur até fez operação, mas faleceu quatro dias depois. Segundo médicos, teria 70% de chance de sobreviver se tivesse sido atendido antes
atualizado
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A demora do governo em conseguir, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a realização de uma cirurgia de emergência tirou a vida de Arthur Lopes aos três meses de idade no último domingo (9/9). O bebê nasceu em 6 de junho com o coração no lado direito do peito, batimentos cardíacos baixos e problemas no esôfago.
“Tive uma gravidez tranquila, apenas aumento de líquido constante. A médica que me atendia no posto de saúde disse que poderia ser diabete ou algum tipo de má formação, mas eu fazia exames [de sangue e ecografias] e nunca deu nada”, conta a mãe da criança, Lana Lopes, 30 anos.
Com 36 semanas de gestação, Lana sofreu um pico de pressão e teve de ir às pressas para o hospital. Primeiro tentou atendimento próximo de onde mora, em Santa Maria, mas não obteve sucesso. “Mesmo sendo urgente, não sabiam quando teria médico para me atender. Decidi ir para o HRAN [Hospital Regional da Asa Norte] e tive de fazer uma cesárea imediatamente”, lembra.
Segundo a mãe de Arthur, o menino nasceu com o chamado sofrimento fetal, quadro de asfixia grave. “Fizeram uma massagem, tentaram passar uma sonda, mas o esôfago estava obstruído. Ele precisava fazer uma cirurgia de urgência para resolver a situação”, disse.
Lana conseguiu que Arthur fizesse a operação no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), pois o ar estava entrando pelos pulmões e indo direto para o intestino fazendo com que a barriga do bebê ficasse muito grande. Após cerca de seis horas de cirurgia, a mãe acreditou que poderia ter seu filho saudável, porém, mesmo com poucos dias de vida, Arthur teria de enfrentar novo procedimento.
“Ele foi para a UTI e ficou tomando antibiótico durante 20 dias, mas uma veia estava entupida e o sangue não ia para o restante do corpo”, explica Lana. De acordo com os médicos, Arthur precisava fazer outra cirurgia entre cinco e 10 dias para resolver o problema, mas não foi o que aconteceu. Após dois meses, o garoto chegou a fazer o procedimento em 5 de setembro, mas, quatro dias depois, não resistiu e morreu de falência de órgãos.
De acordo com a mãe da criança, o bebê estava respirando por aparelhos e tomando drogas para que o coração funcionasse. “Lutamos para que ele conseguisse fazer a cirurgia o quanto antes. Os médicos me disseram que se ele tivesse feito o procedimento a tempo teria 70% de chance de sobreviver. Eu via outros casos que não eram tão urgentes sendo atendidos. Queria que todo mundo fizesse [a cirurgia], mas infelizmente não dá, então tem de ser estabelecido uma prioridade. O caso do meu filho era de urgência. Ele morreu por descaso da saúde pública”, relata.
Casada e mãe de mais dois filhos, de 4 e 12 anos, Lana disse que Arthur foi o único planejado pelo casal. Os pais já haviam feito chá de fralda e comprado todo o enxoval para receber o menino. Além da dor de perder um filho, Lana lamenta a precariedade da saúde no DF. “Sei que existem mais casos como o meu. Todos os médicos que passei me trataram muito bem, mas eu acho que houve erros. Meu filho tinha problemas e acredito que era possível descobri-los ainda na gravidez”, lamenta.
A família do menino pretende acionar a Justiça por danos morais. “Sei que isso não vai trazer meu filho de volta, mas a gente tem de fazer algo para que mais pessoas não passem pelo que nós passamos. A dor é insuportável. Trataram meu filho como mais um caso”, desabafa.
O outro lado
Em nota, a Secretaria de Saúde informou que Arthur estava regulado e internado na UTI do HMIB recebendo toda a assistência de equipe multiprofissional, enquanto aguardava pelo procedimento no Instituto de Cardiologia do DF (ICDF). No entanto, a criança não tinha condições de transferência devido ao seu quadro clínico ser instável.
Em contrapartida, conforme explicou Lana, não foi essa a informação dada a ela. “Eles me falaram que não tinha vaga e por esse motivo não podiam fazer a cirurgia. Pelos corredores, todo mundo escutava que o governo não tinha repassado os recursos financeiros para o instituto há três meses e que por isso estávamos nessa situação”, rebate.
Ainda de acordo com a pasta, há oito crianças com necessidade de suporte de UTI aguardando pelo procedimento, mas todas permanecem sendo assistidas nos hospitais em que estão internadas enquanto aguardam a transferência.
Lana também disse que chegou a acionar a Defensoria Pública do DF para conseguir um leito. “Assim que eu soube que ele precisaria fazer outra operação, entrei com o pedido na Defensoria, mas não adiantou muita coisa”, destaca.
A Defensoria, por sua vez, disse que entrou com a ação em defesa de Arthur, insistiu para que a medida fosse cumprida ao menos sete vezes, até fazer com que o DF operasse a criança.
Casos
A história de Arthur não é isolada. O Metrópoles vem acompanhando o caso de Jhennyfer Victoria Amorim de Souza, de 1 mês e 3 semanas, que precisa fazer uma cirurgia para corrigir uma grave cardiopatia. O procedimento, que deveria ter sido feito após o nascimento da menina, está sendo adiado por falta de vagas em leitos de UTI pediátrica na rede pública.
Nessa quinta-feira (13), a Justiça decidiu que, caso o GDF não faça a transferência em 15 dias, terá de desembolsar multa diária de R$ 5 mil, a contar da intimação. O secretário de Saúde do DF, Humberto Fonseca, também deverá pagar R$ 2 mil diariamente. Os limites dos valores das multas são de R$ 100 mil e R$ 50 mil, respectivamente. Jhennyfer está internada desde o nascimento no Hospital Regional de Ceilândia (HRC). Ela vai completar dois meses no dia 19 deste mês.
No começo deste ano, Vitório Paiva morreu aguardando procedimento. Nascido em 9 de janeiro de 2018 com uma cardiopatia congênita (problema no coração), ele precisava com urgência de uma cirurgia.
Vitório chegou a fazer a operação, em 8 de fevereiro, após um mês de espera e luta na Justiça por uma vaga em UTI neonatal no Distrito Federal, mas não resistiu e morreu.