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Apenas algumas semanas depois de começar a substituir o cigarro tradicional pelo eletrônico, também conhecido como vape, o consumidor Miguel Okumura sentiu a sua capacidade respiratória melhorar. “Eu comecei a correr. Corri até 10km”, conta ele, que consome o vape desde 2017 como ferramenta de redução de danos e, na época, fumava cigarro comum há 7 anos.
“Você começa a sentir-se mais leve. Eu comecei a sentir mais sabores porque, quando você fuma, além de ter um gosto de queimado muito forte, é um sabor que fica impregnado na sua boca, o do cigarro”, relembra. O almoço, o jantar e até os cafezinhos voltaram a ser saboreados após a substituição.
Tendo vivenciado a redução de danos trazida pelo vape, quando comparado com o cigarro tradicional, Okumura é, hoje, um ativista pela regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil, tendo fundado, inclusive, o Vaporacast, um podcast focado tanto na questão do tabagismo quanto da conscientização sobre o uso do vape. “Com produtos fiscalizados, com regras para ser produzido, a gente tem um mercado interessante até para que outras pessoas passem por esse processo de substituição”, pontua.
No Brasil, por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a comercialização, produção e propaganda do cigarro eletrônico são proibidas desde 2009. Assim, o mercado ilegal domina a venda dos dispositivos, provocando outros problemas, como o consumo por menores de 18 anos, que não deveriam ter acesso ao produto em hipótese alguma, mas o encontram facilmente por meio do contrabando.
Outro ponto é que, como os produtos são 100% ilegais, não é possível entender a composição ou os tipos de substâncias que estão sendo inaladas , o que deixa os 2,2 milhões de consumidores adultos de cigarros eletrônicos no Brasil, segundo pesquisa do Ipec de 2022, em situação de vulnerabilidade.
Em um cenário com regulamentação, há controle sanitário, e essas situações são evitadas, possibilitando que o cigarro eletrônico seja uma alternativa de risco reduzido para adultos fumantes em relação ao cigarro convencional.
Cuidado
Mais de 6 milhões de adultos brasileiros que usam o cigarro tradicional já experimentaram o dispositivo eletrônico, segundo pesquisa do Ipec de 2022. “O vape é uma forma de saída do tabagismo mais tranquila e menos frustrante”, pondera Miguel Okumura.
Ele aponta que várias pessoas fumam por estresse, por exemplo. Com o vape, a nicotina, substância presente também no cigarro, continua sendo a “válvula de escape” dele, mas em um contexto menos prejudicial à saúde. “Eu achava que os males do cigarro eram a nicotina. Só que a realidade é que o grande problema são as outras toxinas e as novas substâncias que se formam durante a queima do tabaco”, explica.
Entretanto, por não ter uma comunicação clara sobre o produto, não há uma conscientização popular sobre a redução de danos aos fumantes. “A gente não pode julgar o hábito de uma pessoa que fuma. Mas ela é paciente e a gente tem que cuidar dela”, afirma a ex-diretora da Anvisa, farmacêutica e consultora científica da BAT Brasil, Alessandra Bastos.
“Na fumaça do cigarro existem cerca de 7 mil substâncias tóxicas ou potencialmente tóxicas, enquanto que, no aerossol produzido pelo consumo do vaporizador [vape ou cigarro eletrônico], esse número é de aproximadamente 100 substâncias. Então, você tem uma diminuição de cerca de 95% dos riscos. Mas, lembrando que o vaporizador não é isento de riscos”, reflete Alessandra.
Cerca de 80 países, incluindo Canadá, Estados Unidos, Suécia e toda a União Europeia, reconhecem os vaporizadores como uma importante ferramenta no controle do tabaco. O Reino Unido, por exemplo, para reduzir para 5% o número de fumantes até 2030, lançou um programa para distribuir a adultos fumantes do cigarro convencional, 1 milhão de kits gratuitos de cigarro eletrônico como estímulo para que as pessoas deixem de usar produtos de tabaco.
