“Aviõezinhos”: vídeo mostra ação de crianças usadas pelo tráfico no DF
Jovens inimputáveis, que aparentam ter entre 8 e 16 anos, intermedeiam a compra e a venda de entorpecentes entre traficantes e usuários
atualizado
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Desde as primeiras horas da manhã, período em que comumente crianças e adolescentes se preparam para ir à escola, menores explorados pelo tráfico de drogas são estrategicamente posicionados em cada esquina de uma famosa quadra localizada em Ceilândia, conhecida como “boca de fumo”. Tais como soldados, meninos e meninas permanecem por longas horas sem deixar o posto. O trabalho é claro: intermediar a compra e a venda de entorpecentes entre traficantes e usuários.
Conhecidos como “aviõezinhos”, os menores são recrutados pelo narcotráfico em um ponto que fica a cerca de 35 minutos da Esplanada dos Ministérios, área central de Brasília. Utilizados como “peões” – em referência às peças de xadrez sacrificadas primeiro –, crianças e adolescentes devem cumprir metas impostas por traficantes durante jornadas diárias exaustivas. Tudo isso dentro de um cenário com risco iminente de morte e exposição a todo tipo de violência.
Por dias, o Metrópoles esteve na QNN 19 e acompanhou de perto a rotina dos meninos. Há anos, a região é utilizada como ponto de venda de entorpecentes com a exploração dos inimputáveis.
No local, os jovens – que aparentam ter entre 8 e 16 anos – podem ser vistos em esquinas, de sentinela, ao lado de outros menores ou em cima de bicicletas. Entre uma brincadeira e outra, os meninos soldados são interrompidos por veículos que param no endereço em busca das mercadorias ilícitas. Não muito distante da cena, olheiros observam a movimentação e a atuação dos recrutados pelo tráfico.
Veja:
Segundo uma fonte ouvida pelo Metrópoles, cuja identidade será preservada, usuários avisam com antecedência sobre a ida à região. Após serem instruídos, os menores retiram as drogas de esconderijos e as entregam ao comprador. Tudo acontece de forma muito rápida. Diante de um olhar mais desatento, o tráfico passa despercebido.
Em um quiosque atrás da via principal da quadra, cerca de quatro adolescentes são os responsáveis pela entrega dos entorpecentes. Em uma das idas ao endereço, a reportagem flagrou o momento em que um deles retira drogas da parte de trás de uma lixeira e a entrega ao condutor de um Sandero na cor prata. O homem pega o entorpecente e, rapidamente, deixa o local (vídeo acima).
Em uma segunda gravação, é possível ver outro menino pegando uma porção de drogas escondida no pneu de uma Fiorino, que é de uma distribuidora de bebidas. No comércio, inclusive, há grande movimentação de crianças e adolescentes.
Uma terceira filmagem mostra uma mulher descendo de um carro na cor prata e seguindo em direção a um “aviãozinho”. Ela conversa com o menino, pega algo e retorna ao veículo. O mesmo comportamento é repetido por diversos outros automóveis que passam pelo local ao longo de todo um dia.
Não muito distante dos menores, adultos encostados em muros ou sentados em cadeiras de comércio fiscalizam o tráfico na região.
Menores são inimputáveis
Segundo o artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), menores de 18 anos são inimputáveis, ou seja, não podem ser condenados a penas pela prática de crimes.
Dessa forma, quando uma criança ou adolescente pratica um ato que é previsto em lei como crime, ela está cometendo um ato infracional análogo ao crime, e não o crime em si.
Conforme o último levantamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que recebeu dados de apenas 15 estados, o tráfico de drogas foi o segundo ato infracional mais atribuído a menores, seguido de roubo. Na terceira colocação, está homicídio doloso.
Divergências
A atuação de crianças e adolescentes no tráfico de drogas consta na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e o Brasil é signatário da Convenção 182 da OIT , por meio do Decreto nº 3.597/2000 – norma que enquadra o tráfico como trabalho infantil e determina ações imediatas para sua eliminação. Apesar dessa conjuntura, tal prática não é considerada como trabalho infantil pelo Poder Judiciário.
Estudos apontam ambiguidade jurídico-normativa em relação ao tema. Alguns especialistas acreditam que, se não houver um entendimento, a juventude em situação de vulnerabilidade social ficará refém de um Estado que não cumpre as leis. Outros garantem que a realidade deve ser tratada como exploração, e não crime.
O Metrópoles perguntou à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) a quantidade de menores apreendidos na capital por envolvimento com o tráfico de drogas. A pasta, no entanto, informou que a solicitação deveria ser encaminhada à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). A corporação disse que não tem os dados solicitados.
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) também foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem até a última atualização deste texto.