Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários fazem devassa no BRB
Segundo as investigações do MPF, propinas eram levadas em dinheiro vivo até em jatinhos particulares
atualizado
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O rastro de corrupção investigado no Banco de Brasília (BRB) despertou a preocupação de entidades responsáveis por controlar e fiscalizar operações de instituições financeiras no país. O Banco Central do Brasil (Bacen) e a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) abriram procedimentos para acompanhar o caso com lupa.
Após as suspeitas serem descortinadas pela Operação Circus Maximus, as duas entidades destacaram representantes para se debruçarem sobre os contratos supostamente fraudados pela cúpula do BRB ainda na gestão do ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB). A CVM – entidade autárquica vinculada ao Ministério da Fazenda – encaminhou ofício ao BRB exigindo esclarecimentos sobre as denúncias.
Em resposta, o BRB garantiu “estar adotando todas as medidas cabíveis visando preservar os interesses da companhia e seus acionistas”.
A intenção dos órgãos é promover uma devassa nas transações executadas pelo banco candango e evitar mais perdas. Deflagrada na terça-feira (29/1), a Circus Maximus apura um esquema criminoso instalado na cúpula do BRB que movimentou, segundo o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal, pelo menos R$ 40 milhões em propinas.
Embora tenha evitado mencionar o BRB, a CVM confirmou “manter com o MPF e a PF um profícuo relacionamento institucional, que abrange acordos de cooperação técnica para intercâmbio de informações, conhecimentos e bases de dados de interesse comum”, informou, em nota.
No mesmo texto, a CVM destaca que “os acordos visam à prevenção e ao combate a ilícitos contra o mercado de capitais nas esferas administrativa, civil pública e criminal”.
Já o Banco Central limitou-se a dizer que não comenta “casos específicos de instituições financeiras”. No entanto, fontes de dentro do BRB garantiram ao Metrópoles que o Bacen também cobrou explicações da instituição candanga.
O Bacen não explicou por que chancelou o nome Vasco Cunha Gonçalves à presidência do BRB à época, mesmo ele já tendo sido condenado há 14 anos por irregularidades no próprio Banco de Brasília.
Em 2004, Vasco esteve entre os responsáveis por um prejuízo milionário causado à instituição financeira. Graças a investimentos suspeitos, a Regius – fundo de pensão dos empregados do BRB – perdeu R$ 5,3 milhões, mais de R$ 10 milhões em valores atualizados. Vasco foi diretor do Financeiro da Regius.
Dinheiro vivo levado de jatinho
Na decisão que embasou uma série de autorizações judiciais para cumprimento de prisões e diligências de busca e apreensão, o juiz federal da 10ª Vara do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Vallisney de Souza Oliveira, descreve “um cenário de possíveis crimes de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e tráfico de influência supostamente praticados por empresários, funcionários públicos e agentes financeiros autônomos em dois empreendimentos e, potencialmente, um terceiro”.
Na terça-feira (29/1), a Polícia Federal cumpriu 14 mandados de prisão e 34 de busca e apreensão em 34 endereços no Distrito Federal, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Um dos detidos foi justamente Vasco Cunha, que havia sido recentemente nomeado para presidir o Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), mas renunciou ao cargo após o escândalo na capital vir à tona.
Segundo o MPF, os suspeitos “organizaram uma indústria de propinas e favorecimentos para investimentos em detrimento do procedimento técnico e da boa gestão que se espera das instituições financeiras”.
Num dos trechos da denúncia formulada pelo MPF consta que o empresário Ricardo Siqueira Rodrigues – apontado como o maior operador de fundos de pensão no país e um dos delatores do esquema – utilizava seu avião particular para entregar propina a Henrique Domingues Neto, apontado como o elo estrutural entre o BRB e os investidores.
A denúncia ainda destaca outra forma de lavar o dinheiro oriundo de movimentações escusas: “Um esquema de carregamento de dinheiro também foi montado para abastecer o grupo. Ricardo Rodrigues usava pessoas jurídicas que se dispunham a auxiliá-lo na geração de dinheiro vivo por meio de notas fiscais falsas que esquentavam dinheiro de origem criminosa”.
Empreendimentos suspeitos
De acordo com os procuradores, o Banco de Brasília foi peça decisiva para beneficiar empreendimentos em operações consideradas fraudulentas e com intermediação de pagamento de propina.
No primeiro caso citado pela ação do MPF, integrantes do BRB teriam recebido propina em troca de investimentos do banco no LSH Lifestyle Hotel, antigo Hotel Trump. O aporte do Banco de Brasília em empreendimento carioca que não se mostrava bom negócio para a instituição foi realizado mesmo assim – na base de vantagem indevida, sabe-se agora.
