À espera do “coronavoucher”, famílias passam necessidade no DF
O Metrópoles visitou regiões carentes de Brasília para relatar as dificuldades de quem não tem mais dinheiro nem mesmo para comprar comida
atualizado
Compartilhar notícia
Em uma pequena casa construída na segunda maior favela do país, o Sol Nascente, seis pessoas convivem com dois medos: a fome e o coronavírus. A vida, que já não era fácil antes da pandemia para a família Nascimento, tornou-se ainda mais difícil após o governo impor o isolamento social como forma de evitar a propagação do vírus mortal.
Maria de Lourdes do Nascimento, 55 anos, trabalhava como diarista na residência de um casal. Os patrões, hipertensos, decidiram dispensá-la. “Ficaram com medo pelo fato de eu ficar indo e voltando todos os dias”, conta.
Sem emprego desde o final de março e com uma dívida do terreno onde mora acumulada em R$ 2 mil, ela só enxerga uma saída a curto prazo para colocar comida dentro de casa e evitar ser despejada: receber o auxílio emergencial de R$ 600 proposto pelo governo federal.
“Já são dois meses sem entrar dinheiro e atrasamos o pagamento deste lote. A conta de água também não tivemos condição de pagar e o botijão de gás só tem aqui porque tive ajuda.”
Pouco mais de um mês após o governo do DF fechar escolas e restringir parte do comércio na cidade, o Metrópoles visitou regiões administrativas carentes para contar histórias de famílias que, de um dia para o outro, se viram sem qualquer tipo de renda e passaram a viver com o assombro da fome.
Todas se cadastraram para receber o “coronavoucher”, mas, por motivos diversos, ainda não conseguiram sacar o dinheiro extra.
O marido de Maria de Lourdes, também desempregado, passou a catar papelão. Uma das filhas, fora do mercado de trabalho, precisou voltar para a casa da mãe. Dos quatro filhos, apenas dois permanecem empregados, sendo que um foi colocado de férias pela empresa. “São eles quem têm nos ajudado a comprar o mínimo de comida. Mesmo assim, estou sem verduras”, diz.
Maria de Lourdes e o marido aguardam ansiosamente pelo benefício. O do homem já foi aprovado, mas ele ainda não sabe quando estará disponível para saque. Já o da diarista encontra-se em fase de análise. “A gente precisa muito desse dinheiro para comprar mais comida e pagar as dívidas.”
Assista aos relatos de quem tem passado necessidade no DF e ainda não conseguiu receber o “coronavoucher”:
Doações
A dona de casa Nilza Borges (foto em destaque), 48, também aguarda ansiosamente pelo “coronavoucher”. Sem trabalho e precisando cuidar sozinha do neto Taylon dos Santos, 8 anos, ela conta estar sobrevivendo à base de doações.
“Não temos dinheiro nenhum. Ganhei umas bananas e batatas de um menino que vende frutas e verduras. Minha vizinha ganhou duas cestas básicas de doação e me deu um saco de arroz. É desse jeito que estamos levando a vida”, relata.
Sem poder sair de casa para evitar uma possível contaminação pela Covid-19, Nilza tem pensado em uma forma de comemorar o aniversário do neto, neste domingo (26/04). “Ele quer, pelo menos, cortar o cabelo para a data, mas muitos salões aqui estão fechados.”
Taylon diz sentir falta da escola. Sem conseguir encontrar os amigos de sempre, ele passa o dia brincando ou “lavando a mão”, como fez questão de frisar. “De tempos em tempos, ele vem falar comigo que já está na hora de limpar a mão”, conta Nilza, orgulhosa.
Feira fechada
A exemplo de Nilza, o motorista de entrega Pablo Rodrigues, 30, também precisa cuidar de uma criança pequena em casa. Pai de uma menina de 9 anos, ele ficou sem ocupação desde o dia 13 de março, após o fechamento da Feira Permanente do Setor O, onde ajudava no transporte de máquinas de construção.
