Arruda, Agnelo, Filippelli e mais nove viram réus na Panatenaico
Justiça Federal acatou denúncia do MPF. Os três teriam recebido R$ 16,6 milhões em propina na obra da reforma do Estádio Mané Garrincha
atualizado
Compartilhar notícia
A juíza Pollyana Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 12ª Vara da Justiça Federal no DF, acatou denúncia do Ministério Público Federal (MPF-DF) contra 12 investigados no âmbito da Operação Panatenaico, transformando-os em réus. Entre eles, estão os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli (MDB).
Eles vão responder por organização criminosa, corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude a licitação. A denúncia do MPF foi desmembrada em três ações penais. Nesta quarta-feira (25/4), os funcionários da 12ª Vara estão trabalhando na intimação dos citados para que eles apresentem suas defesas, conforme revela o Metrópoles em primeira mão.
Fontes da reportagem no MPF-DF informaram que essas são apenas as primeiras denúncias de um longo processo. Casos mais complexos ainda estão sendo analisados. Outros indiciados pela Polícia Federal, além dos 12 já citados, também poderão ser denunciados.
Confira a lista dos 12 denunciados:
Agnelo Queiroz: ex-governador do DF
Tadeu Filippelli: ex-vice-governador do DF
José Roberto Arruda: ex-governador do DF
Maruska Lima de Sousa Holanda: ex-diretora de Edificações da Novacap e ex-presidente da Terracap
Nilson Martorelli: ex-presidente da Novacap
Fernando Queiroz: proprietário da Via Engenharia
Jorge Luiz Salomão: operador de Agnelo
Sérgio Lúcio Silva de Andrade: operador de Arruda
Afrânio Roberto de Souza Filho: operador de Filippelli
Luiz Carlos Alcoforado: ex-advogado de Agnelo, teria recebido propina destinada ao petista
Wellington Medeiros: ex-desembargador e advogado, teria recebido propina para Arruda
Alberto Nolli Teixeira: era diretor de Construção da Via Engenharia, engenheiro, casado e morador do Setor Sudoeste, é apontado como um dos pagadores de propina em nome da empreiteira
O outro lado
De acordo com Luiz Henrique Machado, advogado de Arruda, a denúncia não procede. “Arruda estava afastado do governo quase seis meses antes de o processo licitatório se iniciar. Nem mesmo a fase de habilitação das empresas havia começado. Há uma denúncia baseada exclusivamente em delações despida de qualquer elemento corroborativo de prova. A defesa está confiante que o recebimento da denúncia será revisto pelo próprio Poder Judiciário”, pontuou o defensor do ex-governador.
A defesa do ex-governador Agnelo informou que vai responder aos questionamentos da Justiça e está confiante na inocência do petista. O advogado de Filippelli não se manifestou até a publicação desta reportagem.
“Tentaram acabar com a minha reputação a partir de uma tese bárbara, estapafúrdia. Como eu poderia receber e passar dinheiro justamente para quem me devia? É um absurdo completo”, rebate Luiz Carlos Alcoforado, ex-advogado de Agnelo e um dos denunciados.
Desvio de recursos públicos
As investigações da PF identificaram fraudes e desvios de recursos públicos em obras de reforma do Estádio Nacional Mané Garrincha para a Copa do Mundo de 2014. Orçada em R$ 600 milhões, a arena brasiliense custou mais de R$ 1,6 bilhão. Estima-se que R$ 900 milhões foram desviados. A operação é decorrência das delações de ex-executivos da Andrade Gutierrez.
Segundo a denúncia, Arruda, Agnelo e Filippelli teriam recebido R$ 16,6 milhões em propina na obra da reforma do Estádio Mané Garrincha. A partir das delações premiadas de ex-executivos das empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht, foram identificados repasses aos três políticos, que chegaram a ser presos na época da operação.