De acordo com pesquisas da Cochrane, rede internacional de saúde pública de classe mundial independente, com sede no Reino Unido e membro do UK National Council for Voluntary Organizations, os cigarros eletrônicos com nicotina são eficientes para as pessoas deixarem o tabagismo.
Comunicação clara
Contudo, a farmacêutica reitera que o vape não é um produto isento de riscos. “O jovem não pode ter acesso a esse tipo de produto. Ele tem que ser esclarecido de forma adequada para que não inicie o consumo”, alerta Alessandra Bastos.
“O risco acentuado começa pela comunicação do que é o vaporizador. Muitas mães, inclusive, não se importaram ou incentivaram a utilização desse dispositivo pelo jovem porque não entendiam o que era o vaporizador. Elas achavam que aquilo era água com essência, quando, na verdade, não é”, acrescenta.
No Brasil, a taxa de experimentação dos dispositivos por jovens de 13 a 17 anos é de 16,8%, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (2019). Nos EUA, entre 2019 e 2023, o consumo de jovens caiu 36% como efeito da regulamentação (CDC).
“A falta de fiscalização no comércio desse dispositivo é ineficaz porque diz a regra que é proibido. Mas, a regra não é levada em consideração no Brasil. A proibição está muito mais próxima da liberação do que do controle, que só vem com uma regra. Proibir o vape não funcionou. Então, a Anvisa precisa rever a regra.”
Alessandra Bastos, ex-diretora da Anvisa, farmacêutica e consultora da BAT Brasil
Regulamentação é a saída
Neste cenário, o debate da regulamentação do vape avançou no Brasil para além de rodas de amigos e consumidores. Políticos procuram uma solução para a regulamentação do cigarro eletrônico no país. Com mais de 14 anos de proibição, é necessária uma mudança na legislação, visto a evolução do conhecimento e das pesquisas sobre cigarro eletrônico, como os estudos que mostram seus méritos no combate ao tabagismo e o aumento do consumo entre a população do Brasil.
“O cigarro eletrônico vem sendo debatido na Anvisa, mas sem uma conclusão. O que aconteceu até agora é que a Anvisa proibiu a comercialização dos vaporizadores, com base em uma previsão geral da sua lei de criação, que prevê a proibição de riscos iminentes à saúde. Não existe, hoje, no Brasil, uma previsão em lei proibindo o consumo do cigarro eletrônico”, esclarece a advogada especialista em regulação sanitária Carolina Fidalgo.
A Comissão de Assuntos Sociais, do Senado Federal, realizou uma audiência pública sobre cigarros eletrônicos em setembro, e também, há um projeto de lei que pede a regulamentação dos vaporizadores no Brasil, com o processo de registro sendo feito pela Anvisa. A agência anunciou para 1/12 a realização de uma reunião pública da diretoria para revisar o tema.
Movimenta a economia
A regulamentação também pode movimentar a economia. O mercado potencial de cigarro eletrônico no Brasil pode movimentar R$ 7,5 bilhões ao ano, se regulamentado, segundo a Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG). Pelo cálculo do levantamento, considerando apenas a importação do produto, a arrecadação média anual de impostos federais seria de R$ 2,2 bilhões.
A regulamentação dos vaporizadores não é uma necessidade exclusiva do Brasil, é uma realidade internacional. Considerando a proteção dos consumidores e os benefícios sociais, o cigarro eletrônico já é regularizado em 84% dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
* Vaporizadores e produtos de tabaco aquecido são produtos destinados a maiores de 18 anos, assim como o cigarro. Esses produtos não são isentos de riscos.
* A redução de riscos de vaporizadores e produtos de tabaco aquecido é baseada nas evidências científicas mais recentes disponíveis e desde que haja a substituição completa do consumo de cigarros tradicionais.