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Crítica literária independente ainda existe no Brasil

Em revistas virtuais ou em livros especializados, é possível encontrar reflexão sobre a literatura brasileira

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A crítica literária no Brasil não é exatamente uma área muito conhecida. As obras do tema ficam, na maioria das vezes, restritas à academia; e os críticos são mais conhecido por obras em outras áreas e gêneros, do que pela crítica propriamente dita.

Claro que houve grandes críticos brasileiros, reconhecidos por seu material de crítica, como Álvaro Lins, falecido em 1970 — jornalista e ex-embaixador do Brasil em Portugal; Otto Maria Carpeaux, austríaco que chegou ao Brasil em 1939, falecido em 1978, autor da “História da Literatura Ocidental”; Alceu de Amoroso Lima, que usava o pseudônimo de Tristão de Ataíde, falecido em 1983; e Wilson Martins — talvez o último grande, autor da monumental “História da Inteligência Brasileira”, falecido em 2010.

Tais autores eram considerados portas de entrada para o sucesso, especialmente quando tratavam de escritores contemporâneos. Eram os críticos literários que indicavam ao grande público — que no Brasil, infelizmente, nunca foi realmente grande — o que ler. Eles geralmente tinham colunas em revistas e jornais e determinavam a direção do mercado editorial.

O fim da crítica?

Não se sabe exatamente se foi a revolução tecnológica e o aparecimento da internet, que aumentou enormemente a quantidade de possíveis críticos e portas de entrada do público para os escritores, ou a falência do modelo de autoridade que determinou a diminuição da importância do crítico. O certo é que esse espaço não existe mais. Transformou-se em outra coisa, para o bem e para o mal.

Se, de um lado, não existe mais a ditadura do grande crítico, tampouco a patrulha metodológica e teórica, por outro, a crítica transformou-se, em grande parte, em material, quase sempre impressionista, produzido e encomendado por editoras para divulgarem seus autores. O público fica a mercê da sorte de encontrar conteúdo independente circulando.

Mesmo jornalistas iniciantes adotaram o que chamam de “parcerias”. Recebem livros para escreverem resenhas, em geral positivas, sobre as obras.

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Crítico literário Antonio Candido

 

O modelo adotado no passado por Wilson Martins, por exemplo, que fez muitos inimigos em razão da rigidez de sua crítica, não passa mais pela cabeça de ninguém. Claro que às vezes ocorriam polêmicas à toa, por vaidades mútuas ou acidez exagerada nos textos críticos, mas o certo é que, atualmente, não há um nome que seja respeitado por sua imparcialidade (ainda que fictícia).

A crítica hoje
Claro, ainda temos alguns figurões, como os professores Alfredo Bosi e Antonio Candido, em São Paulo; e Luiz Costa Lima, no Rio de Janeiro; que podem ser classificados como críticos literários de peso nacional. Porém, sua atuação, especialmente a dos paulistas, é majoritariamente acadêmica.

Outra opção de crítica de qualidade são as revistas literárias, com especial destaque para o Jornal Rascunho, de Curitiba, que mantém uma boa seleção de articulistas e obras resenhadas, com espírito crítico e independente; e a seção “Literatura Brasileira Hoje“, da Revista Pessoa.

Por fim, vez por outra também aparece alguma obra de fôlego, que ensaia elevar o autor ao patamar de crítico laureado — se é que isso existirá um dia novamente. A da vez, lançada em 2015, é “A Poeira da Glória”, de Martim Vasques da Cunha. O autor, jornalista e filósofo, faz um apanhado inesperado, como ele mesmo classifica na capa do livro, da história da literatura brasileira, em um catatau de mais de 600 páginas.

A narrativa crítica de Cunha é em pares de autores, que organiza por identidade ou, na maior parte das vezes, por antagonismos. Não se limita à análise das obras, mas penetra na conjuntura histórica e, especialmente, na biografia dos escritores. A escolha oferece uma leitura nada recatada da inteligência literária brasileira.

Parte da polêmica reside exatamente na avaliação que faz da “inteligência” literária brasileira, que, segundo ele, hipervalorizou a política como chave interpretativa das obras. O título do livro faz referência à crítica da crítica e é uma expressão cunhada por Otto Lara Resende, pela qual descreve a extrema reverência com que são tratados autores canonizados pelos especialistas.

Hiperativo, Cunha, dentre tantas atividades na área da produção literária e reflexão teórica, foi o idealizador da revista Dicta & Contradicta. Você pode não concordar com várias interpretações dele, mas, caso se interesse por literatura, não pode deixar de ler “A Poeira da Glória”. Divirta-se.

Os meus respeitos

Àquele que viu tudo
e por ter visto
tornou-se arquivo
não se esquivou
cravaram quinze tiros.

Àquela faxineira, andava
a pé, seguida
estuprada (blusa
curta decotada) dois rapazes
(um deles, mau hálito)
mas rumo ao trabalho
no mesmo horário.

Àquele bebê
pijama azul, menino
deitado no berço
chocalho ao lado
sem choro, sem vacina
ainda assim
bala perdida.

Àquele no ônibus
o jornal descreveu:
trabalhador, mas afoito
sem sentir o assalto
morreu no assento
no bolso uns trocados.

Àquele pedestre
passageiro sem hora
ponto fora da curva
agora defunto: atropelou-o
todo o coletivo
parador.

Àquele sem pressa
ao desapartar a briga
no meio da festa
facada:
a família o enterra
ou então o crema.

Felipe Fortuna (“O mundo à solta”, Topbooks, 2014)

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