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Ao menos 16 mulheres denunciam médico por erro e violência obstétrica

Shakespeare Novaes já é réu na Justiça pela morte do menino Bernardo. O bebê morreu após “horas de sofrimento”, segundo os pais

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Ao menos 16 mulheres procuraram o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), nesta sexta-feira (31/3), para apresentar uma denúncia coletiva contra o obstetra Shakespeare Novaes Cavalcante de Melo. Em um documento produzido pelo Coletivo Nascer Direito, o especialista é acusado de cometer violência obstétrica e seguidos erros médicos que causaram graves sequelas nas vidas de bebês e mulheres que passaram pelo atendimento dele.

“Queremos que o Ministério Público apure as condutas do médico, bem como eventuais crimes que possam ter sido praticados por ele. Para isso, procuramos a promotoria da Pró-Vida, responsável por investigar crimes na área da saúde, e o núcleo de direitos humanos, uma vez que muitas mulheres foram vítimas de violência obstétrica”, disse Ruth Rodrigues, advogada à frente do caso.

A denúncia ganhou força após a morte do menino Bernardo, em outubro de 2021, ganhar repercussão. O caso foi revelado, em primeira mão, pelo Metrópoles. Segundo a família, o bebê teria sofrido um trauma na cabeça após o especialista inserir uma ferramenta conhecida como vácuo extrator, para tentar retirá-lo do útero da mãe.

À época, o pai de Bernardo contou à reportagem que todo o procedimento “foi assustador” e o manuseio incorreto da ferramenta fez o bebê “subir para o abdômen da esposa”.  De repente, segundo o relato, a equipe do obstetra “passou a entrar em pânico”. “Inclusive, a enfermeira realizou uma manobra de Kristeller, considerada violência obstétrica e, logo em seguida, pediu desculpas, dizendo que ‘no calor da emoção todo mundo comete o erro’”, disse o homem.

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A ferramenta pode ser usada por médicos para acelerar partos prolongados
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O vácuo extrator é uma ferramenta usada no segundo estágio do parto — no período expulsivo, quando o bebê está muito perto de nascer

Carla Sena/ Metrópoles
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A ferramenta pode ser usada por médicos para acelerar partos prolongados

Carla Sena/ Metrópoles

De acordo com o pai, quando, finalmente, retiraram o bebê da barriga da mãe, a criança estava “roxa”, com o “pescoço mole” e em parada cardíaca. Após 13h de sofrimento, Bernardo morreu. Nesse momento, o médico teria informado à família que o pequeno nasceu com problema cardíaco e não resistiu. Os familiares, no entanto, desconfiaram e pediram a necropsia, que indicou que o bebê “tinha órgãos saudáveis, contudo, dispunha de um sangramento subgaleal na região occipital da cabeça, a qual tinha um volume considerável de sangue”.

Shakespeare, então, virou réu na Justiça e foi afastado do quadro de médicos da Maternidade Brasília, onde atendia gestantes. A decisão do hospital saiu dias após a publicação da denúncia pelo Metrópoles.

Desde então, mulheres passaram a contar as experiências que tiveram com o médico nas redes sociais. Para unir os relatos, o Coletivo Nascer Direito criou um formulário onde mães que se sentiram vítimas do obstetra puderam narrar suas histórias com o médico. Do copilado surgiu a denúncia coletiva.  A queixa também se estende à Maternidade Brasília, “por não atender aos protocolos de assistência ao parto, exigidos pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa”.

“Sequelas irreversíveis”

Uma das mães que procurou o Coletivo foi Jaqueline Soares, 36 anos. À reportagem a mulher contou que o médico causou “sequelas irreversíveis” na vida dela e da filha – diagnosticada com paralisia cerebral por asfixia perinatal grave, quando o bebê fica sem oxigenação no momento próximo ao nascimento.

“O Shakespeare foi o meu único médico do início ao fim da gestação. Foram 11 consultas de pré-natal, 10 ecografias, tudo favorável para um parto saudável”, declarou.

No grande dia, no entanto, Jaqueline conta que Shakespeare passou “apressado pela maternidade e deu início ao processo de indução sem se atentar às observações do cartão de gestante” dela, que indicava profilaxia e informava que a mulher teria testado positivo para streptococcus, uma bactéria letal para o bebê em caso de aspiração. Pouco tempo depois, segundo ela, o médico “sumiu da maternidade”, reaparecendo apenas quando a criança “já estava nascendo”.

