Ameaça de acúmulo de corpos no IML faz Saúde acelerar expansão do SVO
Servidores do Instituto estabeleceram prazo para suspender liberação e manipulação de cadáveres
atualizado
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A Secretaria de Saúde (SES) vai expandir, a partir de 2018, o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) para outros hospitais da rede pública. A Pasta tomou a decisão após servidores do Instituto Médico Legal (IML) estabelecerem um prazo para suspender a liberação e a manipulação de corpos de pessoas vítimas de mortes naturais. Por lei, o órgão responsável pela emissão de laudos só deveria realizar perícia de óbitos que envolvem violência.
Receosos de um possível caos provocado no instituto, com acúmulo de corpos nas geladeiras, a cúpula da Saúde se apressou e convocou uma reunião de emergência para tratar do assunto. Os gestores da Pasta se comprometeram a ampliar o SVO do Distrito Federal gradativamente e, assim, reduzir a sobrecarga do IML.Atualmente, cerca de 40% dos mortos recolhidos pelo IML deveriam ser encaminhados para o serviço específico de avaliação de falecimentos por causas naturais. No entanto, em funcionamento apenas no Hospital Regional de Ceilândia (HRC), o SVO não consegue suportar a demanda, principalmente em razão da estrutura precária e do reduzido quadro de profissionais da área.
“A SES fará um cronograma a fim de descentralizar para outros hospitais o SVO a partir de janeiro de 2018. Hoje, o serviço é realizado no HRC e no IML. Não há, ainda, a definição de quais hospitais receberão o serviço”, informou a secretaria, em nota.
O presidente da Associação dos Técnicos em Necrópsia do IML (Asten), José Romildo Soares, ressaltou que a categoria aceitou dar um voto de confiança ao governo e espera que, já no início do próximo ano, o SVO conte com estrutura ampliada. “Eles (Saúde) pediram esse prazo e decidimos aceitar, mas deixamos claro que vamos cobrar a retirada dessa função do IML a qualquer custo em 2018”, disse.
Desvio de função
Em 20 de novembro, a Asten e o Sindicato dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, Autarquias, Fundações e Tribunal de Contas do DF (Sindireta) encaminharam a diversos órgãos da capital, ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e ao Ministério da Saúde o Ofício nº 72, de 2017.
O documento denuncia que trabalhadores do IML estariam atuando como assistentes de médicos-patologistas, quando, por força da Lei nº 2.758, de 2001, só poderiam auxiliar peritos e médicos-legistas.
O comunicado ainda cita a resposta do Governo do DF ao Metrópoles, que, em reportagem publicada no dia 5 de novembro deste ano, garantiu o funcionamento pleno do SVO no Hospital Regional da Ceilândia (HRC).
“Os agentes de atividades complementares de segurança decidem que, no prazo de 15 dias úteis, interromperão as atividades de auxílio a médicos-patologistas nos exames de corpos de responsabilidade do SVO, considerando que não é atribuição desses servidores e que o serviço dispõe de pessoal para o desempenho dessas funções, conforme afirmou a Secretaria de Saúde em entrevista a um veículo (Metrópoles) de alcance nacional”.
A referida matéria revelou que o MPDFT investiga o paradeiro de R$ 646 mil — verba destinada à modernização do SVO no DF. O recurso começou a ser repassado pela União à Secretaria de Saúde em 2009, para financiar montagens de estrutura e equipe. No entanto, desviado, o dinheiro foi aplicado em outros setores da Pasta.
Subnotificações
Na ocasião, a secretaria alegou que havia feito 825 laudos de SVO entre 2016 e 2017. O presidente da Asten rebateu. Segundo ele, do total informado, um número ínfimo de cadáveres, de fato, passou por necropsia, exame fundamental para descobrir com precisão a causa da morte. Sem ele, óbitos provocados por doenças (hantavirose e dengue, por exemplo) podem ficar subnotificados.
“As estatísticas oficiais de doenças podem estar erradas, pois praticamente não há abertura de cadáveres de mortes naturais. O patologista, na maioria das vezes, emite laudo baseado apenas em conversas com familiares”, ressalta José Romildo.
Além de o serviço de verificação no DF não ter estrutura própria suficiente para atender toda a demanda, não funciona 24 horas por dia, como determina a Portaria nº 1.405, do Ministério da Saúde. São apenas dois profissionais que aparecem, somente duas vezes por dia: às 11h e às 17h, para assinar atestados de óbito no IML.
Sobrecarga nas delegacias
A ausência de um SVO eficiente também faz com que uma pilha de inquéritos policiais inúteis se acumulem nas delegacias. Como o IML é responsável por analisar mortes violentas, torna-se necessária a abertura de um boletim de ocorrência toda vez que um cadáver fica sob a responsabilidade da unidade. Ou seja, mesmo em casos de pessoas que padeceram de mal súbito, um agente de polícia é obrigado a ir até o local da morte.
A reportagem teve acesso ao livro do IML, onde são computados todos os óbitos. De 1º janeiro a 1º de novembro de 2017, o instituto recolheu 1.072 corpos de pessoas que morreram sem violência. Em todas, um registro policial teve de ser aberto.
Mercado clandestino da morte
A ausência do SVO na capital do país serviu de combustível para a atuação da Máfia das Funerárias, que agia justamente na brecha deixada pela unidade responsável por determinar a causa do óbito nos casos de morte natural.
Os papa-defuntos da organização criminosa chegavam primeiro aos locais onde as mortes ocorriam e cobravam dos familiares do falecido valores inflacionados. Até mesmo atestados de óbito — documento público e gratuito — eram vendidos pela quadrilha.