metropoles.com

Sete em cada 10 mulheres vítimas de feminicídio no DF eram mães

Em oito anos, DF teve 331 órfãos do feminicídio — 210 deles menores de 18 anos. Em muitos casos, cuidados com crianças ficam para os avós

atualizado

Compartilhar notícia

Vinicius Schmidt/Metropoles
celular em primeiro plano com imagens de crianças nas escola. Celular é segurado por mãos de homem idoso
1 de 1 celular em primeiro plano com imagens de crianças nas escola. Celular é segurado por mãos de homem idoso - Foto: Vinicius Schmidt/Metropoles

Quando saíram para a escola em 17 de junho de 2021, os irmãos Marco* e Thiago*, à época com 8 e 6 anos, respectivamente, não imaginavam que a vida nunca mais seria igual. Naquela manhã, após levar os dois filhos para o colégio, Leandro de Barros Soares voltou para casa e matou a esposa, Melissa Mazzarello de Carvalho Santos Gomes, 41.

O crime ocorreu há dois anos, mas as marcas daquela data perduram, como em um dia que nunca acabou. Após a tragédia que abateu a família, os filhos de Melissa e Leandro — atualmente com 11 e 8 anos — tiveram a vida posta de cabeça para baixo. Eles nunca mais voltaram para a casa onde moravam e, desde então, são cuidados pelos avós maternos.

Sem a filha, o aposentado Luiz Gomes, 72, vive uma segunda paternidade. “Fazemos o máximo de esforço para dar a eles tudo o que minha filha proporcionava”, disse o avô. Os meninos seguem matriculados na mesma escola particular em que estudavam antes, fazem aula de futebol e têm acesso a serviços de saúde particulares, tudo pago pelos avós.

6 imagens
O avô ficou com os netos após tragédia na família
Aposentado faz o possível para estar presente em todos os momentos da vida dos netos
Melissa, filha dele, deixou dois filhos
Aos 72 anos, Luiz Gomes se condiera pai pela segunda vez
Em 8 anos, DF tem 172 vítimas de feminicídio
1 de 6

Luiz concilia gastos na aposentadoria com cuidados com os netos

Vinicius Schmidt/Metropoles
2 de 6

O avô ficou com os netos após tragédia na família

Vinicius Schmidt/Metropoles
3 de 6

Aposentado faz o possível para estar presente em todos os momentos da vida dos netos

Vinicius Schmidt/Metropoles
4 de 6

Melissa, filha dele, deixou dois filhos

Vinicius Schmidt/Metropoles
5 de 6

Aos 72 anos, Luiz Gomes se condiera pai pela segunda vez

Vinicius Schmidt/Metropoles
6 de 6

Em 8 anos, DF tem 172 vítimas de feminicídio

Vinicius Schmidt/Metropoles

As crianças também fazem acompanhamento com psicóloga. Mas, mesmo com toda a estrutura e o apoio familiar, é inevitável que os traumas que os meninos carregam não deixem marcas. “Eles tiveram uma regressão. Um deles perdia o gol, por exemplo, e deitava no chão em posição fetal para chorar”, contou Luiz.

Enquanto isso, o irmão do menino perguntava pela mãe. “Eu me sinto na obrigação de ter, ao menos, mais 10 anos de vida útil”, disse o avô sobre as expectativas de cuidados com as crianças.

Até lá, ele concilia gastos comuns após a aposentadoria com os custos de criação dos netos — tudo acompanhado pelo luto de perder a filha de forma trágica. “Eu não sou mais o mesmo. Sou avô, mas com funções de pai”, completou.

Covardia

A história de Marco e Thiago não é única. Dados do Painel dos Feminicídios no Distrito Federal, atualizado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), revelam que 78,2% das vítimas de feminicídio eram mães.

A taxa corresponde a 136 mulheres que tiveram as vidas ceifadas e foram impedidas de ver os filhos crescerem a partir de 2015, ano de criação da Lei do Feminicídio.

