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A via-sacra por transporte, educação, saúde, emprego e segurança no DF

O Metrópoles acompanhou o calvário de alguns moradores da capital que precisam ir à luta todos os dias em busca da sobrevivência

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Giovanna Bembom/Metrópoles
Fila enorme
1 de 1 Fila enorme - Foto: Giovanna Bembom/Metrópoles

A Via Sacra é uma das passagens religiosas mais lembradas na época da Páscoa. Remete à caminhada de Jesus, da sua condenação até a crucificação, quando teve de carregar a própria cruz enquanto era açoitado por soldados romanos. Na linguagem popular, o termo tornou-se sinônimo de obstáculos a serem enfrentados. Nos tempos atuais, cada estação poderia perfeitamente simbolizar os desafios para ter acesso a direitos básicos como saúde, educação, segurança e transporte público.

O Metrópoles acompanhou o calvário de alguns moradores da capital que precisam ir à luta todos os dias em busca da sobrevivência. O chicote seria a mão pesada do governo, incapaz de garantir dignidade ao cidadão.

Primeira estação: saúde
Não importa o dia, o Núcleo de Atendimento Jurídico da Saúde, localizado no Venâncio 2000, está sempre cheio. Lá, são recebidos pacientes que, por motivos diversos, não conseguem exames, medicamentos, tratamentos e cirurgias, entre outros serviços médicos.

Entre as dezenas de pessoas na sala, está a estudante Rosilene de Oliveira Almeida, 23 anos, que busca ajuda para o marido. Com um câncer no intestino grosso, ele iniciou o tratamento quimioterápico há cerca de três meses, mas precisa também de sessões de radioterapia para diminuir as lesões no órgão.

Porém, o início da radioterapia teve de ser adiado, pois o aparelho do Hospital de Base do Distrito Federal para esse tipo de tratamento está quebrado desde o dia 3 de março.

Rosilene tem feito uma peregrinação para conseguir o atendimento. “Fui na direção do hospital, mas disseram que o equipamento estava quebrado. Segui para a Secretaria de Saúde e me orientaram a procurar o HUB. Lá, há uma fila de mil pessoas. Só me sobrou tentar a Justiça”, conta a jovem, segurando exames e laudos em uma pasta.

É uma corrida contra o tempo, pois a situação do meu marido está cada vez pior. Disseram para eu procurar atendimento particular, mas não temos condições.

Rosilene de Oliveira Almeida

Segundo o Núcleo de Atendimento Jurídico da Saúde da Defensoria Pública do DF, cerca de 15.640 pessoas buscaram orientação legal sobre a área durante o ano passado. No mesmo período, foram abertas 1.789 ações para forçar o Estado a internar, tratar e fornecer medicamentos aos pacientes.

Em nota, a Secretaria de Saúde confirmou que o acelerador linear e o aparelho de cobaltoterapia do HBDF, usados no tratamento de radioterapia, apresentaram defeito e seguem sem funcionar. Ainda segundo a secretaria, há de fato 1 mil pacientes regulados para iniciar a radioterapia e os cadastrados no Hospital de Base estão sendo encaminhados para o HUB.

 Felipe Menezes/Metrópoles
Mesmo com laudos que atestam urgência, Rosilene ainda não conseguiu a radioterapia para o marido

 

Segunda estação: emprego
A procura por um emprego é outra via-crúcis. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em fevereiro, cerca de 322 mil brasilienses estavam desempregados, o que representa 20% dos 1,6 milhão de pessoas economicamente ativas no DF.

Os irmãos Mateus Moreira, 20 anos, e Juliana Moreira, 30 anos, estão nessa estatística. O mais novo está há um ano à procura de emprego e a irmã mais velha, há oito meses.

A busca começou para Mateus em abril de 2016, quando seu contrato de estágio expirou. O jovem começou então a se candidatar a vagas de recepcionista, vendedor, auxiliar administrativo, entre outras que exigissem apenas o ensino médio. Um ano depois, continua desempregado.

A história se repete com a irmã. Com formação média, ela trabalhava em uma loja no Gama até a metade de 2016. Entretanto, o estabelecimento faliu e todos os funcionários foram despedidos. Desde então, Juliana não conseguiu uma oportunidade.

Outro ponto em comum entre os irmãos é a formação. Ambos completaram apenas o ensino médio, o que, segundo eles, dificulta alcançar vagas melhores. “Estou tentando um emprego justamente para conseguir pagar meus estudos. Em casa, somos em quatro, mas apenas meu pai trabalha. Ele não tem condições de pagar uma faculdade ou curso técnico para a gente”, conta Mateus.

Enquanto isso, a rotina dos irmãos é gastar a sola do sapato. “Todos os dias levamos currículos em diversas empresas e ficamos de olho em sites e grupos de redes sociais. Fomos na Agência do Trabalhador de Santa Maria, onde moramos, mas não deu certo. Tentamos hoje aqui na agência do Plano Piloto, sem sucesso também”, relata a irmã mais velha.

Felipe Menezes/Metrópoles
Os irmãos Mateus e Juliana fazem peregrinação diária em busca de emprego

 

Terceira estação: segurança
A sensação de insegurança faz dos brasilienses reféns. Muitos são testemunhas da rotina violenta da capital. É o caso do estoquista Ricardo Coelho, de 29 anos, que trabalha em um bar na 304 Sul e relata a rotina de crimes na região. “Frequento essa quadra há sete anos e os roubos são frequentes. Em plena luz do dia, os ladrões entram nas lojas, levam produtos ou dinheiro e somem depois. Os comerciantes pouco podem fazer”, diz.

