Soltar o ejaculador não é defender nem mesmo os direitos do acusado
Ao deixá-lo livre, inclusive, o magistrado colocou o homem em grande risco de vida: ele poderia ter sido linchado ou até morto
atualizado
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O princípio da saga: um homem ejacula no pescoço de uma mulher desconhecida, sem sua permissão, no ônibus, em São Paulo. É levado pela polícia e solto 24h depois com a autorização de um juiz que afirma que “não houve o constrangimento, tampouco violência” — se não for isso, o que consideraremos violência, meu Deus?
Capítulo 2: a sociedade se indigna com a decisão do juiz e reclama nas redes sociais. Capítulo 3: Algumas organizações saem em defesa do juiz e do Ministério Público — que sugeriu a soltura do acusado. O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) argumenta que “o Judiciário não pode ficar refém da onda punitiva, que teima em colocar juízes sob suspeita toda vez que decidem a favor do réu”. Capítulo 4: o ejaculador comete outra violência contra uma empregada doméstica que saiu do local, segundo a polícia, profundamente abalada e traumatizada.
Eu, que sou autora de um livro de defesa dos direitos humanos dos encarcerados (“Presos Que Menstruam”), tenho um enorme respeito pelo IDDD. Não quero fazer parte de uma sociedade construída em cima do punitivismo, do ódio e da vingança. Mas desta vez, me atrevo a dizer que o instituto errou.
Primeiramente, o Judiciário não pode ser imune a críticas da sociedade. Isso porque o Judiciário é composto por seres humanos falhos. Juízes, promotores e defensores estão sujeitos a todos os preconceitos que são parte de nossa sociedade: machismo, neste caso. Sou contra excessos e linchamentos virtuais, mas o debate público é saudável. Cabe ao Judiciário, como fazem os outros poderes, separar as críticas vazias das preciosas e crescer com elas.
E a crítica construtiva, neste caso, é: a decisão é machista porque, ao afirmar que um ato sexual não consentido não é violento per se, pressupõe que as mulheres não têm absoluto direito sobre seus corpos no ambiente público. Nenhum direito humano pode ser garantido em detrimento do direito de outrem, muito menos de uma minoria já muito vitimizada como as mulheres.
Além disso, soltar um homem que já acumulava 17 registros de abusos sexuais similares não é defender nem sequer os direitos do acusado. Havia muitos indícios de que ele sofria de uma compulsão sexual. É possível, alguns alegam, que essa compulsão seja fruto de um distúrbio psicológico. Se o receituário do respeito completo aos direitos humanos fosse seguido, o acusado seria examinado por psiquiatras e psicólogos e encaminhado a especialistas que pudessem cuidar de sua recuperação e reinserção social. Será que a família do acusado foi procurada?
Ao deixá-lo livre, inclusive, o magistrado colocou o homem em grande risco de vida: ele poderia, como quase aconteceu antes de sua última detenção, ter sido linchado ou até morto por pessoas que acreditam que podem fazer justiça com as próprias mãos.
E mesmo no cenário em que a desculpa de insanidade não seja mais que uma tentativa de fugir da Justiça, é obrigação da lei manter a população segura. Claramente, 17 reincidências traçaram muito bem o limite entre o punitivismo e a segurança das mulheres de São Paulo.
E mesmo para quem, como eu, duvida da capacidade das prisões de ressocializar pessoas e acha que elas deveriam ser extintas ou, no mínimo, reformadas, é preciso lembrar que o Estado tem nas mãos outras ferramentas para tirar uma pessoa perigosa do convívio social, como a prisão domiciliar e as caneleiras eletrônicas.
Sugerir que Direitos Humanos se confundam com impunidade e com o veto ao debate social só faz prejudicar esta que é uma luta tão essencial. Sim, eu acredito em Direitos Humanos — mas que eles não sejam falsamente vendidos como ferramenta de manutenção do machismo de nosso Judiciário. Sei que estou na posição confortável de quem critica de fora MP e magistrado, na dura posição de quem aprende nos erros. Desejo a ambos sabedoria neste processo.