Grávida de barriga tanquinho: o novo padrão absurdo de beleza
Aprendemos que a melhor versão do corpo feminino é moldada da sociedade para o íntimo. A mim, essa artificialidade é feia
atualizado
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Era meu primeiro dia na nova academia. O instrutor, um querido, me perguntava se, em meu treino, como gestante de 5 meses, eu ainda aguentava fazer exercícios abdominais. Eu sorrio e digo:
“Aguentar, eu aguento, mas não quero. Desde que engravidei, parei com eles porque tive prazer de ver a barriga crescer”.
A personal trainer que por ali passava se intromete:
“Moça, mas não tem problema nenhum uma grávida fazer abdominal!”
“Sei disso”, respondo. Minha médica explicou que o importante é manter o padrão de exercícios ao qual estava habituada antes de engravidar e não aumentar as cargas durante a gestação – a não ser em uma situação de risco, quando é necessário interromper os esforços totalmente. Mas, realmente, não quis mais. Levantei a blusa, orgulhosa e mostrei a barriga já pontudinha, com meu filho protuberando de mim. A mulher arregalou uns olhões de horror, julgadores, e disse:“Nossa, mas para ficar neste estado aí em 5 meses, você não devia ter músculo nenhum no abdômen”.
Queria dizer que, dessa vez, tive algo inteligente e espirituoso pra retrucar, mas não. Fiquei me sentindo horrorosa diante dos olhos dela.
Dias depois, passeio pelo Instagram de uma blogueira fitness, grávida quase do mesmo tempo que eu. No Stories, ela desabafava, em dor legítima, sobre não aguentar mais a pressão das pessoas para a barriga dela não crescer, para permanecer “tanquinho”.
Meu coração partiu por ela e por mim, por termos acreditado em gente besta cujo único esforço é para controlar o corpo da mulher. Imaginei uma grávida envergonhada de sua barriga. Na hora, franzi o nariz e pensei nunca ter ouvido falar em nada menos bonito.
Sequer almejei o suposto padrão. Pensei: ficamos mais cegos para a beleza. Aprendemos a vê-la no rijo e que a melhor versão do corpo feminino é aquela moldada de fora pra dentro, da sociedade para o íntimo. A mim, essa artificialidade é nada além de feia.
Desde o início da minha gestação, namorei o crescimento da minha barriga como a maturação de uma nova beleza, sinônimo de vida, de poder feminino. Ela se desenvolve como uma potência do meu ser. Uma potência que me une às lobas, às macacas e às leoas, me fazendo superar até as barreiras da espécie. E, por isso, não tem outro nome a não ser bela. Me sinto linda, sem demagogia. Me sinto também poderosa.
Simone de Beauvoir, quando teorizou que a mulher foi oprimida pelo homem porque era escrava da espécie, errou, acredito eu. Na verdade, a mulher não é escrava da espécie, a espécie é escrava da mulher. E os novos padrões de beleza, me parecem, querem nos negar o reconhecimento dessa dependência humana de nossa vontade. Sem o nosso “sim”, constante, uma a uma, a humanidade deixará de existir.
Nossa barriga grávida, explosiva, é o lembrete da fraqueza dessa sociedade patriarcal que, com toda opressão e machismo, ainda não percebeu que não existe vida sem nós.
Celebremos nossas barrigas de vida e de poder – e as graciosas marcas deixadas por elas daqui em diante.