Agente de portaria da UnB morre vítima da Covid-19
Mulher estava com sintomas de gripe desde a semana anterior e tentou negociar dia livre para ir ao médico. “Só iria na folga”, disse colega
atualizado
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Uma agente de portaria do campus Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília (UnB), morreu de Covid-19 no último domingo (25/7). Katiane Soares vinha apresentando sintomas de gripe na semana anterior e tentou negociar uma folga para poder cuidar da saúde.
Colega dela, Raimundo (nome fictício) trocava frequentes mensagens com a agente de portaria, sobretudo por questões relativas ao trabalho. Ao Metrópoles, o trabalhador falou acreditar que um conjunto de fatos pode ter levado a mulher à morte.
“Ela trabalhou na segunda. Ela chegou muito mal, muito gripada, espirrando muito”, relembra o homem. “Toda hora estava no banheiro para pegar o papel para assoar o nariz, e passou o dia deitada no sofá”, indica.
Segundo o relato, Katiane foi aconselhada a procurar atendimento médico, mas recusou. “Ela disse que só iria na folga”, lamenta o colaborador.
De fato, Katiane aproveitou o “dia livre” na terça (20/7) para se submeter a consultas médicas. Recebeu o diagnóstico de Covid-19 quase imediatamente e já passou a tomar soro na veia para combater a desidratação. Na madrugada do domingo não resistiu e faleceu.
Lotada no Pavilhão Multiuso II do campus Darcy Ribeiro, Katiane teve contato com funcionárias da limpeza, além de necessitar do transporte coletivo da capital para se deslocar de casa para o trabalho. Raimundo não se conforma com a morte da colega. “Até hoje, quando eu olho para a foto, eu não creio que é verdade”, revolta-se.
Segundo os colegas que trabalham na empresa terceirizada responsável pelo serviço, Katiane é a quarta vítima da doença entre os funcionários da mesma companhia.
Em meio a uma pandemia cujo contágio se dá pelo ar, a Servitium, empresa onde Katiane trabalhava, é acusada por funcionários de não ter distribuído Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Agentes de portaria teriam comprado os próprios EPIs para proteção durante a labuta diária.
Acusado de assédio moral pelos trabalhadores, Bruno Felipe, preposto da Servitium na universidade, é apontado por funcionários de ter ameaçado os trabalhadores com suspensão das trocas de plantão – previstas na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT).
Um documento obtido pelo Metrópoles aponta que o regime, mecanismo oficializado pelos trabalhadores para manejo das escalas, seria reduzido a uma permuta mensal a partir de 1º de fevereiro. A justificativa do preposto eram as mensagens de “assuntos indevidos e impertinentes” a uma fiscal identificada como Sarah.
A reportagem tentou contato com Bruno Felipe e com a Servitium, mas não obteve resposta de nenhum dos dois até a publicação desta matéria.
A reitoria da UnB emitiu nota alegando que soube “informalmente sobre o acontecimento”. “A empresa Servitium foi procurada e informou que está levantando as informações para saber quais foram as circunstâncias. A empresa se comprometeu a apresentar explicações à UnB assim que possível”, diz o comunicado.
“Há protocolos a serem cumpridos quando uma pessoa apresenta os sintomas, até mesmo o relato pelos pares, o que não chegou até nós em nenhum momento. Quanto aos EPIs, nós cobramos o fornecimento e a empresa apresentou comprovantes de uso”, garante o gabinete da reitora.
Sem mudança de escala
Em março, sem qualquer comunicação, as escalas ficaram engessadas. “Ele mandou as fiscais divulgarem nos grupos”, comenta uma agente de portaria, de forma reservada. No dia 18 de julho, um domingo, Katiane chegou a solicitar uma troca com uma colega.
Ainda que a prática estivesse proibida, ela já apresentava sintomas e utilizaria a segunda-feira para consultas com médicos e para buscar um diagnóstico. Sem sucesso, precisou trabalhar, passou mal e encaminhou-se no dia seguinte ao hospital, onde foi diagnosticada com Covid-19.
De acordo com outra funcionária ouvida pela reportagem, cujo nome também será preservado, as trocas continuam suspensas. Para ela, a situação deu ainda mais poder ao preposto, que agora decide determina quem pode ou não ajustar as escalas da semana.
“Alguns colegas estão falando que o preposto libera em caso de extrema necessidade”, comenta a agente de portaria. “A pessoa tem que ir lá, contar e torcer para que ele libere. É muito restrito. Não sei como acontece, porque nunca fui. E às vezes nem liberam”, completa.