O bar em que ele trabalha já foi alvo dos criminosos. Em dezembro, dois assaltos causaram prejuízos. “Renderam os vigias, trancaram eles em uma sala e levaram as tevês e todas as bebidas”, relembra o funcionário. A quadrilha foi presa no início de abril, mas os proprietários não conseguiram reaver os objetos, amargando prejuízo superior a R$ 30 mil. Com medo, Ricardo diz que só trabalha durante o dia.

Minha esposa estava desempregada e recebeu uma oferta de emprego no período da noite. Disse para ela não aceitar, pois é muito perigoso. Prefiro ter menos dinheiro, mas ficar em segurança.

Ricardo Coelho

A Secretaria de Segurança e Paz Social do Distrito Federal alega que tem trabalhado para diminuir os números da criminalidade na capital. Segundo o último relatório da pasta, foram registrados 522 roubos em comércio nos três primeiros meses deste ano, quantidade 36,1% menor que no mesmo período de 2016, com 817 casos.

Giovanna Bembom/Metrópoles
Ricardo Coelho recusa empregos no período noturno por conta do medo da criminalidade

 

Quarta estação: educação
Há três anos, Júlia Reino descobriu que estava grávida. Logo após o nascimento do único filho, Luís Felipe, a estudante de pedagogia começou a pensar sobre a volta à rotina e como faria para conciliar os estudos e o estágio com a maternidade.

Assim, 20 dias após o parto, procurou a Secretaria de Educação para tentar uma vaga em creche pública. Porém, passados dois anos, Júlia permanece na lista de espera. “Ainda há uma fila de 280 crianças para as unidades do Plano Piloto, onde estudo e faço estágio”, relata a universitária, de 22 anos, moradora de Taguatinga.

A saída para a mãe foi buscar uma instituição particular de ensino, o que tem apertado o orçamento da família.

Pago R$ 800 por mês na creche. Sou estagiária e meu marido não ganha muito. É um custo pesado para nós.

Júlia Reino

Mas ela não desiste. Pelo menos uma vez por mês, vai pessoalmente à Secretaria de Educação em busca de uma vaga. “É muito difícil conseguir informações por lá. No site, elas também costumam estar defasadas. Então tenho que ir lá”, relata.

Segundo dados da própria Secretaria de Educação, atualmente cerca de 21 mil crianças de 0 a 3 anos esperam por uma vaga em creche. “Ressalta-se que essa faixa etária não possui garantia de atendimento amparada por lei. No entanto, a SEEDF está trabalhando para atendê-los, no menor tempo possível”, alegou a pasta em nota.

Pelas contas da secretaria, outras 2,5 mil crianças de 4 e 5 anos devem ser beneficiadas com o Programa Bolsa Educação Infantil a partir do próximo mês. As bolsas serão destinadas aos pais e responsáveis que solicitaram vaga por meio do telematrícula e não foram contemplados.

“A SEEDF está fazendo um chamamento público para novas instituições filantrópicas com interesse em assinar termo de colaboração, a partir de julho. Além disso, quatro creches estão em obras, com previsão de conclusão para o 2º semestre deste ano”, completa a pasta.

Rafaela Felicciano/Metrópole

 

Quinta estação: transporte
Todo dia, Daiane Rodrigues, de 19 anos, chega às 8h no trabalho no Senado Federal. Para cumprir o horário, a jovem precisa acordar muito mais cedo, às 5h. Isso porque são necessárias mais de duas horas para embarcar no ônibus, no Recanto das Emas, e chegar à rodoviária do Plano Piloto.

O desafio começa na espera. “Costumo aguardar uma hora na parada próxima à minha casa, na quadra 305. Tenho que chegar cedo para conseguir entrar no ônibus das 6h40 e chegar no meu horário”, conta. Mesmo assim, precisa encarar um veículo lotado e geralmente vai em pé, até o Plano Piloto.

O trânsito da manhã torna a viagem longa. Os pouco mais de 30 quilômetros entre a quadra em que mora e a rodoviária do Plano Piloto são percorridos em aproximadamente uma hora e 10 minutos. De lá, ela ainda pega outro transporte para o Senado.

A volta, segundo a jovem, é um pouco mais tranquila, uma vez que retorna para casa fora do horário de pico, por volta de meio dia. “Aí são cerca de 20 minutos de espera na rodoviária e uns 40 minutos no caminho. Mas quem pega no fim da tarde tem que aguardar muito mais”, conta Daiane.

Quase 19% dos trabalhadores brasileiros levam mais de uma hora por dia para ir de casa ao trabalho, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 1992, esse índice era de 14,6%.

Esse aumento tem justificativa: o crescimento da frota de veículos no país, responsável pela piora no trânsito, que está diretamente ligado à péssima qualidade do transporte público oferecido e à falta de mobilidade urbana.

Felipe Menezes/ Metrópoles
A estudante Daiane Rodrigues passa pelo menos três horas diárias para se locomover entre a casa e o trabalho

 

Em nota, a Secretaria da Mobilidade informa que são realizadas mais de 1,2 milhão de viagens no sistema de transporte público por dia. O tempo médio de viagem é de 66 minutos para linhas de ligação e de 50 minutos para linhas circulares. “Já em relação ao tempo médio de espera dos usuários, não há, até o momento, estatísticas sobre o tema”, destaca.

Entre as medidas adotadas para reduzir o problema, segundo a pasta, está a racionalização das linhas para melhor atender a população, o que tem permitido encurtar as distâncias entre a origem e o destino e minimizar o tempo de espera do passageiro nas paradas e nos terminais. Outra ação foi a implantação de faixas exclusivas para o transporte coletivo, tais como na EPNB, W3 Sul e Norte, ESPM e EPTG. O início da operação do Expresso Sul, corredor de BRT também é listado.

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