Agnelo Queiroz, de acordo com o MPF, teria embolsado R$ 6,495 milhões. A fatia de Arruda seria de R$ 3,92 milhões. Já Filippelli supostamente recebeu R$ 6,185 milhões. O dinheiro, segundo as investigações, foi repassado de diversas formas: em doações partidárias para igrejas, compras de bebidas e ingressos para Copa do Mundo de 2014 e em espécie.
A denúncia relata que o acerto para o superfaturamento do Mané Garrincha teria começado em uma reunião na Residência Oficial de Águas Claras. Na época, Arruda era o governador.
Divisão da propina
Segundo os procuradores da República no Distrito Federal, a propina para Agnelo teria sido intermediada por dois operadores: Jorge Salomão (10 repasses, no total de R$ 1,75 milhão) e o advogado Luís Alcoforado (cinco repasses, que somaram R$ 660 mil). O petista também foi supostamente beneficiado com doações de R$ 300 mil ao partido e à Paróquia São Pedro. Parte do dinheiro ainda financiou a compra de bebidas, ingressos da Copa, contrato com empresa de mídia digital, bufê para camarotes em jogos no Mané Garrincha e até camisas para um clube de futebol.
Para Filippelli, ainda conforme a denúncia, foram feitas doações destinadas à campanha do político, nos valores de R$ 2.485, pela Andrade Gutierrez, e de R$ 3,7 milhões pela Via Engenharia. Além disso, ele teria amealhado 1% em propina referente ao valor do contrato firmado com o consórcio para a reforma da arena brasiliense.
Já o ex-governador Arruda supostamente embolsou R$ 2 milhões em seis parcelas, por meio de seu operador Sérgio Lúcio de Andrade, mais R$ 1,8 milhão em quatro pagamentos intermediados pelo advogado Wellington Medeiros, além de duas doações no valor total de R$ 120 mil à Paróquia São Pedro.
Veja fotos da Operação Panatenaico:
Onde tudo começou
Nos depoimentos que originaram a Operação Panatenaico, Clóvis Primo, ex-executivo da Andrade Gutierrez, expôs detalhes do conchavo responsável, segundo a Polícia Federal, por desvios de recursos públicos durante a construção do novo Mané Garrincha.
De acordo com Clóvis Primo, a empreiteira havia estudado a realização de uma parceria público-privada (PPP) com o então governador Arruda para erguer o Mané Garrincha. Como essa proposta não foi em frente, a opção passou a ser uma obra pública e, por isso, a empreiteira acabou se vinculando à brasiliense Via Engenharia para execução do projeto, mesmo antes de haver licitação ou proposta de formação de consórcio.
Conchavo de Águas Claras
Para acertar os detalhes, Primo diz ter vindo a Brasília em 2009. Durante encontro promovido por Arruda na Residência Oficial de Águas Claras, estiveram presentes, além do delator, o superintendente comercial da empreiteira no Centro-Oeste, Rodrigo Lopes, e o gerente comercial da Andrade Gutierrez para o Governo do Distrito Federal (GDF), Carlos José.
Clóvis Primo abriu os trabalhos, informando haver conflito de interesse entre a empreiteira representada por ele e a OAS: ambas queriam trabalhar no Mané Garrincha, sendo que a Andrade Gutierrez já estava em parceria com a Via. Diante do impasse, Arruda se prontificou a resolver de imediato: passou a mão no telefone, ligou para José Lunguinho Filho e pediu ao diretor da OAS para receber os representantes das concorrentes.
Lunguinho atendeu o pedido. No mesmo dia, diz Clóvis Primo, ele e um representante da OAS participaram de reunião na sede da Via Engenharia em Brasília, na qual foi pactuado que a OAS estava fora do projeto Mané Garrincha. Via e Andrade teriam o negócio: um acerto fechado em 2009 – apesar de o projeto só ter sido licitado em 2010, durante o governo-tampão de Rogério Rosso (PSD), substituto do cassado José Roberto Arruda.