Com dois meses de aluguel atrasados, ele tem contado com a compreensão do dono do imóvel, no Sol Nascente, para continuar no local. “Já são R$ 500 de dívida. Sem trabalho, está complicado fazer esse pagamento”, explica.
Segundo ele, o irmão tem até arranjado alguns bicos para que ele consiga “fazer” algum dinheiro, mas está longe de ser suficiente. “Não tenho como ficar dois meses parado”, lamenta.
A dificuldade tem sido tanta que até do gás de cozinha ele precisou abrir mão. Agora, qualquer refeição é feita na casa da mãe, a poucas ruas de distância. “Vai ter que ser assim, por enquanto. Compro um pouco, junto com o que ela tem e a gente come o que consegue”, afirma.
Para ele, o auxílio emergencial significaria o início do ajuste de contas com o dono do imóvel, além de poder comprar itens essenciais: Faltam produtos de limpeza, de higiene e comida, claro”, pontua.
Suplício
O pintor Reginaldo da Silva, 52 anos, precisou percorrer mais de 50 quilômetros para resolver a pendência no CPF, uma das condições para sacar os R$ 600 do auxílio. Morador de Águas Lindas de Goiás (GO), ele ainda passou em Ceilândia antes de chegar à unidade do Setor de Autarquias Sul (SAS). “Um suplício. Disseram que lá daria para resolver, mas, depois, avisaram que não. Precisei pegar o metrô para chegar aqui”, conta.
O erro no cadastro, segundo ele, é simples: dois títulos de eleitor diferentes registrados em seu nome, fruto de uma transferência realizada do Rio de Janeiro para Goiás, há alguns anos. Apesar de já estar informado de que em três dias úteis tudo estaria resolvido e que assim poderá realizar o cadastro no aplicativo da Caixa Econômica Federal (CEF), Reginaldo diz que será difícil ter de aguardar tanto tempo.
“Já estou desempregado há dois anos e trabalho como autônomo, fazendo pintura. Depois que começou essa quarentena, no entanto, não posso mais subir em apartamento. Estou há dois meses sem renda alguma”, lamenta.
Segundo ele, as poucas economias que estavam guardadas já se foram e a família, composta de esposa e três filhos, já está no limite das finanças. “O auxílio não é muito, mas ajuda neste momento difícil. Sempre separei uma parte do que ganhava, mas é muito tempo parado e tudo já se foi.”
Diabético e motorista de app
Uma vez que também precisa regularizar o CPF antes de receber o benefício do governo, o motorista de aplicativo Ronaldo Rodrigues de Moura, 43, continua rodando, mesmo sendo diabético, o que o coloca no grupo de risco da doença que já matou 26 pessoas no Distrito Federal, segundo o último boletim da Secretaria de Saúde. “Falaram para eu esperar até segunda-feira (27/04) para ver se normaliza. Não tenho condições de esperar, mas é o jeito”, reclama.
No entendimento dele, o ideal seria o governo ofertar condições de as pessoas conseguirem voltar ao mercado de trabalho. “Eu não queria precisar desses R$ 600, queria trabalhar, mas como está desse jeito, não posso abrir mão”, pondera.
O que dizem os responsáveis pelo pagamento
De acordo com o Ministério da Cidadania, a Caixa liberou, até essa quarta-feira (22/04), mais de R$ 22 bilhões do auxílio emergencial para cerca de 31 milhões de brasileiros e foram realizados mais de 45 milhões de cadastros nas plataformas on-line do banco.
Conforme a nota do ministério, já foram transferidos R$ 31,2 bilhões para a Caixa Econômica Federal. Esse recurso irá atender, até o fim do mês, beneficiários do Bolsa Família, que somam mais de 43 milhões de pessoas no país.
A Caixa não respondeu ao e-mail enviado pela reportagem sobre as reclamações de demora no pagamento do benefício feitas por pessoas aptas a receber o “coronavoucher”.