Agentes socioeducativos denunciam falta de pessoal e risco de rebelião
Servidores relatam problemas de falta de segurança e insalubridade. Eles temem atos de violência dos internos neste fim de ano
atualizado
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O sistema socioeducativo do Distrito Federal é um barril de pólvora prestes a explodir a qualquer momento. Recentes fugas de adolescentes em conflito com a lei e incidentes violentos são sinais claros do clima de tensão que permeia as sete unidades de internação. A situação, neste fim de ano, pode se agravar. Isso porque os internos com o direito ao “saídão” de Natal indeferido tendem a se rebelar com maior frequência. Para agravar o quadro, agentes denunciam a falta de estrutura no trabalho.
Déficit no efetivo e desproteção pessoal, causada pela falta de equipamentos de segurança, reforçam o medo desses servidores. A lista de problemas inclui também uma ameaça invisível, as doenças contagiosas, como escabiose (sarna). Este ano, dois funcionários foram infectados. Os trabalhadores alegam escassez de produtos de higiene, como luvas, sabonete e álcool em gel, itens capazes de reduzir o risco de contaminação nas unidades de internação.
O sistema socioeducativo do DF passou por uma reviravolta em 2013. Naquele ano, o Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) foi extinto. O espaço no fim da Asa Norte foi palco, durante 38 anos, de constantes e violentas rebeliões. Na sequência, o GDF criou as atuais unidades de internação, mas alguns dos antigos problemas do Caje persistem.
“Os internos têm aparelhos de DVD e televisores nos quartos. Alguns arrancam o fundo de metal desses eletrônicos e torcem até formar uma ponta. Fazem armas que podem matar. Também é recorrente eles atearem fogo em colchões”, relata o agente, que integra o sistema desde 2012.
Hoje, há 1.082 servidores que trabalham nas unidades em esquema de plantão (24 horas por 72). Destes, segundo a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança-DF), 220 foram nomeados este ano. São aprovados nos concursos de 2015 e 2017. Há também funcionários lotados nas áreas de administração, assistência social, contabilidade, direito, pedagogia e psicologia.
Ainda assim, os trabalhadores avaliam o efetivo como insuficiente para lidar com os 863 infratores das sete unidades do DF: Planaltina; Santa Maria; Recanto das Emas; Brazlândia; São Sebastião; Saída Sistemática (fase final da internação) e Provisória.
“O GDF nomeou os concursados, mas, na prática, o efetivo não aumentou. Pois, para cada um que toma posse, um servidor temporário é exonerado”, reclama o agente. Ele se refere a contratos assinados em 2014. À época, trabalhadores provisórios passaram a integrar o sistema.
O secretário da Criança, Aurélio Araújo, admite a defasagem no efetivo de servidores de diversas áreas, como técnicos socioeducativos, pedagogos e psicólogos, entre outros. “Desde janeiro deste ano, cumprimos todas as nomeações previstas. É claro que queremos nomear mais e, assim, valorizar os concursados”, diz.
Araújo ressalta que as exonerações dos servidores temporários ocorrem por causa de decisão do Tribunal de Contas do DF (TCDF). Ele prevê que, até agosto de 2018, todos esses trabalhadores deem lugar aos concursados. Porém, o secretário pontua que as nomeações dependem do montante a ser liberado para este fim pela Lei Orçamentária Anual (LOA) do próximo ano.
Violência
Os agentes temem que o estopim da crise culmine em incidentes como o ocorrido no mês passado, quando um agente da Unidade do Recanto das Emas teve a testa cortada por um “estoque” — arma perfurante forjada. O golpe, por pouco, não tirou a vida do homem. Devido ao trauma causado pelo incidente, ele está licenciado do trabalho.
“Equipamentos básicos de segurança, como tonfas (tipo de cassetete), sprays espargidores (de extratos vegetais, diferente do spray de pimenta) e coletes antiperfurantes, além da contratação de mais agentes, poderiam evitar esse tipo de caso”, afirma o agente. Desde o fim de 2015, houve, pelo menos, oito incidentes de violência entre internos (dois deles morreram enforcados) ou envolvendo infratores e servidores, além de incêndio proposital. Os dados são da Secriança-DF.
