Abandonados, prédios usados por PM e PRF viram endereço do crime
Em diversas RAs, há unidades de forças de segurança inativas. Além do desperdício de dinheiro público, pontos passaram a abrigar bandidos
atualizado
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Celulares bem-escondidos, carteiras no bolso da frente e mochilas carregadas com firmeza. Os cerca de 10 mil passageiros que passam diariamente pela Rodoviária do Gama andam assustados. No local, sobram relatos de furtos, roubos e tráfico de drogas em plena luz do dia. Os episódios de violência são recorrentes no terminal da sétima maior cidade do Distrito Federal, que já gozou de dias mais tranquilos.
Há dois anos, o principal ponto de embarque e desembarque de usuários de ônibus da região administrativa (RA) era considerado pacato, em razão da unidade avançada do 9º Batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). A presença de homens e mulheres fardados inibia diuturnamente a criminalidade no local.
Após o fechamento da instalação, crimes passaram a ocorrer com frequência e a qualquer hora do dia ou da noite, segundo comerciantes e passageiros. Vendedora de uma banca de bolsas e malas, Luciene Pereira Rocha, 45 anos, teve de correr atrás de um ladrão que acabara de furtar seu celular. O caso ocorreu na quarta-feira (20/2).
“Como vi que ele não estava armado, corri atrás dele e gritei por socorro. Outras pessoas me ajudaram a alcançá-lo e imobilizá-lo. A polícia só chegou depois de 30 minutos. Quando o batalhão estava aberto, isso nunca tinha acontecido”, lamenta.
A queixa de não poder contar com estruturas erguidas para abrigar forças de segurança não se restringe aos moradores do Gama.
Nesta reportagem da série DF na Real, o Metrópoles cortou o Distrito Federal para mostrar dezenas de edificações de instituições ligadas à segurança pública abandonadas. Além de deixarem determinadas regiões vulneráveis à criminalidade, os prédios em desuso denotam flagrante desperdício de recursos públicos.
Segundo Comando de Policiamento do 9º Batalhão da PMDF, na Rodoviária do Gama:
Tráfico e crimes na Vila DVO
A Vila DVO, também no Gama, é outra comunidade que sofre com o encerramento das atividades de uma repartição da PMDF erguida na avenida principal do bairro. Essa estrutura, de quatro cômodos, contava com policiamento fixo até 2015, mas acabou tendo as portas fechadas – para lamento dos moradores.
Negligenciada pelo poder público, a edificação virou um dos lugares mais temidos da Vila DVO. Dentro, há fezes, lixo, preservativos usados e um odor quase insuportável de urina. Também é possível ver latas queimadas – o utensílio é o principal instrumento para se fumar crack nas ruas. No início de 2016, o imóvel ficou em condição ainda mais deplorável, após ser incendiado por vândalos.
O estudante Vinícius Moreira de Andrade, 20 anos, confirma que o sossego acabou após o abandono do posto da PMDF. “Se não vão mais ocupar, poderiam pelo menos demolir tudo, porque hoje ele só serve para abrigar traficante de drogas. Ninguém tem coragem de passar perto”, queixa-se.
Veja imagens da unidade da PMDF abandonada na Vila DVO:
Batalhão do medo
Santa Maria é outra cidade que assiste a verbas governamentais sendo escoadas pelo ralo. Na Quadra 216, uma das mais violentas da cidade, segundo associações de moradores, um batalhão inteiro foi desativado. Sem ocupação, um terreno de cerca de 300 metros apresenta mato alto e lixo por toda parte.
As janelas foram depredadas, e a maioria das paredes está pichada. Esquecido, o prédio foi saqueado. Ladrões levaram o portão principal, tampas de esgoto e partes do telhado. A maior preocupação da salgadeira Maria Aparecida de Souza, 61, é porque o antigo batalhão fica ao lado da escola onde o neto de 6 anos estuda.
Antes, eu ficava muito tranquila de passar por aqui, porque sempre tinha PM na porta. Agora, dá é medo, pois aí dentro ficam pessoas mal-encaradas. Uma construção desse tamanho ficar aí, se acabando, é uma pena. Poderiam pelo menos dar outra destinação, como instalar um posto de saúde
Maria Aparecida de Souza, salgadeira e moradora de Santa Maria
Veja imagens do batalhão da PMDF fechado em Santa Maria:
Praça do Paranoá perde prédio da PM
Quarenta e três quilômetros separam Santa Maria do Paranoá. Apesar da distância, a cidade próxima ao maior espelho-d’água do DF também amarga a falta de planejamento do Governo do Distrito Federal (GDF), que resultou no fechamento de um prédio da Polícia Militar situado na avenida mais movimentada do Paranoá.
