Após prisão de máfia, governo planeja fechar 27 funerárias no DF
GDF prepara licitação para regularizar o setor e pode descredenciar 14 estabelecimentos suspeitos que estão em funcionamento
atualizado
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O Governo do Distrito Federal (GDF) vai reduzir o número de funerárias e clínicas de tanatopraxia na capital do país. Atualmente, 57 estabelecimentos têm autorização para prestar o serviço de traslado e preparação de cadáveres. O novo edital de licitação — a ser lançado ainda neste semestre — deve propor que o número caia para 30.
A concorrência pública para selecionar novos permissionários deve ter como referência as estatísticas oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pelas propostas em estudo, para cada 100 mil habitantes, existiria uma unidade especializada. Considerando os 3 milhões de habitantes do DF, chega-se à quantidade de 30 centros.
A funerária atua no transporte do morto, venda de caixão e ornamentação. Já as clínicas de tanatopraxia, são responsáveis por vestir e aplicar produtos químicos para conservar o corpo em boa aparência até a hora do velório.
A redução deve facilitar a fiscalização da Secretaria de Justiça do DF (Sejus-DF), encarregada de gerir as políticas do setor. Escândalos envolvendo funerárias do DF vieram à tona nos últimos anos. No mais recente, a Polícia Civil e o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) desmantelaram um engenhoso esquema, responsável por um mercado da morte em várias Regiões Administrativas.As investigações demonstraram que um grupo, liderado pelo médico-legista Agamenon Martins Borges, aproveitava a fragilidade emocional dos parentes de vítimas para cobrar valores inflacionados de transporte, velório e enterro dos corpos. Até atestado de óbito — documento público e gratuito — era cobrado dos familiares. As denúncias deram origem à Operação Caronte, responsável pela cadeia de Agamenon e outras 10 pessoas.
14 podem ser descredenciadas
O chefe da Unidade de Assuntos Funerários da Sejus, Manoel Antunes, explica que as denúncias apuradas por promotores e policiais também são avaliadas no campo administrativo da pasta. Segundo ele, 14 estabelecimentos, entre funerárias e clínicas, podem ser descredenciadas em função de irregularidades cometidas na prestação do serviço. Algumas são alvo da Caronte, como a Universal, a Pioneira e a Tanatos.
Em outubro de 2017, reportagem do Metrópoles mostrou que a Tanatos era suspeita de manter um exército de cerca de 50 papa-defuntos espalhados pelos hospitais e cartórios. Eles tinham a mórbida missão de mapear mortes ocorridas na rua, em hospitais ou em domicílios.
“A Sejus pediu cópia do processo para estudarmos os casos com calma e, se for o caso, promovermos o cancelamento do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) das funerárias envolvidas. Após esse procedimento, pediremos a anulação do alvará de funcionamento e, se não fecharem, acionaremos a polícia”, ressalta Manoel.
O TAC é um documento assinado há mais de uma década — com base no Decreto nº 28.606, de 20 de dezembro de 2007 — pelos donos das 57 funerárias e clínicas de tanatopraxia em funcionamento hoje no DF.
O documento deveria vigorar por apenas seis meses, prazo que o então governador José Roberto Arruda deu, à época, para licitar o serviço. Apesar da promessa do ex-chefe do Executivo local, a concorrência pública não saiu do papel e os estabelecimentos permaneceram com a autorização precária.
“Tecnicamente, existe um grande número de funerárias, mas a questão é estruturar o sistema para que a fiscalização seja eficiente. A minuta do edital de licitação será analisada pela Procuradoria-Geral do DF e, muito em breve, vamos licitar essas permissões, uma exigência do Tribunal de Contas (do DF) e do próprio Ministério Público”, explica Manoel Antunes.
Responsável pela denúncia contra alvos suspeitos da Caronte, o promotor Maurício Miranda, da Promotoria Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida), disse que precisa avaliar o teor da proposta do Governo do DF para opinar. No entanto, colocou na conta da administração pública o crescimento do mercado clandestino da morte no DF.
A máfia só prosperou porque o Estado deixou a fiscalização frouxa. Além disso, a capital do país não tem um eficiente Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), o que certamente contribuiu para alimentar irregularidades.
Maurício Miranda, promotor de Justiça
Dinheiro sumiu
O SVO é responsável por determinar a causa do óbito em casos de morte natural, quando não há suspeita de violência. Sem ele, cadáveres de pessoas que padecem de mal súbito, no meio da rua, por exemplo, ainda são levados para o Instituto Médico Legal (IML), contrariando portarias e legislações federais.
Em novembro de 2017, o Metrópoles revelou a investigação do MPDFT sobre o paradeiro de R$ 646 mil que deveriam ser aplicados na modernização do serviço no DF. O recurso começou a ser repassado pela União à Secretaria de Saúde em 2009 e deveria financiar montagens de estrutura e equipe. No entanto, o SVO permanece sucateado em toda a rede.