Babalorixá de apenas 32 anos, Obá Gberó morre vítima da Covid-19 no DF
Amigos lembram da alegria, das militâncias e do amor pela religião e cultura afrobrasileiras
atualizado
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Uma trajetória curta, mas com um legado elogiado por todos os que o conhecia. Assim foi a história de 32 anos de vida de pai Deverson de Afonjá, também conhecido no Candomblé como Obá Gberó. Ele foi mais uma vítima, nesta quinta-feira (25/06), do novo coronavírus no Distrito Federal.
Conhecido pela alegria e militância em favor das religiões de matrizes africanas, pela cultura, causas LGBTs, contra o racismo e tantas outras bandeiras, Obá Gberó, desde muito cedo, mostrou ter caminho para chagar ao posto de babalorixá, um dos mais altos na hierarquia de terreiro.
“Ele foi um dos primeiros filhos feitos aqui em casa e faleceu com 15 anos de iniciado. Uma pessoa com muitos filhos, alegre, de Xangô de Afonjá, que é um santo guerreiro, da alegria. Teve uma trajetória curta, mas seguimos Olorum. A vida dele foi se doar, não apenas para os seus, mas a todos os que o procuravam”, conta Pai Aurélio de Odé, o pai de santo de Obá Gberó.
Trajetória de luta
Ainda muito novo, Deverson mostrou interesse pelo Candomblé ao ponto de morar na casa de Pai Aurélio. Logo, ainda na adolescência, ele foi iniciado e vieram os preconceitos. Segundo Pai Aurélio, por usar os trajes tradicionais, muitos colegas o discriminavam e, em alguns casos, a mãe de Obá precisou ir ao local para defendê-lo. Há um ano ele fundou sua casa, com os méritos de seus caminho.
Essa luta por sua identidade foi um dos principais fatores que o levaram a se tornar um ativista de tantas causas, mas sempre identificado com o respeito e a ajuda ao próximo.
“Muitos jovens e mais velhos, por força dele, estabeleceram à conexão com a religião dos orixás. Era uma daquelas pessoas que pela fé, sem muito discurso, mostrava quão legítimo é o Candomblé. Em um espaço como Planaltina, onde a intolerância religiosa é marcante, ele demonstrou que as religiões de matrizes africanas podem ser vividas sem preconceitos”, conta Ana Flávia Magalhães, irmã de santo.
Dono de uma espiritualidade conhecida por todos, o primeiro contato dele com a cantora Cris Pereira, também iniciada com o nome de Oxum Omin Kayodê Yaô, foi durante uma celebração na casa de Pai Aurélio. Incorporado por Xangô, Obá Gberó foi em direção a artista. “Apenas eu e meu marido sabíamos que eu estava grávida. Achei que ele viria me dar um abraço, mas ele tocou em minha barriga e deu um forte grito”, conta.
Cris fala sobre o entendimento de Deverson no mundo. “O mais importante a se falar é que ele era mais um jovem negro da periferia, de Planaltina, referência no que fazia. Se tornou babalorixá muito cedo porque tinha caminho, desde criança. Uma figura muito querida”, ressalta a cantora. “Ele vai deixar um vazio que não dá para preencher. Muito consciente do seu lugar no mundo, jovem, preto, de periferia, homossexual. Fez uma família linda de santos, muito bem-criados. Ainda não sabemos como vamos nos organizar. Era o único Xangô de Afonjá – guerreiro e de alegria, energia de vida”, analisa Cris.
Cultura
Mas não eram apenas as pessoas de mesma fé que o babalorixá ajudava. Defensor da cultura, gostava de participar de eventos como a tradicional como a Via Sacra de Planaltina.
Foi esse amor pela cultura que aproximou Obá Gberó da cantora Vera Veronika. Em 2017, a artista o convidou para participar de um clipe (veja abaixo), que selou uma amizade até o fim da vida de Deverson.
“Eu sou cantora de rap e sou do candomblé. Conheci ele por intermédio do babalorixá Aurélio. E fui convidar todos do terreiro para participar de um clipe. Ele e a Nani fazíamos apresentações e eles participaram comigo em 2017. De lá para cá, mantivemos uma amizade artística. Quando fui gravar o DVD eles participaram”, conta Vera Verokina.
A artista completa: “Eu, que sou artista, digo que hoje perdemos uma estrela. Onde ele chegava, contagiava. Fazia com que as pessoas respeitassem a nossa religião. Ele era ativista LGBT. Ele ia dançar e encantava todo mundo”.
Na tarde desta sexta-feira (26/06), por não poderem se despedir com um funeral apropriado, os irmãos e filhos de santo de Obá se reuniram em uma carreta que levou o corpo do jovem babalorixá até o cemitério.
“Ele deixa muita alegria. Era a marca o sorriso dele. Ele volta para o Olurum com muita alegria. E deixa essa alegria. O legado que ele deixa são os muitos filhos e eu, como avó deles, vou cuidar de cada um”, completa Pai Aurélio.