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Os efeitos negativos do fim do auxílio emergencial sobre a economia e a sociedade brasileira são perceptíveis desde o início do ano, com o impacto da crise sanitária sobre uma economia sem resguardo de políticas federais para equilibrar a balança.
A tendência de precarização do trabalho na economia brasileira, assistida a partir da crise de 2014-2016 e reforçada pela Reforma Trabalhista de 2017, fica evidente na elevação da taxa de informalidade da economia, da proporção de pessoas ocupadas no setor informal.
A dificuldade de alocação nas fileiras formais do mercado de trabalho “empurraram” as pessoas para a informalidade e aquelas cujo esforço de entrada no setor informal não teve sucesso, permanecem fora da força de trabalho, elevando a parcela da população dependente das transferências de renda.
Impactos
Este componente estrutural em muito explica a importância conjuntural do Auxílio Emergencial. Sem essa transferência de renda excepcional, os impactos da pandemia poderiam ser ainda piores sobre a atividade econômica. Os efeitos da redução de R$ 600 para R$300, a partir de setembro de 2020, e agora a perspectiva de um valor ainda menor são preocupantes.
A redução do valor já foi sentida, em parte, no quarto trimestre de 2020, quando a queda de 16,38% das transferências de renda (especialmente do auxílio emergencial) no terceiro trimestre contribuiu para a desaceleração da atividade econômica nos meses seguintes.
Se essa defasagem for mantida, o impacto negativo se repetirá no primeiro trimestre deste ano. Estas são algumas das conclusões da análise de conjuntura econômica no país feita pelos economistas Nathan Caixeta e Saulo Abouchedid, professores da Facamp.
A retirada total do auxílio desde janeiro de 2021, considerando o valor total do auxílio pago nos últimos três meses e ainda a inexistência de um novo auxílio até o fim de março, tem impacto direto sobre a massa de rendimentos ampliada no primeiro trimestre deste ano e será de aproximadamente R$ 70,5 bilhões, 3,5% do PIB do quarto trimestre.
“Devemos considerar que o auxílio ‘faz a economia girar’, ou seja, esse tipo de gasto produz efeitos diretos e indiretos (ou efeitos multiplicadores) sobre emprego e renda, impactando o PIB num montante ainda maior”, alerta Abouchedid.
PEC Emergencial
Segundo a PEC Emergencial 186/2019, aprovada recentemente, a parcela orçamentária dedicada à continuidade do programa de Auxílio Emergencial foi fixada em R$ 44 bilhões, com redução no valor unitário do benefício de R$ 300 (vigente entre setembro a dezembro de 2020) para R$ 250 (valor médio) a partir de abril de 2021. Na ponta do lápis, aponta Caixeta, “dividindo o valor total fixado (R$ 44 bilhões) pelo número de parcelas (4) e o valor unitário (R$ 250) previsto para 2021, é possível estimar que a base de beneficiários caia para 44 milhões de pessoas beneficiadas, um número bastante inferior ao verificado em 2020 (68 milhões)”.
O cenário se torna ainda mais grave quando considerados os efeitos do recrudescimento da pandemia sobre a recuperação do mercado de trabalho, que já é lenta em alguns setores, especialmente no setor de serviços. A piora da crise sanitária, sem o amparo do auxílio emergencial, tende a dificultar a procura de trabalho e a absorção de trabalhadores no mercado, ampliando o número de pessoas sem renda proveniente do trabalho e de benefícios sociais.
Para Abouchedid, “O aumento da pobreza e da miséria, em si estruturais no Brasil, é uma consequência direta (e no curto prazo) da retirada do auxílio em meio à fase mais difícil da crise”.
Outros modelos
Os analistas da Facamp apontam também para a urgente necessidade de se repensar no papel das transferências de renda, tão ou mais emergencial do que foram as medidas econômicas de combate à crise sanitária. O remodelamento dos programas de transferência de renda deve perseguir o caminho da universalidade, isto é, do atendimento mínimo das necessidades humanas, persistindo na promoção da igualdade de oportunidades entre os diferentes grupos que compõem a sociedade.
“O caminho da universalidade conjuga, por fim, a ampliação do escopo de pessoas atendidas pelas transferências de renda e maior progressividade das fontes de financiamento de tais programas, de forma a promover a redução da desigualdade, contrariando os efeitos estruturais de precarização do mercado de trabalho brasileiro”, acredita Abouchedid.
Em muitos dos países que experimentaram, durante a pandemia, volumosos programas de transferência de renda sem contrapartidas por parte dos beneficiários, já há forte inclinação social e política para a manutenção desses arranjos no longo prazo, instituindo mecanismos para a instalação de programas permanentes de Renda Básica Universal.
Futuro
A questão neste momento é mensurar de que forma a esperada nova retração no setor de serviços, especialmente no primeiro e segundo trimestre de 2021, impactará a recuperação do mercado de trabalho, que, ademais, já mostrava sinais de desaceleração em dezembro de 2020.
No caso da indústria e do comércio, a aprovação do novo Auxílio Emergencial, mesmo que em menores níveis do que em 2020, poderá significar alguma sobrevida a esses setores, porém a continuidade da recuperação dependerá essencialmente da ampliação e continuidade das medidas emergenciais ao longo da pandemia.
Website: http://www.facamp.com.br