Hoje, não há esses equipamentos de segurança pessoal nas unidades. A Secriança anuncia que adquiriu tonfas, entregues na terça-feira (14/11). Os objetos estão, segundo a pasta, sendo distribuídos nas unidades. Foram comprados sprays espargidores, que deverão chegar em até 30 dias. Já os coletes antiperfurantes estão “em processo de produção da licitação”, de acordo com a Secretaria.
Sobre os escâneres corporais, de acordo com a Secriança, haverá concorrência pública no próximo dia 28 para escolha da empresa que irá fornecer os equipamentos. Cada unidade de internação terá uma dessas ferramentas. Os agentes aguardam ansiosos. Isso porque esses dipositivos devem reduzir a entrada de objetos proibidos, como drogas, armas e celulares, levados por visitantes.
“Há familiares que escondem esse tipo de coisa nos orifícios do corpo. Por mais que façamos revista minuciosa, não há como impedi-los”, lamenta um outro agente, lotado na Unidade de Santa Maria (UISM). Ele explica que, hoje, os visitantes têm de se despir totalmente. Isso, segundo o servidor, causa constrangimento, tanto nos familiares quanto nos trabalhadores.
Veja alguns dos itens proibidos encontrados nas unidades:
O secretário Aurélio Araújo esclarece que os novos instrumentos serão disponibilizados apenas aos funcionários capacitados. “É preciso passar por um treinamento específico. Depois, eles terão autorização para portar a tonfa, por exemplo”, diz. “Mas o objetivo é prepará-los, a fim de evitar ao máximo a utilização desses equipamentos”, acrescenta.
O atual cenário assusta uma advogada aprovada no concurso de 2015. Ela aguarda nomeação e acompanha de perto a crise no sistema. “O momento é precário. Temos colegas que tomaram posse recentemente e nos descrevem os problemas. Mas precisamos trabalhar”, afirma.
“Vamos arrancar sua cabeça”
Em 2 de junho do ano passado, após o Ministério Público recomendar que o governo instalasse postos da Polícia Militar nas unidades de internação de adolescentes, agentes socioeducativos recolheram uma carta com ameaças a servidores na instituição do Recanto das Emas. Em versos de rap, o documento fala em “rebelião” e em “arrancar cabeças” dos funcionários, citando alguns pelo nome.
Em 25 de dezembro de 2015, 20 adolescentes infratores pularam os muros da Unidade de Internação de Santa Maria. Desde então, outros 12 escaparam. Seis casos ocorreram de novembro a janeiro. O promotor-chefe da Infância e da Juventude, Renato Varalda, reforça que, nesse trimestre, os jovens tendem a ficar com os ânimos exaltados por causa de possíveis negativas nos pedidos para “saídão” no Natal.
“Aqueles adolescentes que têm bom comportamento podem ter direito a passar feriado em família. Geralmente, o benefício é concedido aos que estão na Unidade de Internação de Saídas Sistemáticas (Uniss), que é a porta de saída do sistema
Renato Varalda, promotor-chefe da Infância e da Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
Um agente socioeducativo, por pouco, não perdeu a vida por causa de um jovem que havia fugido da Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire) — onde ficam infratores de 18 a 21 anos. O interno o reconheceu na rua e fez ameaças. “O pior ocorreu quando ele passou na frente da minha casa, em Ceilândia Sul, e atirou na garagem, enquanto meu cunhado e eu lavávamos o carro. Os tiros quase nos atingiram”, narra.
A última fuga no sistema socioeducativo ocorreu em 31 de outubro. Na ocasião, um jovem escapou durante escolta feita por agentes. O adolescente era transportado para a Unire depois de ser atendido na Vara da Infância e Juventude, na 909 Norte. Em nota, a Subsecretaria do Sistema Socioeducativo (Subsis) apura possíveis falhas na operação.