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Livro-reportagem: quando a realidade é mais incrível que a ficção

Uma categoria que não recebe muita atenção nas críticas literárias é a do livro-reportagem. Como são livros não-ficcionais, acabam ficando separados dos gêneros ficcionais tradicionais – romance, conto e poesia. Mas a verdade é que os bons livros-reportagem são peças literárias de extremo valor. Aliás, pelo menos um dos clássicos da literatura brasileira – “Os […]

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Uma categoria que não recebe muita atenção nas críticas literárias é a do livro-reportagem. Como são livros não-ficcionais, acabam ficando separados dos gêneros ficcionais tradicionais – romance, conto e poesia. Mas a verdade é que os bons livros-reportagem são peças literárias de extremo valor.

Aliás, pelo menos um dos clássicos da literatura brasileira – “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, sobre a Guerra de Canudos, publicado em 1902 – pode ser considerado livro-reportagem.

Ditadura

O período da ditadura, por sua carga pesada, é bastante explorado dentro do gênero e a obra ganhadora do Jabuti de Reportagem deste ano, “Cova 312”, de Daniela Arbex, aborda a história de um militante morto sob aquele regime. Daniela já havia chegado perto, em 2014, e ficado em terceiro lugar no Jabuti, com sua obra de estreia: “Holocausto Brasileiro”, que conta a história do Hospital Psiquiátrico Colônia de Barbacena.

O autor mais exitoso comercialmente nessa linha, entretanto, talvez seja Élio Gaspari, com a série “Ilusões Armadas”, com quatro livros sobre o período (“A Ditadura Envergonhada”, “Escancarada”, “Derrotada” e “Encurralada”). Podemos citar ainda “Memórias do Esquecimento: Os Segredos dos Porões da Ditadura”, de Flávio Tavares; “Mata! O Major Curió e As Guerrilhas do Araguaia”, de Leonencio Nossa; e “As Duas Guerras de Vlado Herzog” de Audálio Dantas.

Obras essenciais

Apesar de pouco conhecido atualmente, Antonio Callado (foto no alto da página), o autor de “Quarup”, talvez seja o mais completo autor brasileiro de livros-reportagem, com pelo menos seis títulos, que exploram desde a realidade o sumiço de um oficial inglês no Alto Xingu, com “Esqueleto na Lagoa Verde”, que certamente lhe serviu de base de coleta de material para sua obra-prima, até os primórdios da luta por reforma agrária no Brasil, em “Os Industriais da Seca”.

DivulgaçãoCaco Barcellos, com os policiais “Rota 66” e “O Abusado”, é outro autor importante do gênero. A lista de obras significativas, entretanto, não é pequena. “Notícias do Planalto”, de Mário Sérgio Conti, por exemplo, conta com detalhes a relação entre a imprensa e o poder durante o Governo Collor. Já “Estação Carandiru”, de Dráuzio Varella explora o caso do massacre que matou 111 detentos na ex-penitenciária paulista.

Música

Há importantes obras do gênero que exploram a nossa cena musical, e, neste campo, Nelson Motta é o autor mais produtivo, com pelo menos duas obras essenciais: “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia”, e “Noites Tropicais”, em que compila suas memórias de um período que cobre desde a Bossa Nova até a efervescência do rock nacional do início dos anos 90.

Outros nomes importantes nessa seara foram Sérgio Cabral, com “MPB na Era do Rádio”; Roberto Menescal, com “Essa tal de Bossa Nova”; Ruy Castro, com “Chega de Saudade” e “A Noite do Meu Bem: A História e as Histórias do Samba-canção”; Santuza Naves, com “Da Bossa Nova à Tropicália”. A compilação de entrevistas organizada por Frederico Coelho, na série Encontros, volume “Tropicália”, completam essa lista.

Contemporâneos

Além de Daniela Arbex, outro autor contemporâneo com uma obra reconhecida nessa linha é Klester Cavalcanti. Tem quatro títulos, sendo um vencedor do Jabuti, em 2005: “Viúvas da Terra”, sobre a violência no campo; e outros dois segundos lugares: “O Nome da Morte”, de 2006, que conta a história real de um matador de aluguel, e “Dias de Inferno na Síria”, de 2012, sobre o período em que ficou preso na Síria, quando cobria a guerra.

Chamo atenção, ainda, para Vanessa Bárbara, com “O Livro Amarelo do Terminal” (à esquerda). Nascido de seu trabalho de conclusão do curso de jorn alismo, em 2003, foi lançado em 2008 e levou o Jabuti de 2009. Trata-se de um retrato cubista – de vários pontos de vista – do mundo que é o Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo. O trabalho gráfico e os formatos do texto são um capítulo à parte. Vale a pena.

 

Agenda 

– Sábado (26/11), às 15h – Leia Poetisas, leitura do livro “Pé do Ouvido”, de Alice Sant’anna, no Ernesto Café, 115 Sul

– Sábado (26/11), às 17h – Lançamento de “Catarses Crônicas”, de Vânia Gomes, no Prime Vinho e Cultura (Complexo Brasil 21, Setor Hoteleiro Sul)

– Terça (29/11), às 18h – Lançamento de “É Tudo Que Trago nos Bolsos”, de Maurício Witczak (Outubro Edições), no Bar Beco (407 Sul).

Parte I (Excerto)

um gato branco muito calmo
dorme na grama
numa posição engraçada
de tão à vontade
quase que na diagonal do jardim
quando se aproxima para ver
de perto o gato
tão tranquilo: tranquilo demais
está morto
a boca aberta
talvez envenenado
os olhos vidrados

Alice Sant’Anna, “Pé do Ouvido” (Cia das Letras)

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