Após 1.440 horas, atos no QG do DF foram marcados por tensão e memes
Bolsonaristas passaram mais de 60 dias protestando em frente ao QG do Exército. Registros de crimes e ridicularização marcaram manifestação
atualizado
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Com o pedido para “aguardar 72 horas” como mantra do começo dos atos, as manifestações bolsonaristas em frente ao Quartel-General do Exército de Brasília duram mais de 1.440 horas. Ao longo de 60 dias, apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas eleições de 2022, tentaram anular o processo democrático com manifestações marcadas por crimes, conflitos e memes.
Os bolsonaristas começaram a se mobilizar na área do QG de Brasília em 31 de outubro, um dia após Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter sido escolhido pela maior parte da população como presidente da República. O movimento foi baixo no dia, já que muitos aguardavam um posicionamento de Bolsonaro, que ainda não tinha se pronunciado.
Porém, quando o então presidente deu a primeira declaração pública após a derrota e disse que “manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas”, sem reconhecer abertamente o resultado das urnas, os atos em frente aos QGs cresceram e começaram a entrar no campo da ilegalidade. O movimento pedia intervenção militar, mas a legislação brasileira diz que incitar publicamente a animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes e Instituições é uma prática criminosa.
Fatos marcantes
As falas de Bolsonaro que apoiaram as manifestações, mas não organizaram os atos, causaram confusão logística. Conservadores chegaram a marcar a “maior mobilização da história do Brasil” no começo de novembro, na Esplanada dos Ministérios, e só reuniram 10 pessoas. O movimento, então, se concentrou apenas no Quartel-General.
Lá, cerca de 200 bolsonaristas se reuniram já com estoque de comida, banheiros químicos e barracas, prometendo acampar no local “até que as Forças Armadas façam uma intervenção federal”, como disseram na época. Financiado por grandes empresários, o ato ganhou mais estrutura.
No dia a dia no QG bolsonarista, a divulgação de notícias falsas, os pedidos de golpe e ofensas contra nordestinos, petistas e ministros do Supremo foram frequentes. Organizadores também arrecadavam dinheiro diariamente. O Metrópoles flagrou uma arrecadação em dinheiro vivo para “contratar um trio elétrico”, que recebeu R$ 3.670 em espécie em cerca de 10 minutos.
Em 7 de novembro, o próprio Exército brasileiro passou a identificar problemas na manifestação e enviou um ofício a órgãos do Governo do Distrito Federal (GDF) pedindo ajuda para “manter a ordem” na área do Quartel-General. Porém, alguns militares chegaram a colaborar com a manifestação, de diversas formas.
Um militar da ativa chegou a gravar vídeos dentro do protesto a favor de uma “intervenção federal”, no Distrito Federal, trabalhando em uma cozinha improvisada. Manifestações político-partidárias por militares são consideradas transgressões, ou seja, são proibidas.
Terapia express e fim de casamento
Depois de um mês acampados, os bolsonaristas chegaram a montar uma tenda de “terapia express”. No local, os manifestantes recebiam “apoio psicológico” de outros protestantes. A estrutura surgiu em um momento em que eles mostravam cansaço por se mobilizar e não conseguir qualquer mudança no resultado que elegeu Lula.
Centenas de bolsonaristas se lamentaram em uma postagem publicada por Bolsonaro no Twitter. O então presidente postou uma foto sentado atrás de uma bancada, com o brasão da República. Conservadores cobraram: “Me encontro a [sic] 30 dias parado na frente de quartéis. Cago na sarjeta, minha esposa me deixou e levou meus 2 filhos pequenos, perdi meu emprego e devo 2 mil ao meu primo”, disse um deles.
Uma das organizadoras do protesto de Brasília também virou meme quando comemorou, nas redes sociais, uma notícia falsa produzida para ridicularizar os manifestantes. Ana Paula Melo divulgou que um ministro dos Emirados Árabes Unidos chamado “Jallim Habbei” não iria reconhecer a vitória de Lula.
Violência
Houve ainda muita violência registrada no QG e fora de lá, por manifestantes que se concentravam no local. O caso mais marcante ocorreu em 12 de dezembro. Bolsonaristas saíram do ponto de encontro após uma prisão de um indígena que vinha incitando a ruptura democrática.
Eles tentaram invadir o prédio da Polícia Federal, atacaram as forças de segurança, depredaram prédios, quebraram paradas de ônibus e atearam fogo em veículos, em um dia em que Brasília se tornou cenário de guerra.
Já nos últimos dias, quando Exército e GDF tentaram desmobilizar o acampamento, os apoiadores de Bolsonaro entraram em novo confronto com os policiais. A ameaça interrompeu a ação do governo.
Os protestantes ainda agrediram e expulsaram um agente da Secretaria de Saúde que tentava examinar focos de dengue no local, no mesmo dia da tentativa frustrada de desmobilização. Eles impediram o servidor de realizar o trabalho e deram empurrões e tapas nele, até que deixasse o local.
A permanência dos manifestantes mesmo após uma tentativa de retirada deu novo gás. Bolsonaristas de vários estados prometem ir ao acampamento de Brasília no fim de semana da posse de Lula. Jair Bolsonaro, no entanto, já deixou o Brasil.