Após o luto, sobrinha de vítima de feminicídio luta para frear crimes
Sobrinha usou a dor como propulsor para começar pesquisa de mestrado na UnB sobre como o SUS pode ajudar a proteger as mulheres
atualizado
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Tarde de 4 de fevereiro de 2023, P Sul, Ceilândia, Distrito Federal. Paulo Roberto Moreira Soares, 38 anos, vai à casa da companheira, a vendedora Izabel Aparecida Guimarães de Sousa, 36, e, na frente da filha do casal, mata a mulher com um tiro na testa.
O crime abalou a família da vítima. No processo do luto, uma sobrinha de Izabel, a bombeira militar, enfermeira e professora Érika Tayná de Souza Nascimento, 28, decidiu que iria dedicar tempo e energia para evitar que mais pessoas passem pelo sofrimento que a tia, ela e os parentes vivenciaram.
A jovem começou uma pesquisa de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) para saber como o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ajudar a frear a assustadora violência doméstica e, assim, evitar mais casos de feminicídio.
“Sou cristã. Acredito que Deus tem propósito para as coisas. Não vou romantizar a dor, o momento do luto. Mas acredito que é possível, em alguns momentos, que a gente possa utilizar a dor para que seja uma fonte de mudança nas nossas vidas e nas vidas de outras pessoas”, disse.
Veja:
Professora em curso para concursos, passou a defender o respeito às mulheres em todas as aulas. No meio dessa batalha, ainda encontrou tempo para ajudar a criar a prima, uma criança que testemunhou a morte da mãe.
“Dói e sempre vai doer. Vai ser uma ferida que jamais vai se fechar. Só Deus para consolar os nossos corações. Mas acredito que podemos utilizar a dor para proporcionar mudanças. O que eu quero é ajudar para que outras famílias não passem pelo o que estamos passando”, afirmou a jovem.
Segundo Érika, a “Tia Bel” era uma pessoa sorridente, de fé, batalhadora, amiga e um exemplo para a família. Do ponto de vista da jovem, o SUS, assim como os demais órgãos com políticas públicas, tem o poder de mudar as realidades.
Apoiada por amizades, emplacou um projeto de mestrado sobre como usar o SUS a favor das mulheres na capital brasileira. A ideia é focar na prevenção e reverter o alarmante número de crimes. “Quero ajudar um freio nessa epidemia de violência doméstica e feminicídios no DF”, cravou.
A professora Fátima Sousa, referência em estudos sobre o SUS, é a orientadora de Érika. Antes de avançar com o projeto, a estudante ajudará a pesquisadora a concluir outro estudo de fôlego para mapear as práticas de enfermagem no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS).
É uma pesquisa que abrange todos os 26 estados e o DF. Quando finalizar, a jovem vai retomar a tese de mestrado, usando os dados de atenção primária colhidos na investigação científica nacional.
Menina incrível
Nos momentos longe dos livros e da pesquisa, Érika dedica a atenção a apoiar a prima. “Ela é uma menina incrível que, infelizmente presenciou algo tão cruel. A vida dela mudou totalmente. E tem sido um desafio diário adaptá-la em uma nova rotina”, comentou.
A criança passa por terapia, sessões com psicólogo e psiquiatra para trabalhar o trauma do luto. A menina enfrentou problemas na escola e foi necessário trocá-la de colégio. “Ela é uma menina muito inteligente. E não merece viver as consequências disso eternamente”, comentou.
Nas aulas de cursinho para concurso público, Érika passou a ressaltar a importância do respeito às mulheres a cada aula. “Nosso lema é transformar vidas, construir sonhos. Como disse, sou cristã e por meio da caridade e do amor ao próximo, acreditamos na mudança. E é uma palavra que levo aos meus alunos”, contou.
A jovem professora busca conscientizar e falar do fortalecimento do SUS para proteger as pessoas, promoção de saúde e recuperação das vítimas. É uma outra vertente, um outro campo de batalha, de Érika na luta contra o feminicídio.
2024
Para 2024, Érika espera Justiça em relação ao caso da tia. “Quero que o processo seja mais rápido. Quero que o acusado seja condenado. Ele ainda não julgado”, assinalou. Por enquanto, Paulo Roberto está preso.
“Em relação ao DF, e esse panorama com tantos casos de feminicídio, quero que pare. Quero que mude. Quero que de fato as políticas publicas alcancem quem precisa e que mudem a realidade das pessoas. Que não sejam só bonitas no papel. Que as mulheres sejam protegidas, pelo Estado e que a sociedade se conscientize. Isso precisa parar”, concluiu.