Auditoria constata fracasso do Pró-DF II e pede suspensão do programa
TCDF aponta desvios de funcionalidade de imóveis, baixa geração de empregos e prejuízo aos cofres públicos na segunda etapa da iniciativa
atualizado
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Criado para aquecer a economia do Distrito Federal, a segunda etapa do Programa de Apoio ao Empreendimento Produtivo do DF (Pró-DF II) fracassou e tem custado caro aos cofres públicos. É o que aponta relatório de auditoria do Tribunal de Contas do DF (TCDF). Segundo a Corte, entre uma série de problemas identificados, houve insignificante geração de empregos, renda, receita tributária e desenvolvimento econômico e social.
A série de fracassos não para por aí. Hoje, o número de postos de trabalho nas empresas cadastradas na iniciativa é inferior ao registrado no período em que elas aderiram ao programa e fica aquém de concorrentes que não estão inseridas no Pró-DF II.As conclusões do TCDF mostram que apenas 12% das empresas estão funcionando nos moldes previstos pela Lei n° 3.196/2003, que criou o Pró-DF II. A maioria dos imóveis construídos ou utilizados para o programa teve desvio de funcionalidade: 71% deles hoje estão destinados à locação, o que não poderia ocorrer.
Diante dessa realidade, o TCDF determinou a suspensão do programa até a sua completa reformulação e a concessão de novos benefícios. Quem já foi contemplado não será afetado, uma vez que tem o direito adquirido.
O Pró-DF, que hoje está na sua terceira etapa, foi lançado em 2003 com incentivos fiscais para empresas que se comprometessem a gerar empregos. Em alguns casos, houve até a concessão de terrenos. No entanto, foi um programa repleto de confusões, irregularidades, contratos falsos e mudança da destinação inicial do terreno sem autorização do governo.
Retorno pífio ao erário
O descaso com o Pró-DF II mostra que, para cada R$ 1 investido, houve apenas R$ 0,51 de incremento na arrecadação tributária. Com terrenos, financiamentos e cartas de crédito, foram empenhados R$ 5,2 bilhões entre 2004 e 2014 – dinheiro que não retornou em benfeitorias para a população.
O saldo negativo aponta ainda que o custo para o GDF de cada emprego mantido por quatro anos no Pró-DF II ultrapassou R$ 160 mil, o suficiente para manter um trabalhador com salário mínimo (R$ 954) por mais de 11 anos.
A consequência da omissão do GDF é que os programas surgiram e têm sido executados como um fim em si mesmos, sem preocupação com os resultados efetivamente alcançados e os custos suportados pelo erário distrital.
Trecho do relatório final de auditoria do TCDF
Fracasso industrial
Essas e outras falhas foram avaliadas e detalhadas minuciosamente pelo Tribunal de Contas. A Corte indicou e alertou, a diferentes gestões do governo local, os problemas na condução do Pró-DF II.
Além de os problemas não terem sido sanados, eles se perpetuaram no programa Ideas Industrial. Criado em 2013, por meio da Lei nº 5.017, a iniciativa previa, segundo definição do texto legal, “financiamento que tem por objetivo promover o desenvolvimento econômico de atividades produtivas do Distrito Federal por meio da ampliação da capacidade da economia local na produção e na distribuição de bens e serviços e na efetiva geração de emprego e renda”.
Como as metas, segundo o TCDF, não foram cumpridas, o Ideas Industrial foi incluído no mesmo relatório de auditoria do Pró-DF II por ter problemas similares.
Para o professor de administração e políticas públicas do Ibmec-DF José Simões, essas ações de fomento promovidas pelo GDF guardam similaridades que comprometem a execução desde a largada.
O programa nasce errado, com um erro fundamental: sem objetivos. A partir desse início natimorto, todo o restante é desastre, pois não há como estabelecer metas e ser avaliado. Nasceu condenado ao fracasso e mostra o total descaso com o dinheiro público.
José Simões, especialista em gestão pública
Descontos milionários
A lista de mazelas no relatório de 134 páginas contém uma tabela com dezenas de empresas que gozaram de benefícios do programa, ganharam descontos consideráveis e encerraram as atividades em poucos meses. Há casos nos quais uma empresa que durou apenas nove meses recebeu descontos que somaram R$ 210.870,94. Outra, com apenas quatro meses de vida, teve abatimento de R$ 73.922,56 em impostos e outros benefícios.
Quando se percorre as ruas do Distrito Federal para ver como as empresas inscritas no Pró-DF têm aproveitado os benefícios concedidos pelo governo para se desenvolverem e gerarem empregos, o que se vê são placas enferrujadas, portões fechados e abandono. Há imóveis disponíveis para aluguel e outros com desvio de função: fábricas e galpões que viraram apartamentos.
Em Ceilândia, por exemplo, em um espaço onde deveria existir área comercial, há apartamentos de dois quartos para serem alugados por R$ 750 mensais. Nessa mesma área na Região Administrativa, o mato alto e a degradação tomam conta do local que era para estar plenamente desenvolvido, segundo as metas do governo. Ali, porém, poucas empresas funcionam.
Quem mantém o próprio negócio ativo também reclama. Dona de um restaurante em Ceilândia, Matilde Maria Pereira Silva chegou a ter seis funcionários, conforme previsto como contrapartida no Pró-DF. Agora, devido às dificuldades, o negócio é tocado apenas por familiares. “O movimento é muito baixo aqui, então muitas empresas não conseguem se manter. Eles [governo] exigem muitas coisas”, reclama.
Cobranças do TCDF
A resposta que o TCDF espera do governo local é clara: a Corte pede que o GDF estabeleça diretrizes e objetivos estratégicos de curto, médio e longo prazo; mensure resultados, fixe metas e levante a situação atual dos beneficiados.
Em suma, o tribunal quer respostas para o porquê de haver tanta ajuda do governo e pouco retorno e fiscalização. Essas demandas vêm sendo feitas ao longo dos anos, mas ignoradas completa ou parcialmente, como aponta o relatório do TCDF.
Procurado pela reportagem para comentar o relatório da Corte de Contas, o GDF não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem.
O programa
Alguns casos emblemáticos marcaram a história do Pró-DF. Em 2011, a Câmara Legislativa instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar irregularidades em contratos. Em 2015, no primeiro ano do atual governo, foram analisados 3,5 mil processos administrativos.
Naquele ano, a comissão identificou que cerca de 1,6 mil cartas-consulta estavam paradas e 1,4 mil processos tramitavam na Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) sem acompanhamento do órgão responsável.
No entanto, a CPI foi encerrada no ano seguinte sem apontar indiciados. O relatório final se limitou a apresentar sugestões ao GDF, para que o governo “corrigisse imperfeições no programa”.