Crise no país mina entusiasmo dos brasilienses com a Copa 2018
Cenário caótico na política e economia, além da ressaca da greve dos caminhoneiros, afeta o entusiasmo dos fãs de futebol para o torneio
atualizado
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O clima mudou, o país-sede mudou e, principalmente, a animação mudou. No caso, diminuiu. E muito. É fato que o torcedor brasileiro demonstra descontentamento, novamente, com o cenário político-econômico no país. Um cenário que se repete e explica a falta de empolgação com o Mundial da Rússia. Em 2014, na Copa do Mundo realizada no Brasil, a insatisfação foi camuflada pela euforia de sediar um dos principais eventos esportivos do planeta. Mas, hoje, os brasileiros torcem com menos fervor que nos Mundiais anteriores.
O Metrópoles entrevistou torcedores na Rodoviária do Plano Piloto, por onde passam cerca de 700 mil pessoas diariamente, e também cientistas políticos para explicar a timidez do povo em relação à Copa 2018. Eles apontaram três principais causas: turbulência na política, retração econômica e ressaca da greve dos caminhoneiros, que paralisou todo o país nas últimas semanas.
Nessa terça (12/6), pesquisa nacional do Datafolha indicou que 53% da população demonstra desinteresse na Copa, nível recorde desde 1994. No fim de janeiro, o índice era de 42%.Torcedores de Brasília comentam expectativa para a Copa 2018:
Desordem
O ânimo retraído relatado pelos moradores do Distrito Federal é reflexo do contexto político, social e econômico do Brasil. Quem afirma é o diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCop) Alexandre Bandeira. Desde 2014, o país passou por muitos problemas, como o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Já em 2017, o desemprego atingiu nível recorde (12,7%) desde 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Muitas pessoas não têm dinheiro, emprego e perspectiva de crescimento. Estão preocupadas. Não há um clima, no sentido social, de tanto engajamento. Acredito que, com o andamento da Copa, as pessoas se motivem. Mas este deve ser um dos Mundiais menos animados dos últimos tempos”, analisou.
O cientista político mencionou também a greve de caminhoneiros, da qual parte da população ainda se recupera. A paralisação sem precedentes no país durou 11 dias, bloqueou rodovias e afetou serviços dependentes do transporte por esse meio: desabasteceu mercados, hospitais e postos de combustível, entre outros.
“A greve dos caminhoneiros acabou de acontecer. Todo mundo ficou desabastecido. O torcedor pensa ‘Eu vou gastar meu dinheiro para pintar rua? Depois, quem vai me dar essa grana?’”, ilustrou.
Bandeira também projetou agravamento da falta de entusiasmo do brasileiro no período pós-Copa, independentemente da conquista do hexacampeonato da Seleção Brasileira, segundo ele. “Depois da Copa, vão começar as convenções partidárias para escolha dos candidatos. Haverá ainda mais sensação de desinteresse.”
Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Nascimento fez coro e destacou que, há quatro anos, a sociedade brasileira já atravessava momento conturbado. Porém, a euforia de sediar o torneio maquiou as preocupações da população.
Hoje, há crise econômica, ética, política e social. A Copa passada foi no Brasil, então isso incentivou mais a torcida. Agora, há gente que não sabe em quem votar, ninguém acredita muito nos candidatos. Se estivéssemos em uma curva ascendente, a expectativa sobre o futebol estaria maior
Paulo César Nascimento, professor do Instituto de Ciência Política da UnB
Com a greve, o varejo deixou de vender cerca de R$ 245 milhões em televisores, um produto diretamente ligado à Copa. Antes dela, o ritmo das vendas estava parecido ao do mesmo período de 2014. A queda foi de 24%. Quem queria comprar segurou o desejo. A expectativa dos varejistas é que a retomada aconteça com as vitórias do Brasil na primeira fase do Mundial.
O futebol também parou atrás das grades e isso minou a empolgação do brasileiro. A CBF, que comanda a Seleção Brasileira, teve um presidente preso por corrupção nos EUA (José Maria Marin) e outro banido do esporte pela Fifa, Marco Polo del Nero, pelo mesmo motivo. Muitos torcedores já perceberam que o esporte moderno virou um grande negócio, movendo cada vez mais interesses econômicos e pessoais em vez da boa e velha paixão.
Vendas de camisas
Na contramão da timidez da torcida brasileira, um dos principais “termômetros” da euforia do povo dá sinais positivos. Segundo a fornecedora de materiais esportivos da Seleção Brasileira, a venda de camisas – modelos de jogo, pré-jogo e treino – cumpre as expectativas.
“Se compararmos os primeiros dias do lançamento dos uniformes de 2014 com o de 2018, em um terço do tempo, tivemos duas vezes mais unidades vendidas”, disse, em nota. A empresa não divulgou o número de peças vendidas.
Outra forma de aferir o interesse do torcedor diz respeito ao canal de busca do Google Trends no Brasil nesta semana. A procura na internet pelo Mundial da Rússia é a menor, se comparada, no mesmo período, às três últimas edições da competição, 2006 (Alemanha), 2010 (África do Sul) e 2014 (Brasil). (Com informações da Agência Estado)