No acerto com as supostas concorrentes, afirmou Primo, a OAS e a Odebrecht apresentariam apenas proposta de cobertura na licitação do Mané: ou seja, um projeto fajuto, com menor preço, para garantir a vitória das outras empreiteiras. Em contrapartida, as vencidas nesse certame sagrariam-se vencedoras em um empreendimento futuro, de qualquer outra obra de relevância no Distrito Federal. Todos de acordo, o então governador do DF foi comunicado do encaminhamento da questão. Conforme depoimento de Clóvis Primo a seis investigadores da Lava Jato, a ideia dessa composição entre as empreiteiras foi do próprio Arruda. O ex-chefe do Executivo local teria dito: “Procure a OAS, que juntos vocês são mais fortes”.
Empreiteiras fizeram o edital
Os primeiros depoimentos dos diretores da Andrade Gutierrez evidenciam que as portas da Residência Oficial de Águas Claras estavam abertas à barganha do poder econômico. Com base nos documentos, as empresas ficavam à vontade nas rodas do governo e tiveram importante participação em decisões da gestão. Segundo o delator Clóvis Primo, a Andrade Gutierrez e a Via Engenharia montaram junto com o GDF o edital vencido pelas duas empresas consorciadas para a construção do Mané Garrincha. As empreiteiras também contribuíram na elaboração dos projetos de embasamento do certame.
Nas palavras do delator, a concessão dessas benesses aos futuros construtores da arena teve um preço. Conforme declarou, antes da formação do consórcio, havia um acerto com a Via Engenharia para pagamento de 1% do valor do projeto ao então governador Arruda.
Conforme Clóvis Primo afirmou aos promotores, o gerente comercial da Andrade Gutierrez para o GDF, Carlos José, foi informado sobre esse percentual pelo próprio dono da empreiteira brasiliense, Fernando Queiroz, também preso em março de 2017, durante a Operação Panatenaico. Segundo o delator, teria sido o empresário quem informou à construtora que Arruda queria 1% do valor do projeto em propina.
Cobrança retroativa
Clóvis Primo, ao encerrar os relatos sobre o Mané Garrincha aos promotores da Lava Jato, informa que o processo licitatório seguiu seu trâmite. A partir de 2015, quando o petista Agnelo Queiroz assumiu o Governo do Distrito Federal, o ex-titular do Buriti passou a cobrar pagamentos eventuais do consórcio vencedor, não tendo sido estabelecido um percentual fixo para a propina a ser paga pelos empreiteiros.
Carlos José, então subordinado ao superintendente no Centro-Oeste da Andrade, Rodrigo Lopes, teria seguido como interlocutor do esquema junto ao governo de Agnelo Queiroz. Entre os pagamentos pedidos pelo então novo chefe do Executivo local, alguns recursos teriam sido direcionados ao PT, de acordo com o relato de Clóvis Primo à Lava Jato.
Mesmo após ter sido cassado e passado dois meses, em 2010, preso na superintendência da Polícia Federal em Brasília, José Roberto Arruda teria cobrado do presidente da Via Engenharia, Fernando Queiroz, pagamentos acertados ainda em 2009. Segundo Primo, Queiroz afirmou que não queria pagar, mas não deixou claro se chegou a honrar a dívida assumida com Arruda. O delator também não soube informar aos procuradores se a Andrade Gutierrez passou recursos a Arruda após ele ser apeado do Palácio do Buriti.
Clóvis Primo afirmou com segurança que o vice-governador na gestão petista, o emedebista Tadeu Filippelli, teria passado a cobrar também 1% da Andrade e da Via para irrigar os cofres de seu partido – à época, Filippelli era presidente regional da sigla no DF. De acordo com o ex-diretor da Andrade Gutierrez, seu superior hierárquico, Rogério Nora de Sá, tinha conhecimento de todo esse conchavo, mas não em detalhes.
Foi Clóvis Primo quem sugeriu aos promotores falar com Flávio Machado, que, na opinião do delator, estaria mais inteirado dos acertos em torno da obra do Mané Garrincha por ser diretor de Relações Institucionais da companhia.