A fé que move a W3 Sul. Da 502 à 516, há templos de várias religiões
Quem anda pelos 5,8km de extensão da via passa por pelo menos um local de culto a cada 344m
atualizado
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Um dos principais e mais antigos centros comerciais de Brasília tem se transformado em aglomerado de templos religiosos de variados tipos de crença. Quem anda ao longo dos 5,8km de extensão da W3 e da W2 Sul se depara, em média, com um local de culto por quadra.
O Metrópoles percorreu o trajeto das pistas de uma ponta à outra, da quadra 502 à 516, e encontrou 15 assembleias evangélicas, uma igreja católica e uma sinagoga judaica, além de uma loja de artigos de umbanda e candomblé – religiões derivadas de crenças africanas.
Missionária da Comunidade Católica Shalom, na 507 Sul, Mayara Cutrim explica que a localização da igreja é estratégica. “Focamos a evangelização dos grandes centros urbanos. A comunidade quer alcançar todas as classes sociais, e a W3 é um lugar onde há pessoas de todas elas”, explica.
Preletora da Seicho-No-Ie Brasília – religião que combina elementos de cristianismo, budismo e xintoísmo –, Sidneia Rocha endossa a explicação. Um dos templos dessa organização religiosa, também na 507, fica perto de bares e supermercados cujos frequentadores são adeptos em potencial, salienta ela.“A localização na W3 é estratégica, pois muitas das pessoas que passam por ali moram nas proximidades”, conta. Sidneia lembra que o ponto religioso se aproxima da original, pois, no Distrito Federal, a igreja foi fundada na Asa Sul: funcionava na Escola Parque da 308 Sul na década de 1980.
Evangélicos
Líder da Igreja do Monte (513 Sul) há 10 anos, o pastor Melquisedeque Carvalho de Castro enfatiza a presença de moradores de outras cidades do DF durante a semana. “Muitos fiéis vivem em outras regiões, mas trabalham na W3 ou perto dela e, após terminarem o expediente, já ficam na igreja”, explica.
Ele estima que 30% dos frequentadores do templo moram fora do Plano Piloto. “Grande parte dos fiéis é de Samambaia, Planaltina, Vila Planalto”, acrescenta.
O “boom” religioso divide opiniões. O comerciante Jhess Luis de Carvalho, dono de uma loja de frutas e lanches na 515 Sul, avalia que o comércio sofre prejuízo ao perder espaço para locais de culto. “Essas igrejas ficam fechadas na maior parte do dia, quando as lojas estão abertas. Não contribuem para o fluxo de pessoas”, analisa. Ele teme um aumento de locais destinados a cultos na região e, consequentemente, maior míngua do comércio.
“Acho que deveria haver um setor específico para igrejas, como há o de oficinas, a Cidade do Automóvel [no Setor Complementar de Indústria e Abastecimento, o SCIA] e vários outros, pois não fazem parte de comércio”, sugere.
A W3 já concentrou os principais bares e restaurantes brasilienses e sediou desfiles carnavalescos. Entretanto, para o professor de arquitetura aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Carlos Carpintero, a avenida tem perdido a identidade. Ele aponta que a instalação de locais religiosos descaracteriza as vias, pois contradiz o projeto original urbanístico de Brasília.
“A W3 seria um acesso de carga, para caminhões. Nela, haveria armazéns, lojas grandes, de atacado, na W2, voltadas para os blocos residenciais. Não estavam previstas igrejas”, explica. Porém, ocorreu o contrário, por causa da demanda populacional, segundo o especialista.
Carpintero acrescenta que o plano original da cidade, elaborado pelo urbanista Lucio Costa, reservava uma igreja a cada quatro superquadras do Plano Piloto.
Mas há quem comemore a presença de templos nas avenidas. A servidora pública Elena Cunha mora em um prédio da 311 Sul e frequenta a Igreja Batista Ebenézer da 512, à qual ela vai a pé. “Uma centralização dos locais religiosos prejudicaria muita gente que não mora perto. Tê-los de modo tão diversificado na W3, que é uma das principais vias, facilita o acesso”, elogia.
Lojas fechadas
Na contramão do elevado número de igrejas, há cada vez mais lojas fechadas nessas vias. Em todas as quadras, pelo menos uma não funciona. Ao longo da 512, por exemplo, a reportagem notou cinco estabelecimentos inoperantes.
O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF), Adelmir Santana, explica fatores que contribuem para o declínio comercial na W3 e W2 Sul. “A decadência já dura mais de 20 anos. Os aluguéis estão mais caros. Além disso, houve surgimento de shoppings e outros estabelecimentos comerciais, o que fez grandes lojas saírem dali”, afirma.
Procurada, a Administração Regional do Plano Piloto informou não dispor de “levantamento específico que demonstre a quantidade de estabelecimentos comerciais na W3/W2 Sul, pois o comércio é dinâmico e as licenças emitidas são cadastradas pelo CNPJ dos interessados”.