Dê um voto de confiança à literatura de Brasília
Uma onda de lançamentos movimenta a cidade. Há novos títulos de autores tarimbados e boas surpresas de novatos
atualizado
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Podemos dividir a literatura brasiliense atual em dois grandes blocos, as obras com temática universal – ainda que utilizem elementos do cotidiano da cidade – e aquelas que têm a cidade, especialmente o Plano Piloto, como seu objeto. Estas dialogam e brincam com as referências cotidianas que todo candango conhece: suas avenidas, seus blocos, sua história, suas gírias, suas mazelas, o peso dos ministérios, sua personalidade — uma combinação de funcionário público com roqueiro.
Em ambas as frentes, há muitas novidades e há uma onda de lançamentos de novos autores, além de novas obras de autores tarimbados. Fazer uma varredura desse material seria tarefa para um doutorado, mas gostaria de indicar alguns livros para que você possa escolher o seu e dar um voto de confiança para a literatura da sua cidade, seja ela sobre a própria cidade, seja sobre a dor universal de viver.
Começo com “Cidade dos Sonhos – Crônicas Brasilienses”, de Daniel Cariello, por ser o exemplo mais claro de como o cotidiano da cidade pode render boas histórias, que aliadas com humor e agilidade resultam num ótimo livro.
São 44 crônicas sobre os mais variados temas e, no final, um pequeno glossário com as gírias candangas para o leitor passear pelo livro e pela cidade. Festa à fantasia (um clássico de Brasília), o sonho da praia na capital, a paquera no camelo. Está tudo lá.
O livro foi lançado em 2015, pelo Selo Longe, que, ironicamente, surgiu para fazer exatamente o caminho inverso: publicar as histórias de brasilienses que se aventuraram pelo mundo.
Na mesma linha do glossário proposto por Cariello, o poeta Nicolas Behr lançou, em 2014, o “BrasíliA-Z, Cidade-Palavra”. Trata-se de um compêndio irônico, poético, histórico, pessoal e bastante criativo de verbetes relacionados à cidade, sob a visão do artista.
Quer saber detalhes reais ou imaginários sobre o Lago Paranoá, a L4, o Pacotão, a Rodoviária? Nicolas te explica. Behr ainda tem uma lista enorme de livros de poesia em que Brasília aparece sempre como um dos temas centrais (Brasilíada, Braxília, Braxília Revisitada, etc.).
A Editora Língua Geral reuniu as melhores no Livro “Laranja Seleta”, de 2008, que foi finalista do Prêmio Portugal Telecom. Behr, não se fez de rogado e lançou o Bagaço da Laranja, com o material que não entrou na Laranja Seleta. Em todos esses casos, vale a pena conhecer a cidade pelos seus poemas.
Se você der sorte, ainda acha em algum sebo uma edição comemorativa do cinquentenário da capital: “50 anos em seis – Brasília, prosa e poesia”, onde seis autores descrevem a cidade em prosa e verso.
Os pesos pesados André Giusti, José Rezende Júnior e o próprio Behr encabeçam a lista. Fernanda Barreto, Liziane Guazina e Pedro Biondi completam a seleção.
Não é exatamente sobre Brasília, mas as crônicas de Roberto Klotz em, “Quase Pisei!”, edição independente de 2009, se passam na cidade, resultado de sua observação nas caminhadas diárias. Impossível não reconhecer os cenários da Asa Norte, onde se passam as divertidas e criativas histórias: Parque Olhos d`Água, as calçadas das 200 e das 400, e até o Água Mineral.
Klotz ainda tem um livro de contos, “Cara de Crachá”, de 2011, onde explora as histórias do funcionário público von Silva. Publicou também, pela LGE, em 2009, o livro de crônicas “Pepino e Farofa”.
Last but not least (por fim, mas não menos importante), cito ainda “Móvel é o passado”, de Joaquim São Pedro, a ser lançado na Feira do Livro de Brasília sobre um funcionário público aposentado que decide remexer seu passado em sua cidade natal, no interior de Minas.
Apesar de a maior parte do livro ocorrer em outra locação, o sentimento de viver em Brasília, com uma parte da cabeça e do coração em outra parte do Brasil é típico da capital.
Chama atenção a ousadia do projeto da “Outubro Edições”, da jornalista Clara Arreguy, que decidiu bancar novas propostas literárias em Brasília. Por enquanto, é o primeiro romance (já há livros-reportagem publicados pela editora), mas não deve ser o último.
Divirtam-se. Aposto que vão se reconhecer em várias das histórias narradas nesses livros. Na próxima semana, apresento obras de vocação universal de autores brasilienses e a novíssima poesia produzida na capital.
Laçamentos: Como estão planejados muitos lançamentos na Feira do Livro de Brasília, de 16 a 24 de julho, fizemos uma lista para vocês. Clique aqui para ver a programação das sessões de autógrafo.
Amor Cartesiano
“estes dois olhos
quadrados
de cima de mim, tirai!
afastai de mim teus
pontos cardeais.
livrai-me da tua paixão
por simetrias,
arrancai teus eixos do
meu caminho
e correi comigo pelos
roseirais
para todo horizonte.
além.”
Fernanda Barreto – 50 anos em Seis, Brasília, prosa e poesia