Aos 47 anos, ex-cobrador de ônibus supera dificuldades e cursa medicina na UnB
Gilberto Arruda chegou a ouvir que nunca mais conseguiria andar após um acidente. Hoje, está prestes a iniciar o internato
atualizado
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Prestes a iniciar o internato no curso de medicina, o ex-cobrador de ônibus Gilberto Arruda Rodrigues, 47 anos, olha para trás e vê o quanto lutou para chegar à Universidade de Brasília (UnB). Tendo passado por experiências difíceis, como a perda dos pais e a quase paraplegia, ele pretende terminar a faculdade e mostrar que é possível dar a volta por cima.
Desde pequeno, o ex-cobrador se considera uma pessoa obstinada. Nascido em Ceilândia, Gilberto ficou órfão da mãe quando tinha 9 anos e, aos 18, teve de lidar com a morte do pai. Criado pela madrasta, utilizou o skate como uma maneira de não perder o foco na vida. “Restaram só minha madrasta, minha irmã e eu”, conta. Ele chegou a disputar alguns campeonatos na modalidade.
Já aos 19 anos, decidido a fazer faculdade de educação física, passou na prova para atuar como cobrador de ônibus. O intuito era juntar dinheiro para pagar o curso. “Trabalhei nessa função por 6 anos, mas o dinheiro era curto para conseguir custear os estudos. Foi quando decidi que precisaria virar motorista, ganhar mais, e aí poderia fazer o curso superior”, explica.
Antes de se tornar motorista, no entanto, Gilberto precisava passar um período como “manobreiro”, cuja função é estacionar e movimentar os ônibus na garagem. Em outubro de 2000, porém, enquanto estava no pátio, acabou sendo atropelado por um colega. “Pegou da minha cintura para baixo. Quebrou minha bacia, tive hemorragia interna. E tudo ocorreu comigo lúcido. Lembro que os bombeiros chegaram e me imobilizaram, depois fui para o hospital”, relata.
Foram 14 dias em coma, e o diagnóstico era o de que jamais seria possível voltar a andar. “Fiquei mais de um ano só na cama ou cadeira de rodas. Após uma cirurgia no meu pé, passei a ter alguma possibilidade de voltar. Passei a andar com muleta por um tempo e, depois, consegui andar sozinho, por volta de 2002”, detalha.
A vida começou a voltar ao normal. Gilberto se casou, teve três filhos e passou esse tempo cuidando das crianças. “Nessa época do casamento, eu ficava em casa enquanto a minha esposa ia estudar. Fiz também um curso de técnico em eletromecânica no IFB [Instituto Federal de Brasília] e já tinha vontade de fazer faculdade nesta área”, comenta.
Em 2013, logo após se formar no IFB, Gilberto foi aprovado em engenharia eletrônica na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Ponta Grossa. Após poucos meses na cidade, acabou desistindo do curso. “Voltei para Brasília, minha ex-esposa passou em letras/libras na UnB em 2014, fiquei estudando em casa este período e cuidando das crianças, porque eram três: um menino de 8 anos uma menina de 9 e outra de 12”, relembra.
Foram cinco anos em casa estudando para passar na UnB. A princípio, em alguma engenharia, mas depois de um sonho com o médico que operou o pé de Gilberto, ele se sentiu predestinado a seguir a profissão. “Tive um sonho antes de passar, onde eu estava no ICC [Instituto Central de Ciências] com o médico que operou meu pé, e a gente conversava. Ele dizia que ia me dar aula”, relata.
Em 2018, Gilberto passou na 3ª chamada. O começo, relembra, foi bastante difícil. “Eu chorava muito, pois tinha bastante dificuldade para entender algumas coisas básicas. Com a ajuda dos professores e de colegas, no entanto, consegui diminuir a defasagem que eu tinha de certas coisas.”
Atualmente, ele está no 7º semestre e se sente grato por tudo o que conseguiu superar para estar tão perto de conseguir realizar o sonho. “Sempre acreditei que o conhecimento é um fator que nos ajuda. Ainda que a gente tenha qualquer dificuldade, é possível dar a volta por cima”, frisa.