Baile, corrida de carros e fogos: imagens inéditas contam a história do nascimento de Brasília, em 1960
A solenidade que marcou a transferência da capital para Brasília em 1960, foi o primeiro grande evento registrado na cidade, e durou 3 dias
atualizado
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Os eventos que marcam o aniversário de Brasília, comemorado neste 21 de abril, são uma tradição para aqueles que escolheram o quadradinho no Cerrado brasileiro para chamar de casa. Aos 63 anos, a capital federal já ganhou diversas comemorações que mudaram o formato ao longo das décadas, mas nunca perderam a essência de celebrar a estima pela cidade.
A inauguração, que marcou a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília, em 1960, foi o primeiro grande evento registrado na cidade. Com três longos dias de festa, a comemoração contou com baile de gala, corrida de carros em pleno Eixo Monumental, celebração de missa, apresentação de balé, desfiles, apresentação da esquadrilha da fumaça e queima de fogos de artifícios – novidade para muitos brasileiros até então.
Casa da memória do Distrito Federal, o Arquivo Público guarda, por meio de fotografias e vídeos, detalhes que aproximam o imaginário do brasiliense de como foram, de fato, as festividades da inauguração. Por meio das imagens é possível visualizar momentos inéditos da solenidade.
Assista as festividades da inauguração de Brasília:
A circunstância da festa tinha, na multidão de brasileiros que chegaram de toda parte em caravanas, autoridades de cartola e candangos com suas melhores roupas. Estima-se que mais de 200 mil pessoas acompanharam as solenidades.
Os poucos hotéis existentes na cidade na época encontravam-se com ocupação máxima. As pessoas que tinham casa alugavam um quarto, às vezes até o carro da família. Alguns outros, como o caso da banda de Fuzileiros Navais, vinda do Rio de Janeiro, gastou cerca de um mês viajando a pé, com o intuito de se apresentar na festa.
Segundo dados do Censo daquele ano, a população da nova capital girava em torno de 140 mil pessoas. Desse número, mais de 87 mil eram homens, em sua maioria, trabalhadores que vieram prestar serviço nas várias obras espalhadas pelo local.
Veja os registros históricos da inauguração:
Conhecido como um dos mais importantes especialistas na história de Brasília, o jornalista, historiador, professor aposentado e ex-preso político Jarbas Silva Marques, 79 anos, cobriu a construção da capital federal e relembra o clima dos candangos em meio à inauguração.
“No governo de Juscelino Kubitschek criou-se o slogan ‘Ritmo de Brasília’, que significava trabalhar em três turnos, porque se estimava que a capital demorasse 10 anos pra ser feita. Então, os operários tinham consciência patriótica de que tinham que trabalhar para Brasília ser entregue em menos tempo. O clima antes da inauguração era de ufanismo e compromisso dos candangos para inaugurar a cidade em 1960″, detalha Jarbas.
O dia que Brasília parou
A inauguração de Brasília foi um acontecimento, embora muitos daqueles que já moravam na cidade, bem como parte do resto do país, não acreditassem que o plano de JK daria certo até o dia 21 de abril de 1960.
Marilda Moraes Porto, 83 anos, veio para Brasília em 1958. Ela foi casada durante 60 anos com Edson Porto, primeiro médico a realizar atendimento no local que viria a ser tornar a capital da República. A aposentada conta que, mesmo que a construção da cidade estivesse a todo vapor, existia receio de que o sonho não se concretizasse.
“Até o dia da inauguração, existia um certo medo de que a cidade não fosse inaugurada, pois muitos políticos da época eram contra a transferência da capital. Eles diziam que Brasília não seria terminada. Então, quando ocorreu a celebração da fundação, foi um verdadeiro acontecimento, nos sentimos aliviados. Brasília parou para ver essa festividade”, conta Marilda.
