Josué Montello prova que o Maranhão é muito mais que Sarney
O escritor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) é fundamental para entender esse estado
atualizado
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Estive na semana passada em um colóquio na Associação Nacional dos Escritores. O tema era Josué Montello, um escritor maranhense de quem eu só conhecia “A Mulher Proibida”, de 1996, uma obra mediana que só terminei porque não sou de parar no meio de um livro. Sabia também que ele tinha sido membro da Academia Brasileira de Letras e só.
Ainda bem que compareci ao colóquio. A palestrante, professora Sônia Helena Taveira de Camargo Cordeiro arquiteta de formação, mas escritora de coração, apresentou Montello ao público, especialmente a obra “Os Tambores de São Luís”, de 1975, com tamanha paixão e propriedade, que me fez pesquisar um pouco mais sobre o autor e sua produção. Acabei, por isso, lendo o livro.
Josué Montello é de uma geração anterior a de José Sarney, o maranhense imortal mais conhecido, mas chegou à ABL quase três décadas antes – aos 37 anos de idade, em 1954. Produziu continuamente por cerca de 60 anos. Seu primeiro romance foi publicado em 1941. Seu último livro, “Sempre Serás Lembrada”, foi publicado em 2000, seis anos antes de falecer. Foi, entretanto, na década de 1970 que atingiu o seu auge, com a publicação de “Cais da Sagração” (1971), “Noite sobre Alcântara” (1978) e, claro, “Os Tambores de São Luís”.
Josué Montello está para o Maranhão como Érico Veríssimo está para o Rio Grande do Sul. E “Os Tambores de São Luís” é o seu “O Tempo e o Vento”. O livro conta a história do Maranhão por meio de mais de 400 personagens.Entretanto, ao invés de Ana Terra e capitão Rodrigo, os protagonistas do enredo maranhense são Damião, de quem falo mais abaixo, Mestre Ambrósio — como o personagem folclórico da Zona da Mata, na linha do bumba meu boi –, Maneco Ourives, Padre Tracajá e tantos outros populares que habitam as ruas de uma cidade escravocrata e, por isso, cruel.
São duas narrativas paralelas. A primeira, com a duração de uma noite, se passa em 1915. Trata da vida de Damião, um negro liberto de 80 anos, que chega a São Luís para conhecer seu trineto e atravessa a cidade ao som dos Tambores da Casa Grande de Minas, expressão folclórica tradicional do Maranhão.
A segunda narrativa é a própria vida de Damião, entrelaçada com a história do Maranhão e a de sua gente. Passamos aí pela luta, pela libertação dos escravos, por questões políticas, pelo vodu e pela expressão da população negra da região — nochê e querebetã, entre outros elementos da formação daquele estado.
Montello demonstra maestria na condução das tramas, na geração de expectativa, no recorte, no detalhamento histórico, na construção de personagens — alguns reais em situações fictícias, alguns fictícios em situações reais. E, ainda, alguns reais em situações reais.
Historicamente, o Maranhão já foi parte do Grão-Pará, mas antes era Maranhão mesmo, na divisão das Capitanias Hereditárias, ainda em 1534. Esse foi o primeiro nome da região e sua história de autonomia é motivo de orgulho local. É esse orgulho que faz parte do capítulo final do livro – o funeral do poeta Joaquim de Souza Andrade, o Sousândrade, coberto pela bandeira do estado, criada por ele mesmo.
Uma curiosidade: Montello louva um escritor que o antecedeu no panteão dos grandes escritores maranhenses, mas que, ao contrário do que faz parecer no livro, morreu esquecido e sem pompas, apesar de ter sido um personagem destacado da vida pública maranhense. A aparição no livro de Montello fez parte de um movimento de recuperação da obra de Sousândrade, em curso na época do lançamento do livro.
“Os Tambores de São Luís” foi traduzido para várias línguas e compôs diversas listas dos livros mais importantes do Brasil. Mas, com o tempo, foi sendo esquecido. Merece ser recuperado e lido. Valeu a pena. Agradeço imensamente à professora Sônia Helena pela dica.
Agenda de Eventos e Lançamentos
– Nesta quarta-feira (6/9), a partir das 19h30: Sarau Erótico, Na Livraria e Café Visconde (405 Sul);
– Neste sábado (9/9), a partir das 16h: “Por que ler Elício Pontes”. Na Banca da Conceição (308 Sul);
– Na próxima quarta-feira (13/9), a partir das 10h: “Terra Negra”, de Cristiane Sobral. Na Livraria do Chiquinho, UnB, ICC Norte;
– Na próxima sexta-feira (15/9), a partir das 19h: “Ainda há uma Saída”, de Morvan Ulhoa. No Carpe Diem (104 Sul);
– Na próxima segunda-feira (18/9), a partir das 19h: “Afetos, Relações e Encontros com Filmes Brasileiros Contemporâneos”, de Denilson Lopes. No Cine Brasília (106/107 Sul).
Férias na Fazenda
Entre o ovo e a galinha,
fico com o útero
com os úberes
com o umbigo
untado com banha
polvilhado na farinha
Entre o ovo e a serpente,
prefiro um pecado
depilado
sem casca
sem pele
sem semente
Rômulo Neves, “Terminal” (2016)