Por que o nome social não deve depender de uma genitália
Uma pessoa não é obrigada a alterar seu corpo para sentir-se mulher ou homem
atualizado
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“Ué, não quer ser mulher? Por que, então, não arranca o pênis logo de uma vez e se torna uma?” – li comentários do tipo por todas as minhas redes sociais depois de o Supremo Tribunal Federal ter decidido, na semana passada, que pessoas trans não precisam passar por nenhuma cirurgia para trocarem seus nomes oficialmente. O tema causa receio em muita gente, mas convido-as a abrir a cabeça e o coração para entender porque a resolução é apropriada e acertada.
Vamos fazer uma viagem no túnel do tempo, para quando a filósofa francesa Simone de Beauvoir cunhou, em 1949, a frase: “Não se nasce mulher, torna-se”. Isso é loucura – você dirá – eu nasci mulher e permaneci mulher toda minha vida. Mas veja só: você e Simone estão falando de coisas diferentes. Ela não está falando de ser fêmea, ter o sexo biológico feminino. Ela está discutindo gênero, aquele amalgamado de ideias, socialmente construídas, que cada cultura associa a um sexo ou outro.
“Genitais não deveriam definir o nome estampado pela pessoa em seus documentos”, explica Jaqueline de Jesus, doutora em Psicologia Social e professora da IFRJ. “A associação do gênero com o órgão genital é aleatória. Você pode ser uma mulher com pênis ou um homem com vagina, porque o gênero é a sua identidade. É onde está o seu pensamento e seus sentimentos”.
Ou seja, quando uma mulher trans se identifica como mulher, ela está dizendo, na verdade, o seguinte: minha personalidade se encaixa muito melhor nessas características chamadas por vocês de femininas do que nos aspectos reconhecidos como masculinos. Para eu ser realmente feliz, preciso viver desta maneira. Essa pessoa não necessariamente não gosta de seu corpo. E ela não obrigatoriamente queira mudá-lo para ser mais parecido com o sexo biológico feminino – pode ser isso também, mas não precisa ser.
A ideia de pessoas trans precisarem de cirurgia tem raiz histórica. Quando, a partir dos anos 1990, a identidade se popularizou, com figuras como Roberta Close, a medicina brasileira só conseguiu conceber pessoas assim como gente doente, um “desvio de personalidade”. Só era assim, acreditava-se, aquela ou aquele que odiasse seu órgão genital e quisesse fazer uma intervenção de transgenitalização – atenção: não é mudança de sexo, como diziam antigamente, porque ninguém o altera só mudando o genital; os genes e demais órgãos determinam o sexo, afinal, eles continuam iguais.
Mas hoje já se sabe que ser trans não é doença e, por isso, não precisa necessariamente de cirurgia. Uma pessoa não tem de alterar seu corpo para sentir-se mulher ou homem. E, consequentemente, não é necessário mudar um órgão genital para ter um nome diferente em um documento.