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Uma doença é rara quando acomete 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que existam 13 milhões de pacientes no Brasil com uma das mais de 7 mil enfermidades catalogadas dentro dessa categoria como, por exemplo, hemofilia, Atrofia Muscular Espinhal (AME), Esclerose Múltipla (EM) e Fibrose Cística (FC).
Quando pensamos no entorno dessas pessoas, ou seja, nas famílias, amigos e profissionais da saúde envolvidos no atendimento delas, e no impacto social, esse número fica muito maior. Mesmo sendo raras, portanto, é fundamental que o SUS (Sistema Único de Saúde) e a iniciativa privada estejam atentas e trabalhem para garantir direitos e estruturas básicas.
Isso significa diagnóstico rápido, tratamento multidisciplinar acessível, suporte e inclusão nas diferentes esferas da sociedade.
Capacitação dos profissionais da saúde
Desde 2014, com a implementação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, ocorreram importantes avanços relacionados ao sistema de referência para esses pacientes, inclusive, uma maior discussão na sociedade. Mas, ainda há gargalos.
O presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), Antoine Daher, diz que é fundamental incluir o assunto nos currículos profissionais do Ministério da Educação.
“Para formar um fisioterapeuta para trabalhar com doenças raras, são 4 anos de graduação e, pelo menos, 2 de especialização, ou seja, 6 anos. Já para um médico geneticista são, pelo menos, 6 anos de graduação e mais 2 anos de residência, além da especialização, passando de 8 anos. Atualmente, temos 296 geneticistas, sendo que deveríamos ter 2,1 mil, de acordo com a OMS”, explica Daher, que também é fundador e presidente da Casa Hunter, instituição sem fins lucrativos que pensa em soluções no âmbito público-privado.
Debatendo soluções para esse desafio complexo, Daher destaca a Casa dos Raros, centro de atenção especializada e treinamento em Porto Alegre (RS), que será inaugurado no primeiro semestre de 2022, e oferecerá cursos para a formação e o aperfeiçoamento rápido dos profissionais.
A iniciativa, idealizada pela Casa Hunter e Instituto Genética para Todos, com o apoio de diferentes agentes na iniciativa privada, visa neutralizar as principais barreiras da jornada do paciente raro.
Diagnóstico precoce e referenciamento dos pacientes
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% dessas doenças têm origem genética e podem ser descobertas logo após ao nascimento de forma muito simples, com uma pequena picada no calcanhar dos bebês.
Desde 2011, aqui no país, é possível identificar seis tipos de patologias por meio do teste do pezinho – que é realizado entre o segundo e o quinto dia de vida da criança. Até então, eram apenas três.
Mesmo assim, o número é ainda pequeno, afinal, quanto antes a doença for descoberta, mais cedo é possível iniciar os tratamentos, reduzindo a mortalidade e o número de sequelas.
Por isso, em 2021, foi sancionada a Lei nº 14.154, que aumentou esse número para 50. O Ministério da Saúde será o responsável por fazer a ampliação de forma escalonada, mas isso pode levar anos.
Acredita-se que um paciente com doença rara, no Brasil, passe por, pelo menos, sete especialistas diferentes, tenha de dois a três diagnósticos e demore, aproximadamente, 10 anos para conseguir saber, exatamente, o que tem.
Segundo a bióloga PhD em genética humana, Vanessa Romanelli (@ame.pesquisa), há apenas 17 centros de referência em todo o Brasil. Sendo apenas 5 em 3 estados do nordeste e os outros 12 divididos no sudeste, sul e centro-oeste, além do Distrito Federal. E nenhum no norte. Por esse motivo, após o diagnóstico, o paciente também pode demorar para ser referenciado a um centro de tratamento especializado.
“Isso aumenta, literalmente, as jornadas dos pacientes”, completa a doutora, que também é assessora científica do Instituto Jô Clemente, responsável pela triagem de 67% dos recém-nascidos do estado de São Paulo.
Vanessa entende o que são essas peregrinações de duas formas: a de cientista e a de paciente, porque tem AME tipo III.
“Mesmo com o diagnóstico precoce, há a dificuldade de dar segmento às terapias porque não há um uso sistemático das informações dos pacientes”
Gestão de dados
De acordo com Vanessa, essa integração de dados ajudaria os pacientes a terem acesso fácil às informações sobre os centros de referência e as redes assistenciais, mas também à comunidade médico-científica e o governo, que saberiam, por exemplo, sobre a falta de equipamentos, as redes que estão mais cheias, e conseguiriam redistribuir os pacientes.
O coordenador do Centro de Doenças Raras da Fiocruz, no Rio de Janeiro, Juan Llerena Jr, concorda que uma base de informações sólida pode ajudar na elaboração de tratamentos, na identificação de novos pacientes, na realização de políticas públicas e, principalmente, na orientação da comunidade médica.
“Sempre que houver um levantamento de dados para uma determinada doença há como planejar, de forma coletiva, políticas públicas. Além de entender quais são os melhores tratamentos, identificar as regiões com mais ocorrências e atender a população de forma assertiva”, conclui o também geneticista.
Antonio da Silva, diretor de Estratégia & Acesso da Roche Farma Brasil, que tem tratamentos para algumas dessas enfermidades, concorda. A gestão de dados permite mais assertividade e sustentabilidade do setor. No entanto, o desafio é estrutural.
“Se temos dificuldades para acessar, coletar e analisar de forma sistêmica dados de pacientes em cenários como o da oncologia, para doenças raras esta vivência é ainda mais complexa devido aos grupos populacionais menores e bastante fragmentados”, aponta Antonio.
Tecnologias inovadoras
A falta de dados integrados influencia, também, outra problemática relacionada às doenças raras: a ampliação de acesso a tecnologias em saúde de alto custo, de uma forma sustentável.
De acordo com Antonio, os sistemas de saúde estão cada vez mais sob pressão e buscam por certezas ao considerar o pagamento de medicamentos para doenças raras. Por esse motivo, a iniciativa privada segue ativa na discussão para cocriar soluções inovadoras e sustentáveis e ajudar o poder público impulsionando o financiamento de medicamentos, garantindo mais previsibilidade às negociações, apesar dos desafios orçamentários do setor.
“Neste sentido, é importante também reconhecer os avanços da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) para melhorar a avaliação das tecnologias de saúde voltadas a este segmento. Novos modelos são necessários sim”, finaliza.
Público e privado juntos
Em 2021, a Roche investiu R$ 336 milhões em pesquisa clínica no Brasil, conduzindo estudos em diferentes áreas terapêuticas, 20 deles voltados a doenças raras. Além disso, nesse mesmo ano, fez uma parceria com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF) para promover o diagnóstico precoce e o estímulo de meninas e meninos com atraso no desenvolvimento, deficiências e doenças raras – entre elas a atrofia muscular espinhal e a hemofilia.
A iniciativa está sendo implantada em Unidades Básicas de Saúde (UBS) de algumas capitais brasileiras, capacitando profissionais de saúde para realizar o diagnóstico inicial, acompanhar e encaminhar as crianças ainda na primeira infância para a assistência adequada.
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