Para construir o hotel, a LSH foi ao mercado e lançou debêntures (títulos de dívida) junto a instituições financeiras para a captação de recursos. A operação totalizou R$ 80 milhões, em valores corrigidos. Desse total, 42% são do BRB, ou seja, R$ 33,6 milhões. O banco entrou de cabeça no negócio, adquirindo, administrando e custodiando o fundo por quase quatro anos, entre 2013 e 2017.
Veja trechos da investigação do MPF:
Recuperação financeira do Correio Braziliense
Outra operação envolvendo a emissão e negociação de debêntures pelo BRB é alvo da apuração do MPF e objeto da decisão da Justiça que determinou os mandados de busca e apreensão.
No centro da investigação está, desta vez, o processo de recuperação judicial do Correio Braziliense – jornal que há anos passa por dificuldades financeiras. Em trecho da decisão do juiz Vallisney Oliveira, o magistrado cita a recorrência das condutas fraudulentas do grupo investigado, com indícios fortes de que continuam ocorrendo em outras operações, “inclusive administrando ou participando de outros investimentos com as mesmas características de fraude, a exemplo do apontado pelos colaboradores, a emissão de debêntures do Correio Braziliense”.
Conforme o magistrado aponta em sua peça, Lúcio Funaro foi convidado, segundo o próprio colaborador, para investir no fundo Correio Braziliense de forma ilícita, o que teria ocorrido em plena operação e administração atual, tendo havido renegociação de dívidas em 2018 até 2020, ou seja, fatos em andamento. O magistrado ainda cita que Henrique Domingues Neto, apontado como o elo estrutural entre BRB e os investidores, convidou Ricardo Siqueira, que se tornou delator do esquema, para gerir o fundo do Correio.
“Aliás, segundo colaboradores, há fortes indícios de irregularidades e pagamento de propina auferida pela atuação da organização criminosa liderada por Ricardo Leal, mesmo porque investimentos apontados como irregularidades no ICLA Trust/Fundo Turmalina estão presentes em ambos os investimentos: LSH e Correio Braziliense. Outrossim, se faz imprescindível a prisão de Henrique Neto para a conveniência da instrução criminal”, diz Vallisney Oliveira na peça.
Veja trechos da decisão:
Praça Capital
Outro empreendimento suspeito citado pelos investigadores é o edifício Praça Capital. Segundo o MPF, na captação de recursos junto ao BRB feita pela sociedade formada entre as empreiteiras Odebrecht e Brasal, “a estrutura criminosa se repete”. O Ministério Público Federal detalha que integrantes do banco cobravam vantagens indevidas para a aquisição de cotas em fundos de participação do complexo construído às margens da EPTG.
“Pelo seu insucesso, [o Praça Capital] causou notável prejuízo aos investidores e beneficiários dos fundos de investimento, tanto mais pela irresponsabilidade de dirigentes e gestores que investem milhões em negócios aparentemente fadados a dar prejuízo”, afirma o MPF.
Veja trechos da investigação do MPF:
Outro lado
O BRB afirmou, em nota, apoiar e cooperar “integralmente com todos os órgãos competentes que conduzem a operação”. Informou, também, que a ação corre em segredo de Justiça e todas as informações serão repassadas exclusivamente às autoridades policiais. “O BRB adotará todas as medidas judiciais cabíveis visando preservar o banco e suas empresas controladas”, completou.
Segundo o LSH Hotel, os fatos investigados referem-se a um período anterior à atual administração da companhia. Pontuou, ainda, que a empresa colabora com a PF e o MPF. “O LSH Hotel se mantém operando normalmente e sem impacto para os hóspedes”, concluiu.
O advogado Marcelo Bessa, do Grupo Brasal, uma das empreiteiras responsáveis pelo Praça Capital, reforçou que o grupo encontra-se em dia com todas as obrigações junto aos clientes e investidores. O prédio foi concluído, o “Habite-se” emitido e as unidades, entregues. Em relação ao Fundo de Investimento Imobiliário SIA/Praça Capital, vinculado ao empreendimento, “afirmamos que os rendimentos estão sendo garantidos nos termos do contrato, não havendo prejuízos aos cotistas que têm recebido regularmente os resultados de seus investimentos”. Segundo o advogado, não houve qualquer ato ilícito praticado pela empresa ou por seus executivos.
O Correio Braziliense argumentou que a emissão de debêntures citada pela decisão judicial “foi uma operação estruturada, que seguiu todas as regras do mercado financeiro”. O veículo informou que irá procurar as autoridades para se colocar à disposição e esclarecer qualquer dúvida.
Os advogados de Henrique Domingues Neto disseram que “os decretos de prisão são manifestamente ilegais, feitos com base em delações cujas mentiras e desvios de finalidade foram escancaradamente comprovados”. “A decisão causa ainda mais perplexidade, visto que os investigados já se colocaram à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos”, acrescentaram os defensores Pedro Ivo Velloso e Ticiano Figueiredo.
Por meio de nota, o Banestes informou que Vasco Cunha Gonçalves renunciou ao cargo de diretor-presidente da instituição.