Fernanda Torres organiza suas crônicas em “Sete Anos”
A coletânea da Companhia das Letras traz crônicas escritas pela atriz entre 2007 e 2014
atualizado
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A crônica é o estilo literário que mais se aproxima do jornalismo. Os fatos são sua matéria-prima essencial. Mas não é preciso ser jornalista para escrever boas crônicas. Que o diga Fernanda Torres. Seu livro “Sete Anos”, lançado em 2014, pela Cia. das Letras, é recheado de histórias impagáveis sobre cinema, televisão, teatro e política. É um mergulho nas entranhas da produção audiovisual brasileira e universal, e na vida política dos últimos anos.
A coletânea traz crônicas escritas entre 2007 e 2014 — daí o título –, para “Veja”, “Folha de São Paulo” e “Piauí”. Aliás, o convite para começar a escrever na Piauí, em 2007, é tema de um dos textos e é tratado como o marco zero do namoro de Fernanda com a Literatura. Foi o resgate da escritora que sempre viveu na pele da atriz. Antes de compilar os textos de “Sete Anos”, lançou o romance “Fim”, em 2013.
As crônicas estão divididas por blocos temáticos, e não por ordem cronológica, mas a divisão não é engessada. Alguns temas — especialmente o cinema — invadem, como coadjuvantes, o palco onde outros assuntos são personagem principal. A combinação é boa. É ótima. Sabe tudo, a Fernanda. Como ela mesma diz sobre alguns de seus personagens.
O cinema é, ao mesmo tempo, sua paixão e seu purgatório. Mas as dores do parto são mínimas comparadas ao vigor com que nos conta sobre os bastidores desse mundo. Impossível não sentir vontade de assistir a “Kuarup” ao ler o texto de abertura. Detalhes e impressões sobre as filmagens, que tomaram 120 dias no Alto Xingu, isoladas de qualquer resquício de urbanidade, contados em primeira e crucial pessoa.
É bom ler o livro com um caderninho à mão, para anotar as referências de filmes, peças e livros para ver, ou rever, a partir dos elementos que apresenta nos textos.
É a “perspectiva de quem viu de dentro”, mas sem didatismo excessivo. Depois de algumas páginas, é como se estivéssemos ouvindo as histórias de uma velha amiga que fez sucesso no teatro, TV e cinema e depois voltou para contar tudo o que viu e passou — inclusive a vergonha das vaias –, com a mesma camaradagem de antes.
Fernanda, mais de uma vez, fala do desconforto em ser chamada de “estrela” ou “celebridade”. Mas grande parte do prazer ao ler as crônicas é exatamente participar, por meio de seus textos, da intimidade criativa — não as babaquices das revistas de fofocas, mas os pequenos dramas formadores — de grandes nomes do cinema e do teatro.
Estão lá em carne e osso — ou espírito — Marco Nanini, Carlos Imperial, Pedro Cardoso, Dercy Gonçalves, Leila Diniz, Jorge Dória, Caetano Veloso, Braúlio Mantovani — roteirista de Cidade de Deus e Tropa de Elite 1 e 2-, Hany Abu-Assad — diretor de “Paradise Now”–, John Gielgud, Laurence Olivier e, é claro, Fernanda Montenegro, dentre tantos outros. Dá vontade de assistir ao filme com esse elenco, não?
Há uma boa seleção de crônicas políticas, publicadas originalmente na Folha. Revelam, quando reunidas, uma observadora equilibrada do quadro político do país. Destaque para uma das duas crônicas sobre José Dirceu, sobre algumas vezes em que se encontraram em eventos públicos. É quase um conto erótico, sem um pingo de pornografia.
Há, também, uma boa seleção daquelas chamadas crônicas de costumes, com o uso literário de eventos cotidianos, que podem servir de alegorias para o tratamento de grandes temas. Ancoradas em sólida formação, geram, em poucas páginas, efeitos e reflexões surpreendentes, mesmo tratando de temas tão diversos, como uma luta de vale tudo no UFC ou da insólita patrulha de uma namorada sobre o gosto do sêmen de seu namorado.
Há, por fim, uma inflexão pessoal em relação ao sentimento da perda, duas crônicas sobre a morte do pai, uma inédita; uma sobre o amigo Felipe Pinheiro; e uma sobre João Ubaldo, a última do livro, física e cronologicamente.
Se animar: depois das 186 páginas de “Sete Anos”, encare as “200 crônicas escolhidas”, de Rubem Braga (Ed. Record, 2014). São 42 anos – de 1935 a 1977 – cobertos, com maestria, pelo maior cronista do Brasil. Dá para ler aos pouquinhos, no trem ou no metrô.
Lançamentos: 29/06, 19h – Sebinho Café (406 Norte) – Antologia “Trinta Anos-Luz”, em homenagem aos 30 anos do Psiu Poético, com participação de Nicolas Behr, Luis Turiba, Aroldo Pereira, entre outros.
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“Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento é passageiro
É sinal de um encontro no futuro.
Adeus, amigos, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo”
Siérguei Iessiênin (1895-1925)
Escrita com o sangue dos pulsos cortados,
no dia de seu suicídio em um hotel em Leningrado.
(Tradução: Augusto de Campos)