Estamos falhando com mães que amamentam?
Me fiz esse questionamento após a escritora Tati Bernardi não ter comparecido à Flip para cuidar de sua filha de 6 meses
atualizado
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A escritora Tati Bernardi não compareceu à 16ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). O motivo? Está amamentando a filha de 6 meses e não podia suportar ficar longe dela pelo tempo da viagem. Grávida de oito meses e meio, meu coração fica com o dela: me dói pensar que terei de deixar meu pequenino em casa com apenas 4 meses de vida e voltar ao trabalho.
Mas, por outro lado, me botei a questionar: estaríamos nós falhando com as mães que amamentam? Carreira e maternidade deveriam mesmo ser escolhas opostas em tantos momentos de nossas vidas? Aqui peço licença para falar de forma genérica, pois não conheço o caso particular da Tati e acho justíssimo ela ter simplesmente optado por estar com a filha e longe dos holofotes da Flip. Porém, para muitas mulheres em situações parecidas com a dela, o caso não é necessariamente de escolha.
Para estas, a carreira entra em segundo plano à força, por culpa de pais ausentes, empresas endurecidas e leis insuficientes. E de uma cultura que ainda trata a maternidade e a amamentação como um “problema”, um “impedimento” para profissionais fazerem um bom trabalho. Criticam mulheres que optam por não amamentar como “sem coração”. Mas dão a elas licenças mínimas – quando não as demitem logo após o retorno – e fazem cara feia quando querem intervalos de amamentação.
Não tratam com naturalidade a presença de crianças ou bebês em contextos nos quais seria perfeitamente cabível suas presenças. Porque, sim, existem organizações e empresas na Europa e América do Norte nas quais bebês participam de reuniões e videoconferências quietinhos nos colos dos pais ou dormindo em bercinhos a seus pés sem dano algum ao desempenho do encontro, a não ser alguns momentos de “ohnnnn” que, inclusive, melhoram o humor dos participantes.
Como escritora, tentei me visualizar no dilema de Tati e penso ser o tipo de mulher que talvez quisesse ir à Flip. Sabe o que eu esperaria do meu companheiro? Que ele fosse junto e cuidasse do nosso filho enquanto eu trabalho. Sabe o que eu esperaria da audiência? Que não se incomodasse de me ouvir falar enquanto amamento, caso o bebê chore antes do bate-papo acabar. Afinal, tantas e tantas parlamentares – por aqui, Manoela D’ávila – já não nos provaram ser perfeitamente possível e natural amamentar enquanto se trabalha?
Há, porém, uma doença da paternidade no Brasil. Muitos pais por aí não se enxergam no papel do parceiro que cuida dos filhos nos bastidores enquanto a mulher trabalha. Aqui em casa, não. Meu marido reservará alguns dias de suas férias para me acompanhar em uma conferência fora do país quando nosso bebê tiver em torno de 6 meses. É importante para minha carreira participar desse evento e ele sabe que, se eu estiver feliz, mais chances teremos de nosso filho estar ainda mais.
Quando conto isso pras pessoas, elas reagem com surpresa. Por que será? Por que achamos normal mulheres assumirem o batente quando seus maridos têm compromissos de trabalho fora e ainda estranhamos ou achamos “pouco másculo” um pai que topa, por alguns dias, ser o “grande homem por trás da grande mulher”?
Porque, na verdade, meus caros, se os dois se intercalam, no fundo eles nunca estarão de forma permanente um atrás do outro. Serão iguais – por trás de uma grande criança.