Por que o choro de Neymar nos incomoda mais que sua violência?
Nosso herói nacional, um homem, pode bater, xingar e tomar cartão amarelo, só não pode lacrimejar ao fim da partida
atualizado
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Minutos após o fim da partida, a home do jornal O Globo já exibia esta manchete: “Não é normal chorar em um segundo jogo de Copa”. Nas conversas do bar onde eu assisti ao embate, as pessoas tiravam sarro das lágrimas de Neymar, assim como de seu “cai-cai”.
Eu também tinha críticas a Neymar, mas não eram essas. Fiquei surpresa ao não ver ninguém censurando as ofensas dele a outro jogador na cara do juiz: “Hijo de puta” – assim, na língua materna dele. Também me admirou algumas pessoas nem sequer terem notado o seu jogo, bem mais agressivo que o habitual – normalmente, mais limpo, gracioso, leve –, e que ninguém falasse do tapa na cara do atleta costarriquenho – pelo qual, a meu ver, ele deveria ter recebido o segundo amarelo e sido expulso.
Em meio a tamanha pressão após uma cirurgia importante, uma última Copa vergonhosa e o fato de ele ser o jogador de quem, afinal, o Brasil e o mundo esperam tudo, chorar deve ser até terapêutico. Eu realmente espero que ele possa deitar no colo da Bruna Marquezine, sua namorada, ou de algum bom amigo da Seleção e soltar os pulmões antes e depois de cada jogo. Talvez, assim, ele explodisse menos em violência, tivesse mais controle de si em campo e nos decepcionasse menos.
Mas, não, o Brasil não está preparado para ver um homem, nosso herói nacional, chorar. Neymar pode bater, xingar e tomar amarelo, só não pode lacrimejar ao fim da partida.
Que machismo pouco inteligente este do mundo do futebol! Já pensou onde chegaríamos, enquanto uma das seleções mais talentosas do mundo, se reconhecêssemos que nossos jogadores precisam tanto de atenção psicológica quanto de treinos físicos?
Ao fim e ao cabo, a negativa de admitir que homens têm e devem expressar emoções leva tantos deles a sofrer doenças mentais em silêncio e, muitas vezes, a tirar a própria vida. Cerca de 11 mil pessoas se matam todos os anos no Brasil. Cerca de 80% delas são homens.
Não nos enganemos, é dessa faceta do machismo que estamos falando quando ridicularizamos as lágrimas do craque na frente de nossos meninos pequenos e repetimos pra eles: “Homem não chora”. É do machismo que prefere a violência à fragilidade.
Chora, Neymar, chora. Porque é difícil mesmo ser cobrado por tanta gente desde tão jovem. Chora e canaliza assim suas frustrações, para que a violência nunca mais ofusque o seu talento bonito.