Atualmente, o posto funciona apenas como ponto de apoio de PMs em serviço. Alguns estacionam ali para fazer refeições, por exemplo, mas a porta permanece trancada. Com movimentação escassa de militares, a unidade de segurança sofre os efeitos do tempo.
Para o sushiman Mauro Castro, 38 anos, a retirada do efetivo 24 horas do local resultou na volta de crimes na praça central da cidade. “Antes, era mais tranquilo caminhar pela praça. Agora, você tem que andar com cuidado, olhando para os lados: têm muito ladrão e usuário de drogas aqui.”
Veja imagens do batalhão da PMDF fechado no Paranoá:
Prédio que foi usado pela PRF vira banheiro a céu aberto
Numa das regiões mais nobres do DF, a Asa Norte, mais precisamente na 506, chama atenção o abandono de um edifício de seis andares que até 2015 abrigou a sede da Polícia Rodoviária Federal (PRF). As cercanias da edificação viraram morada de pedintes e usuários de drogas. Em volta do terreno, há latas queimadas e isqueiros vazios.
A entrada de uma das garagens subterrâneas converteu-se em banheiro a céu aberto: fezes, papel higiênico usado, roupas íntimas e camisinhas podem ser vistos de longe. Nos espaços reservados aos jardins, papelões servem de camas para sem-teto.
Erguida ao lado da quadra residencial 306 Norte, a antiga sede da PRF amedronta moradores e trabalhadores da região. O servidor público Marcelo Castro, 39 anos, diz que o descaso com o edifício o fez alterar a rotina.
“Não é correto generalizar e dizer que todos que ficam aí são pessoas de má índole, mas têm traficante e ladrão que se infiltram entre os moradores de rua justamente para confundir a polícia. Eu confesso evitar passar a pé em frente ao prédio, em determinados horários, porque muita gente já foi assaltada”, disse.
Veja imagens do prédio da PRF fechado na Asa Norte:
Postos comunitários de segurança depredados
O fechamento dos postos comunitários de segurança (PCSs) – anunciados com pompa e apresentados como a solução para o combate à criminalidade ainda no governo José Roberto Arruda, em 2007 – reflete a falta de zelo com o erário.
Na época, 131 unidades foram instaladas no DF. Doze anos depois, quase todas foram desativadas e pelo menos 24 acabaram incendiadas. Sob argumento de aproximar o policiamento da população, o Palácio do Buriti investiu R$ 18 milhões para equipar estruturas que hoje viraram ferro-velho.
Para o professor e pesquisador em segurança pública Nelson Gonçalves, o fechamento de unidades traz resultados “catastróficos” não só para o planejamento da segurança pública, mas também desfalca os cofres do GDF.
“Não se pode admitir que haja investimento em um equipamento público com objetivo de proporcionar segurança à população e, depois, esse mesmo equipamento ser esquecido e se tornar um lugar que gera efeito contrário”, critica.
O especialista diz ainda que, como instalações foram fechadas, é preciso que as autoridades venham a público e se justifiquem. “Quando se aporta dinheiro público na construção de algum equipamento público, é porque havia um planejamento. Se depois constatou-se que tal modelo não é o adequado, é preciso que haja uma prestação de contas à sociedade”, defende.
Outro lado
A comunicação social da PMDF informou que tem readequado o planejamento e substituído gradativamente alguns postos fixos pelo policiamento ostensivo em viaturas, o que traz mais efetividade no combate ao crime, segundo a corporação.
Com relação aos postos comunitários de segurança (PCSs), a corporação destacou que 34 foram transferidos e não pertencem mais à PMDF. Outros três estão em processo de transferência: dois para o Zoológico de Brasília e um para o Departamento de Estradas de Rodagem (DER).
“Além desses, 55 postos foram recolhidos por terem sido depredados ou queimados. A Polícia Militar mantém em funcionamento 18 PCSs, por considerá-los – de acordo com estudos realizados – importantes para o policiamento estratégico. Os demais postos existentes são utilizados apenas como apoio para o policiamento ostensivo”, informou, por meio de texto enviado à reportagem.
Após a publicação da reportagem, a assessoria da PRF informou que o prédio da 506 Norte não é de sua propriedade, mas foi cedido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e ocupado pela Polícia Rodoviária Federal por cerca de 20 anos.