A pioneira relembra que a alegria contagiante tomou conta da cidade naquele dia. “Foi muito bonita a festa, a gente viu uma obra de tamanha dimensão concluída. Nos encantou os monumentos da cidade, aquele espaço enorme. A Rádio Nacional transmitiu uma programação especial durante todo o dia, as pessoas celebravam na rua diante de um final feliz, após os sacrifícios do trabalho árduo”, diz.
Segundo Jarbas, a concretização de Brasília era motivo de orgulho nacional não só para aqueles que ajudaram a construí-la, como também para quem acompanhou de longe o desenvolvimento urbano.
“Brasília foi a cidade que deu mais cidadania ao povo brasileiro. Na época, até existia uma piada de que dois operários chegaram em frente ao Hotel Nacional, e um deles falou: ‘Eu já morei aqui’, e o outro pergunta: ‘Quando?’, por fim, o primeiro responde: ‘Quando a gente estava construindo o prédio’. Para eles, era sensação de pertencimento ao lugar”, detalha.
As festividades tiveram início, oficialmente, às 16h, no dia 20 de abril de 1960, na Praça dos Três Poderes, com o presidente da Novacap, Israel Pinheiro, entregando as chaves de Brasília ao presidente JK. Na ocasião, o homem responsável por comandar o operários das obras aproveitou a oportunidade para alfinetar opositores.
“Brasília é obra do civismo sadio, de otimismo criador, de ânimo pioneiro, de iniciativas que rasgam os largos caminhos de um futuro que o Brasil reclama com impaciência, com ímpeto jovem, com fome de renovação. O espírito de Brasília é tudo o que há de contrário ao derrotismo sistemático”, discursou Israel Pinheiro.
A emoção com a inauguração de Brasília não permaneceu apenas entre os pioneiros. No primeiro dia das celebrações, durante a missa solene celebrada por dom Manuel Gonçalves Cerejeira, em frente ao Palácio do Planalto, um flagrante marcante entrou para a história: JK emocionado e em lágrimas com a concretização de seu sonho.
“Só vi meu pai chorar em duas ocasiões: na morte de familiares e na inauguração de Brasília”, diria mais tarde a filha de JK, Maria Estela, à Agência Brasil.
O jornalista Jarbas Silva detalha que, nos anos seguintes à inauguração, as comemorações do aniversário de Brasília tiveram um ar protocolar e, de certo modo, um distanciamento do povo, devido principalmente ao período de Ditadura Militar, entre 1964 e 1985.
“Quando a cidade completou um ano, Jânio Quadros foi eleito presidente da República e foi o período de maior incerteza da permanência da capital em Brasília. Por alguns meses, as obras na cidade foram paralisadas, havia um clima de tensão entre os candangos nesse aniversário. Nos anos seguintes, ocorreram solenidades militarizadas, que cabiam ao formalismo da ditadura vigente na época”, revela Jarbas.
Segundo ele, as cerimônias voltam a ter o prestígio popular no período de redemocratização, em 1985. “Alguns daquela geração de pioneiros estava morrendo, mas eles se valorizavam ainda mais de terem participado da construção e eram motivo de orgulho de seus familiares que conquistaram cidadania por meio deles”, ressalta.
Mesmo que, ao longo dos anos as celebrações tenham encontrado novas formas de adaptações, o único período na história de Brasília em que as festividades culturais e cívicas se amorteceram foram durante a pandemia de Covid-19.
Após dois anos sem grandes eventos, as festividades foram retomadas no ano passado com as tradicionais apresentações públicas. Para 2023, o Governo do Distrito Federal prepara um fim de semana cheio de atividades culturais e shows na Torre de TV.
“Brasília é uma cidade única e incrível que merece ser celebrada. Nos últimos anos, temos presenciado seu enorme potencial para o turismo seja cívico, de eventos, de lazer, de negócios, cultural, gastronômico e de natureza. Para comemorar os 63 anos da capital federal, não podíamos deixar de realizar uma festa à altura dos brasilienses, com uma programação diversificada e para toda a família”, afirma Cristiano Araújo, secretário de Turismo do DF.