Livro do Boni foi minha grande inspiração antes de entrar no BBB
Na obra, o ex-todo-poderoso da Rede Globo dá importantes lições sobre a história da televisão
atualizado
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O que você faria se recebesse, de supetão, um convite para participar do “Big Brother Brasil”? No meu caso, fui ler “O Livro do Boni”, que conta a história de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o todo-poderoso da Rede Globo por quarenta anos. Foi uma ótima decisão, a começar pelo prefácio de Domenico de Masi.
A obra se concentra em sua trajetória profissional, que se confunde com a própria história da televisão no Brasil, mas também dá algumas pistas sobre sua vida pessoal, especialmente sobre sua infância. Uma coincidência: descobri que Boni nasceu numa casa que fica a menos de um quilômetro onde vive hoje a minha família, em Osasco, na Grande São Paulo. Local em que passei minha infância.
O livro, entretanto, não é sobre superação pessoal ou sobre como um jovem suburbano se transformou no inventor da televisão brasileira. Trata do processo de invenção. De como surgiram vários dos elementos que hoje nos parecem naturais, quase sinônimos de teledramaturgia.
Há histórias fascinantes sobre como surgiu um jornal de alcance nacional, o “Padrão Globo”, do desenvolvimento do modelo de negócio responsável por colocar a emissora como o centro de difusão mais importante do Brasil. Boni trabalhou em quase todas as televisões do país até entrar na Globo e, ao explicar o modelo adotado pela Tupi, desvenda um pouco o processo de deterioração das empresas que lhe sucederam.
Mas Boni era muito mais do que um homem de negócios. Foi um profundo conhecedor de toda a cadeia de produção de seu produto final: a comunicação e o entretenimento. Diretor artístico grande parte de sua carreira, dava opinião e sugestões — quando não tomava a decisão final — em quase todos os produtos da emissora, desde as novelas, passando pelos programas de auditório, grade de filmes e jornalismo.
Hoje é consenso que a programação da televisão aberta no Brasil é, no mínimo, de qualidade duvidosa, mas Boni nos mostra que não foi sempre assim. Em determinado capítulo, ele explica que parte da inspiração para várias séries e novelas vinha exatamente da literatura. Na lista de autores, aparacem: Arthur Miller, Franz Kafka, Mark Twain, Nikolai Gogol e mais quase uma centena de nomes.
Várias passagens são interessantíssimas, com todos os personagens que conhecemos da televisão, mas chamo atenção para três, que me marcaram a leitura: a lista com a descrição e algumas curiosidades das 25 melhores novelas da história da emissora em sua opinião; as passagens de Dercy Gonçalves e de como ela chegou a ser a rainha da televisão brasileira com mais de 60% de audiência e, finalmente, a história da criação da canção “Luíza”, de Tom Jobim.
Em relação às novelas, chega a ser assustador saber que algumas delas atingiram, em várias ocasiões, 100% de audiência no Brasil — isso significa que todas as televisões ligadas no país estavam sintonizadas no canal durante sua exibição. Algumas atingiram tal grau de popularidade, mesmo no exterior, que ocasionaram, por exemplo, a mudança de data de eleições (como na Rússia) ou a alteração no calendário de racionamento de energia em plena guerra (como em Angola).
Certamente, o livro conta a história de um gênio, mas também é certo que, sendo autobiográfica, é possível que haja passagens em que a memória o traiu, ou que a pílula apareça um pouco mais dourada do que realmente foi. De todo modo, a leitura vale a pena, se não pelo bem da literatura, para entender um pouco mais sobre o fenômeno televisão no Brasil. Divirta-se.
Fiquem com um poema do Jorge Amâncio, lindo, que apareceu na última edição da “Revista Traços”:
Dieffenbachia Amoena
quarta-feira: dia de reis
natal e ano novo
desempregado
os pequenos
pele e ossos
trapos e preces
o passo lento cabisbaixo
nem diamba para distrair
desolado uma solução
o silêncio é a resposta
mãos nos bolsos
dureza no rosto
última refeição
quinta feira sete de janeiro
manchete dos jornais:
Três corpos sobre a mesa: pai e filhos
Melchior (31), Gaspar (3) e Baltazr (2)
… e um resto de salada de Comigo-Niguém-Pode.