“Com uma hora de indução, minha filha apresentou sofrimento. Os batimentos dela oscilavam de 160 para 90 bpm. A equipe viu que estava ficando fora do normal e solicitou a presença do obstetra, mas ele não voltou. Por volta de meio-dia a minha bolsa rompeu e o líquido amniótico estava com muito mecônio [matéria fecal do feto], todo esverdeado, e nada de o médico aparecer. Ele tinha prometido parto humanizado com analgesia, mas não o fizeram. Eu fiquei muito mal porque a dor da indução é surreal”, contou.

Segundo a mulher, durante o período de sofrimento, a bebê “aspirou uma quantidade muito grande de mecônio”, contraindo, dessa forma, a bactéria. “Com 19h de vida, minha filha teve uma sepse precoce por contágio da streptococcus e permaneceu na UTI por 28 longos dias”, disse Jaqueline.

“Quando nasceu, minha pequena não chorou, não sugou, estava molinha e totalmente apagada. Quando ela finalmente respirou, nos colocaram no quarto. Tempo depois, a bebê começou a fazer movimentos estranhos. Chamávamos a equipe, mas nos diziam que eram apenas espasmos e que estava tudo normal. Mais tarde descobri que, na verdade, ela estava convulsionando. Uma hora depois, ela apagou. Foi somente aí que eles se preocuparam, mas já era tarde”, desabafou a mãe.

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O dispositivo garante, ainda, que a parturiente escolha a pessoa que acompanhará o nascimento do bebê, independentemente do grau de parentesco. Além disso, caso não queira optar por ter acompanhante na sala de parto, também é um direito da mulher
A lei é válida tanto para parto normal quanto cesárea, e a presença do acompanhante, inclusive se for adolescente, não pode ser impedida pelo hospital ou por qualquer membro da equipe de saúde
Já havia a suspeita de que mães poderiam transmitir Covid aos filhos, mas novo estudo comprovou o caso
Na ocasião, o Ministério da Saúde expressou, na Nota Técnica 9/2020, que “o acompanhante, desde que assintomático e fora dos grupos de risco para Covid-19 deve ser permitido” ao lado da grávida. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, também expressou a importância e necessidade de as parturientes terem os direitos assegurados
Mesmo assim, com todos os órgãos superiores de saúde recomendando que os hospitais seguissem o protocolo de permissão de acompanhantes durante o parto, várias judicializações por descumprimento da regra foram registradas em todo país
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A Lei Federal n° 11.108, ou Lei do Acompanhante, foi sancionada em 2005 e, desde então, assegura à gestante o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, o parto e o pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), da rede própria ou conveniada

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O dispositivo garante, ainda, que a parturiente escolha a pessoa que acompanhará o nascimento do bebê, independentemente do grau de parentesco. Além disso, caso não queira optar por ter acompanhante na sala de parto, também é um direito da mulher

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A lei é válida tanto para parto normal quanto cesárea, e a presença do acompanhante, inclusive se for adolescente, não pode ser impedida pelo hospital ou por qualquer membro da equipe de saúde

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Já havia a suspeita de que mães poderiam transmitir Covid aos filhos, mas novo estudo comprovou o caso

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Na ocasião, o Ministério da Saúde expressou, na Nota Técnica 9/2020, que “o acompanhante, desde que assintomático e fora dos grupos de risco para Covid-19 deve ser permitido” ao lado da grávida. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, também expressou a importância e necessidade de as parturientes terem os direitos assegurados

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Mesmo assim, com todos os órgãos superiores de saúde recomendando que os hospitais seguissem o protocolo de permissão de acompanhantes durante o parto, várias judicializações por descumprimento da regra foram registradas em todo país

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É importante ressaltar que a Lei Federal n° 11.108 é um direito assegurado à grávida, e, diante do sucateamento do benefício, denúncias podem ser realizadas por quem se sentir lesado. A ANS, a Anvisa e os Ministérios Públicos, por exemplo, aceitam denúncias on-line em seus sites

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Aliás, a Lei nº 12.895/2013 informa que é dever dos hospitais e instituições de todo o território nacional manterem, em local visível, aviso informando sobre o direito da parturiente a ter consigo um acompanhante, direito esse que deve ser respeitado sem qualquer ressalva ou condição

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Segundo Jaqueline, a criança, hoje, com quase 2 anos, “ainda não anda, não fala e tem muitos atrasos”. “Temos nossas alegrias, mas também muitos dias difíceis. Tudo o que aconteceu comigo, no meu ponto de vista, foi por ganância. Ele [Shakespeare] ‘fazia’ vários atendimentos ao mesmo tempo e em lugares diversos. No dia do meu parto, por exemplo, ele não estava lá. Então esses dois fatores são algumas das denuncias apresentadas por mim e pelas demais famílias”, pontuou.

