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Nem as francesas, nem as “denuncistas”: assédio é questão de nuance

Tudo depende do consentimento e das regras estabelecidas pelos envolvidos

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A “feministosfera” está em polvorosa desde que um grupo de mulheres francesas lançou uma carta sobre como as discussões contra o assédio nas redes sociais, como a campanha #MeToo nos EUA (ou as #PrimeiroAssédio e o #ChegaDeFiuFiu, no Brasil), estão acabando com a liberdade sexual masculina. Segundo elas, encabeçadas pela atriz Catherine Deneuve, os homens estão ficando com medo de “chegar” nas minas e isso está limitando a autonomia sexual das pessoas.

Mesmo discordando radicalmente do argumento geral do texto, foi importante ele ter sido escrito. Para começar, porque a gente só consegue mudar opiniões falando sobre nossos incômodos – e se há mulheres com essa preocupação, para mim, ela deveria ser tratada com respeito. Depois, porque um ponto sozinho levantado pelo texto faz sentido: os exageros do “denuncismo”.

Veja bem, denuncismo e denúncia são coisas bem diferentes. Denunciar é vencer o medo e quebrar o silêncio. É buscar justiça. Denuncismo é humilhação, é buscar vingança. Campanhas como o #MeToo são denúncia, atrizes abrindo a boca para falar sobre os anos de abusos de Harvey Weinstein, também; ir atrás das pessoas citadas pelo #MeToo para constrangê-las nas redes ou agredi-las na rua, é denuncismo.

Para mim, a gente cruza a linha quando deixa de considerar um valor muito importante de nossa legislação: a presunção de inocência, até ser provado o contrário, e o direito à defesa. Esse princípio, não à toa, está em nossa e nas melhores e mais eficientes leis ao redor do mundo. A humanidade demorou milênios, mas concluiu: mesmo as piores pessoas, mesmo os mais horríveis estupradores, têm direito à plena defesa – e a Lei do Talião leva somente ao escalonamento dos ânimos.

A presunção de inocência é um valor essencial dos direitos humanos e o feminismo, como um dos braços dessas garantias, não pode passar por cima dela. Não é preciso escolher entre defender as mulheres ou os direitos dos criminosos. O crime cometido nem deveria entrar na conta: resguardamos as mulheres porque queremos uma sociedade justa; respeitamos os criminosos porque não somos selvagens. Isso não é sobre quem eles são, é sobre quem nós somos.

Como feministas, devemos lutar para que os assediadores e estupradores cumpram a punição com todo o rigor da lei. Mas apanhar na rua e passar humilhação pública não estão inclusas no Código Penal. A época dos apedrejamentos coletivos acabou.

Dito isso, a carta das francesas é constrangedora em uma porção de aspectos. Mas vou falar, exclusivamente, do pecado capital que comete: o pecado da preguiça. Ele é, coincidentemente, o mesmo pecado das denuncistas. Os dois lados parecem almejar por uma regra universal de permissão ou proibição para controlar os bossais contra o puritanismo, de um lado, ou o assédio, do outro. Regra universal, além de não existir, é um tipo de preguiça ética.

Em boa parte das situações, há uma linha fina entre assédio e paquera que o homem em questão só vai descobrir com um profundo exame ético. Não há um simples “é sempre assédio, homens são monstros” e nem “homens bonzinhos, tudo é elogio”. Tudo depende do consentimento e das regras estabelecidas pelos envolvidos.

Há, naturalmente, algumas linhas guias como, jamais tocar alguém sem autorização e não iniciar aproximação sexual em alguém que não tem liberdade de te dizer não (como é o caso quando você pode demitir a pessoa, por exemplo). Mas, no dia a dia, os homens têm de aprender a deixar seus radares mais sensíveis e colocar a preguiça de lado. Pensar sempre, analisar a fundo cada caso.

Não há saída simples, nem regrinha salvadora, sinto muito. Aprender a não assediar dá trabalho mesmo.

O primeiro passo é todo homem perceber que é sempre um assediador em potencial. Infelizmente, amigos. E não porque são vilões de novela, mas porque são mais fortes, têm os maiores cargos nas empresas, estão em condição de maior segurança. Às vezes, até a iniciativa bem intencionada pode acuar ou assustar uma mulher, mesmo sem querer. Sabe, a gente vive com medo. MESMO.

Por isso, paquerar exige, sim, um tipo de cautela que não deveria ser broxante, mas instigante! Os cuidados deveriam fazer o jogo mais interessante e cheio de mistérios a serem lidos.

É preciso prestar atenção DE VERDADE. Notar, por exemplo, o desinteresse dela em você ao andar na rua – se ela não está sequer olhando de volta, isso já quer dizer alguma coisa. A forma como o corpo dela recua, a voz fica trêmula e constrangida também são sinais importantes. Os homens têm que aprender a ler esses sinais.

Desenvolver essa sensibilidade e a capacidade de discutir abertamente o assédio, sem acuar pessoas com opiniões diferentes, são as únicas maneiras de criarmos uma sociedade respeitadora da liberdade sexual de homens e de mulheres. E, por favor, coloquemos um ponto final nessas discussões preguiçosas de internet que pretendem tirar das pessoas a responsabilidade de tomar as próprias decisões éticas por-conta-própria a-cada-instante.

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