Metrô-DF culpa vítima por assédio e paga indenização justíssima
Explico por que a resposta da empresa é repulsiva – e não tem nada a ver com falta de vagão rosa
atualizado
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Na última semana, o Metrô-DF tomou um castigo justo por suas traquinagens. A história: uma mulher sofre assédio sexual em um vagão, busca ajuda de funcionários e é ignorada.
Revoltada, processa a empresa. Os advogados retrucam colocando a culpa na própria vítima: “O evento poderia ter sido evitado se a autora tivesse utilizado o trem exclusivo para mulheres”. Choque, amiga, choque.
A juíza Ana Beatriz Brusco, do 1° Juizado de Fazenda Pública do DF – aparentemente, tão passada quanto eu –, condenou a instituição a indenizar a vítima por danos morais em R$ 10 mil. “Houve patente falha na prestação do serviço público. Isso porque não foi disponibilizado vagão rosa em quantidade suficiente para as passageiras do sexo feminino e não foi prestada a assistência pelo corpo de segurança, como exigido por lei”, afirmou a decisão.
Explico por que a resposta do metrô é repulsiva – e não tem nada a ver com falta de vagão rosa. Para começar, a empresa insinua que é responsabilidade das passageiras controlar o desejo sexual e o comportamento de todos os homens dentro do vagão. “Não quer ser estuprada? Esconda-se, não saia de casa, não fique perto de tarados”, dizem os adeptos desse raciocínio.Essa ideia, de que a mulher “atiça” o instinto animal e incontrolável dos homens, é a mesma que obriga por lei encobrir o corpo todo com um véu. Se achamos isso um absurdo no Oriente Médio, como não reconhecemos o embrião desse argumento por aqui, no nosso quintal?
O próprio vagão rosa sempre me pareceu uma aberração. Quer dizer: há uma série de tarados no metrô, mas – em vez de educá-los, fiscalizá-los e, eventualmente, puni-los – a empresa os deixa livres, leves e soltos enquanto limita a liberdade das potenciais vítimas. É como se a gente colocasse as pessoas honestas na cadeia para evitar que os ladrões lá de fora roubassem suas coisas. Faz algum sentido?!
“E não quis abrir mão de sua liberdade de transitar por qualquer vagão do metrô? Tá pedindo pra ser assediada!”. Faça-me o favor!
A responsabilidade por um ato de violência, não canso de repetir, jamais será das vítimas. Garantir a segurança das mulheres é um trabalho do poder público, que deve ser apoiado por projetos educativos das famílias e das escolas. E, quando o poder público falha nessa tarefa, é muito mais elegante desculpar-se e buscar soluções – desta vez, pelo menos, teria poupado o metrô de um belo vexame.