Ao todo, 331 filhos perderam a mãe para esse crime na capital federal. Entre eles, 63% (210) eram menores de 18 anos.

“A criança fica duplamente órfã, porque aquele pai também morre para ela”, destaca a professora Ana Liési Thurler, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade de Brasília (UnB). “O feminicídio é um matricídio também, porque se trata [frequentemente] da execução de uma mãe. Há uma carga de violência imensa que, às vezes, ocorre na frente dos filhos [da vítima].”

Para Ana Liési, os filhos são vítimas diretas da violência: “Os órfãos estão aí porque o Estado estava ausente. Há uma devastação na família que abala a ordem natural das coisas. Uma mãe enterra uma filha saudável, e os filhos [desta] são criados sem a mãe. Uma avó, que deve estar aniquilada pela perda da filha, ainda tem de lidar com netos extremamente vulneráveis.”

Auxílio financeiro

Recentemente, o Governo do Distrito Federal (GDF) elaborou um projeto para amparar financeiramente os órfãos do feminicídio. O tema é tão preocupante que os 23 deputados distritais presentes à sessão da Câmara Legislativa (CLDF) que tratou do tema votaram a favor do Projeto de Lei nº 529/2023.

A proposta elaborada pelo Executivo local tramitou e em caráter de urgência. O texto foi aprovado pela CLDFF no último dia 22. Agora, depende de sanção do governador Ibaneis Rocha (MDB).

Na sexta-feira (25/8), o chefe do Executivo local informou que faria ajustes finais no projeto de lei que determina o pagamento de auxílio financeiro a órfãos do feminicídio no Distrito Federal.

O projeto prevê o repasse de até um salário mínimo (R$ 1.320) por criança ou adolescente, por meio do programa distrital Acolher Eles e Elas. Após sanção, o benefício estará disponível para órfãos menores de 18 anos ou em situação de vulnerabilidade até os 21.

Os beneficiários também precisarão morar no DF há, ao menos, dois anos e comprovar viverem em situação de vulnerabilidade econômica. Os recursos para custeio do programa sairão do orçamento da Secretaria da Mulher.

Exemplos no restante do país

Em dezembro último, o governo do Acre sancionou a Lei nº 4.065/2022, que concede auxílio-financeiro no valor de um salário mínimo por filho de vítimas de feminicídio até que completem 18 anos, quando comprovada situação de pobreza.

Na cidade de São Paulo, foi sancionado o projeto Auxílio Ampara, que prevê apoio financeiro aos órfãos do feminicídio. O texto prevê o auxílio até os 18 anos, com possibilidade de ser estendido até os 24 para jovens em situação de vulnerabilidade matriculados em instituições reconhecidas pelo Ministério da Educação (MEC).

Com a mesma temática, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 976/2022. De autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), a matéria foi aprovada na Câmara dos Deputados e, agora, aguarda sinal verde do Senado Federal.

O texto da proposta federal visa conceder auxílio financeiro a órfãos cujos lares tenham renda mensal per capita inferior a 25% do valor de um salário mínimo.

Pelos critérios das leis aprovadas ou em debate, em nenhum dos casos previstos o avô Luiz Gomes teria amparo do Estado para os netos. A família dele tem renda superior a um salário mínimo, o que exclui essa possibilidade para os filhos de Melissa Mazzarello.

“Esse apoio seria importante porque também garantiria uma poupança a meus netos. Eu não sou mais jovem, minha esposa tem 70 anos. Quando o mais novo tiver 18, eu terei 82”, calculou Luiz. Hoje, o avô lamenta a ausência do Estado quando viu a filha denunciar o marido por violência doméstica, um ano antes de ser morta.

*Nomes fictícios

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comDistrito Federal

Você quer ficar por dentro das notícias do Distrito Federal e receber notificações em tempo real?