“Esperamos que ele reveja essas práticas perigosas para que não aconteça com outras famílias e que os fatos sejam esclarecidos para que os responsáveis possam ser penalizado”, finalizou.

“Não sou conivente”

À reportagem uma profissional da área da saúde, que já trabalhou ao lado do médico, disse que presenciou alguns partos nos quais o obstetra estava atendendo várias gestantes ao mesmo tempo. Por isso, segundo ela, muitas grávidas chegavam a esperar horas para terem seus filhos.

“Partos que acompanhei cujo médico era o Shakespeare tiveram algo em comum: diversas grávidas sendo acompanhadas por ele e a demora do doutor em atendê-las. Em um dos casos, a mãe deu entrada cedinho no hospital e foi internada por horas esperando por ele. Após nascer, o bebê estava mole. Não posso afirmar se foi pela demora, mas percebi esse padrão em todos os partos realizados por ele, o que passou a me assustar”, disse a profissional, que também não será identificada nesta reportagem.

De acordo com a mulher, em outra ocasião, uma gestante foi avaliada no plantão da maternidade pelo médico e ele teria dito “que estava tudo muito favorável”, mas o parto não tinha iniciado ainda.

Por isso, o especialista indicou a aplicação de ocitocina, com o auxílio de uma bomba de infusão, mas, em seguida, retirou a bomba e passou a fazer “puxos dirigidos”. “Durante esse processo, eu não me recordo dele auscultar o bebê. O indicado é fazer isso a cada 15 minutos. Então, sim, foi uma falha”, explicou.

“Após a saída da criança, via parto normal, fezes do recém-nascido aparecem em seguida, o que pode ser um indicativo de sofrimento fetal. Como consequência, o bebê precisou ser reanimado e foi levado pra UTI para um protocolo de hipotermia. Depois, o diagnóstico da pediatria apontava asfixia, ou seja, houve sofrimento, e aquilo poderia resultar em trauma cerebral ou algo pior”, declarou a profissional.

“Desde então, eu optei por nunca mais atender com esse médico. Eu entendi que trabalhar ao lado dele seria ser conivente com a negligência com a qual ele atua. Então, penso que em algum momento eu poderia presenciar a morte de algum bebê ou mãe. Portanto, me nego a acompanhar casos em que ele seja o médico obstetra”, finalizou.

Defesa

À época da denúncia da morte do bebê Bernardo, o Metrópoles contatou o doutor Shakespeare Novaes que, por nota, se pronunciou, dizendo lamentar “profundamente o caso de óbito noticiado na presente matéria, oportunidade em que reitero a minha mais sincera solidariedade aos familiares envolvidos”. Em sua defesa, o obstetra disse que sempre pautou o “trabalho como médico obstetra com base na aplicação de técnicas e métodos amplamente reconhecidos no meio científico, os quais aplico desde minha formação em medicina há mais de 20 anos, sem que tenha respondido por qualquer processo neste período”

“Devido às restrições quanto ao sigilo médico, expostas perante o Código de Ética Médica, por meio de seu Artigo 73, parágrafo único, ressalto que todos os fatos que verdadeiramente ocorreram durante minha condução dos partos noticiados serão devidamente esclarecidos perante a Justiça, os quais poderão ser comprovados por meio de perícia e outras provas que se fizerem necessárias”, escreveu.

O médico continua sua defensa dizendo que “os casos judicializados ainda se encontram em fase inicial, sequer tendo sido realizada perícia imparcial que tenha constatado qualquer tipo de falha de minha parte”.

Ao final da nota, Shakespeare diz que nutre o mais profundo respeito pelos pacientes envolvidos e que segue confiante que será comprovada a sua inocência. “Não agi, em qualquer momento, com negligência, imprudência ou imperícia, me mantendo ainda à disposição para prestar os esclarecimentos às partes e autoridades envolvidas”, finalizou.

O Metrópoles procurou, novamente, o médico nesta sexta-feira (31/3). Até a última atualização desta reportagem, o obstetra não havia respondido aos questionamentos da reportagem.

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