Após suspeita de favorecimento, liga divide título entre duas escolas de samba no DF
Mudança ocorreu após escola rival enviar recurso à Secretaria de Cultura relatando um erro da agremiação vencedora do grupo de acesso
atualizado
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A União das Escolas de Samba do Distrito Federal (Uniesb) decidiu dar o título do grupo de acesso do Carnaval de 2023 para duas agremiações: Grêmio Recreativo Unidos da Vicente Pires (Gruvipi) e Escola de Samba Capela Imperial de Taguatinga. A mudança ocorreu depois do envio de um recurso da Capela Imperial à Secretaria de Cultura que denunciou falha técnica crucial para o resultado final que deu título, inicialmente, ao Gruvipi.
O Carnaval fora de época foi organizado pelo Instituto Candango de Política Social e Econômica Criativa (ICPec), que recebeu R$ 2.990.000 da Secretaria de Cultura para administrar todo o desfile. Até maio deste ano, o principal gestor do ICPec, Luciano Garcia, também era o presidente Gruvipi. Ele foi o responsável por pagar os jurados que cometeram os erros de avaliação.
De acordo com a Uniesb, a solução final sobre o resultado dos desfiles de 2023 se deu em um acordo entre as duas escolas de samba. A divisão do título tem o intuito de “evitar que o problema seja enviado à Justiça do DF”.
O Metrópoles questionou a Secretaria de Cultura sobre a inusitada divisão do troféu de campeã e se ambas as agremiações terão direito, em 2024, a receber o valor de R$ 422 mil a título de participação no grupo especial. A pasta disse que não vai se manifestar.
Nas redes sociais, a Capela Imperial comemorou a decisão: “Mais uma vez parabenizamos o empenho de todo mundo no que foi esse nosso maravilhoso desfile. Vamos esquecer todos os transtornos de domingo até aqui, vamos apagar as coisas ruins, levantar a cabeça e comemorar. Finalmente, podemos gritar: ‘É campeã'”.
Recurso
No quesito “Mestre Sala e Porta Bandeira”, referente à avaliação da Gruvipi, um dos jurados deu a nota final de 9,8 para a agremiação. Entre as justificativas, há a menção de que “a porta bandeira veio a cair no solo”.
Segundo as regras do desfile, no entanto, o “choque corporal de o casal cair durante sua apresentação” configura infração gravíssima, que resulta na perda de pelo menos 0,4 da nota final da escola de samba. Um vídeo registra o momento da queda.
Veja o vídeo:
Anteriormente, a Secec informou apenas que recebeu o recurso no fim da tarde de quinta (29/6) e vai avaliar os questionamentos.
Administração do Carnaval
No dia 7 de fevereiro de 2023, a Secretaria de Cultura, comandada até essa terça-feira (4/7) pelo secretário Bartolomeu Rodrigues, abriu edital de chamamento público para realizar os desfiles das escolas de samba. A parceria tem duração de seis meses, a partir da assinatura do termo de colaboração, prorrogáveis por até 12 meses.
O teto estimado para a realização do edital era de R$ 7 milhões, divididos em duas categorias. A categoria B era responsável pelo “projeto voltado à organização, produção e estruturação dos desfiles na avenida e de eventos”. Para isso, foram destinados R$ 2.990.000.
O Instituto Candango de Política Social e Econômica Criativa foi a organização escolhida para a categoria B. O resultado definitivo foi compartilhado na Edição nº 56 do Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), de 22 de março de 2023.
Cerca de um mês depois, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) analisou pedido de medida cautelar pela existência de possíveis irregularidades no edital. Até esse momento, o ICPec e o Grêmio Recreativo Carnavalesco de Vicente Pires eram exatamente a mesma organização.
Questionada sobre a indicação do tribunal, a Secretaria de Cultura destacou que todo o processo passou pelo “crivo do TCDF, sobretudo em relação às Organizações da Sociedade Civil que participaram do chamamento público”. O termo de colaboração entre a secretaria e o ICPec foi celebrado em 19 de maio.
Atribuições e gastos
No Plano de Trabalho, que reúne as atribuições do ICPec, o objetivo geral indicado era “realizar a organização, produção, estruturação dos desfiles na avenida e de eventos correlatos entre os dias 23 e 25 de junho de 2023, com apresentações culturais nacionais e locais, além do desfile de 13 agremiações vinculadas a 13 regiões administrativas, oferecendo conforto e segurança para o público presente”.
O Instituto Candango de Política Social e Econômica Criativa deveria pagar as diárias, as refeições e os cachês dos jurados. Seriam as mesmas pessoas que decidiram dar o título à Gruvipi.
Presidente e troca de CNPJ
Ex-presidente do Grêmio Recreativo Carnavalesco de Vicente Pires (Gruvipi) e atual administrador do ICPec, Luciano Garcia comentou que decidiu separar as instituições após o pedido do TCDF: “Naquele momento de análise, o Tribunal de Contas, ainda sendo o mesmo CNPJ, declarou que não existia uma ilegalidade. No entanto, eu identifiquei a maldade das pessoas, quando elas fizeram essa ligação. Após o edital, eu separei as organizações”.
O homem indicou qual seria o novo CNPJ da agremiação, mas o nome social da empresa ainda não é o da Gruvipi. Ele também ressaltou que a questão de serem as mesmas instituições não contraria a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que estabelece os acordos entre o governo e organizações de sociedade civil. Garcia deixou a presidência do Gruvipi em maio deste ano, um mês antes dos desfiles das agremiações, quando as sociedades se separaram.
No edital, a vencedora da categoria A, responsável pelas fantasias e pelos adereços, foi a União das Escolas de Samba de Brasília (Uniesb). Segundo o atual administrador do ICPec, quem deu prêmio para a agremiação de Vicente Pires foi a Uniesb.
Luciano Garcia chegou a desfilar pela Gruvipi neste ano. “Eu fiz um Carnaval para ser competitivo. Não porque eu estou fazendo a produção do evento que eu teria essa parte para me beneficiar. Não existe nenhum conflito de interesse nisso. O que existe hoje são pessoas que se sentiram prejudicadas, não gostaram do resultado, e estão querendo imputar uma coisa que já foi discutida no Tribunal de Contas”, afirmou o administrador.
Questionado sobre sua atual ligação com a escola de samba e os seus líderes, Garcia disse: “Eu sou fundador do Grêmio. Então, como é que um sócio-fundador não vai ter relação com alguém que ia entrar? Nós somos uma comunidade, que trabalhamos junto. Isso aí é meu direito, ninguém pode me tirar”.
“Você está falando de uma pessoa que construiu isso, que foi sócio-fundador desde 2013. Desde lá, eu trabalho junto com a minha comunidade e com as pessoas que estão no Grêmio Recreativo. […] Eu conheço o presidente atual, até porque eu acho que, no caso da presidência, tem que ser alguém que vai ter a mesma vontade que você, a mesma liderança, para que ela continue fazendo o mesmo trabalho”, pontuou.