atualizado
Texto elaborado pelos alunos de jornalismo do IDP Caio Figueiredo, Thiago Henrique e Humberto Vale sob a supervisão das professoras Isa Stacciarini e Bárbara Lins
A pandemia do novo coronavírus ainda gera impactos sobre questões que vão além da saúde pública. Apesar do Distrito Federal ter chegado à marca atual de pouco mais de 70% da população vacinada com as duas doses ou com a dose única, os efeitos da pandemia ainda não foram embora quando se trata de economia. Com a volta da realização de eventos e a flexibilização das medidas restritivas, o público retomou as idas para os locais de entretenimento. Com isso, os produtores de eventos têm se esforçado para atrair o máximo de pessoas possível com iniciativas mais atrativas e lucrativas, buscando não desrespeitar as medidas de segurança.
Mas os altos preços cobrados pelos ingressos em festas e bares têm sido questionados pelos frequentadores que, muitas vezes, encontram valores abusivos para as entradas. Dessa forma, os altos preços têm restringido as saídas das pessoas.
Anderson Fabrício Carlos de Moraes, 43 anos, morador do Paranoá, cabeleireiro e maquiador, não acha o momento favorável para participar de eventos. “Não é o momento para isso”, afirma, “e com minha renda atual, eu acho difícil voltar à rotina que tinha antes”.
Esse fato novo para o setor cultural escancara ainda mais outra questão que é a desigualdade social presente no Distrito Federal, já que os valores de acesso aos bares, shows e happy hours, respeitando as medidas sanitárias, ficam limitados às pessoas que possuem um poder aquisitivo maior.
Dono da maior renda per capita do país, o Distrito Federal tem buscado, mesmo antes do surgimento da pandemia, estabelecer políticas públicas mais justas como forma de controle dos preços dos eventos. Entretanto, nem todos os estabelecimentos têm conseguido manter preços praticáveis a todo público e trabalhar com menos capacidade e mais restrições. “Os clientes não respeitam as medidas de segurança e os donos de bares não oferecem muito nem exigem demais, as mesas ainda estão próximas”, critica o cabeleireiro.
Para ocupar o tempo destinado ao lazer, Anderson Fabrício reinventou a rotina com sua família, promovendo almoços e jantares, onde todos auxiliam no preparo. “A vida ficou difícil para todo mundo, atingiu toda uma classe. Todo mundo sofreu com isso”, completa.
Os custos da ressocialização
Quando se discute a ressocialização neste momento de flexibilização, é necessário compreender que o custo para o retorno das atividades vai além do financeiro. A psicóloga clínica Flaviane Costa diz que a problemática não está somente na perda da capacidade de socializar como também na própria construção existencial do indivíduo. “Quando as pessoas são privadas de eventos sociais, é um grande desafio, pois elas se sentem mais solitárias e passam por crises existenciais por não saberem quem são”, afirma.
A psicóloga explica que a procura por atendimentos psicoterápicos neste momento de pandemia aumentou, principalmente por jovens e adultos. Dessa forma, é natural que, neste momento de flexibilização, as pessoas voltem aos encontros presenciais para minimizar o impacto do isolamento. “Por exemplo, pesquisas recentes mostraram que ligações por telefone e videochamada não produziram uma diferença na escala de solidão em idosos. Então, o ser humano precisa do contato físico”, explica a psicóloga.
Porém, não é tão simples quanto parece. A insegurança e o medo da infecção ainda rondam as pessoas. Flaviane conta a dificuldade a ser superada por quem volta a trabalhar e frequentar eventos. “Tem acontecido muito a Síndrome da Toca do Urso, que é quando uma pessoa precisa ficar dentro de casa por muito tempo, e não sabe mais como existir fora. Por isso, a procura na clínica de jovens e adolescentes com crises de pânico por terem que voltar ao mundo aumentou muito”, ressalta.
O alto preço do retorno às atividades ergue-se como mais uma barreira a ser vencida neste momento, fazendo com que pessoas de renda mais baixa sejam ainda mais prejudicadas. “A ausência de acessibilidade faz com que a pessoa olhe para o lado e veja outros voltando à vida social e ele não pode acompanhar e sente que todas as outras pessoas estão seguindo, e ele continua no mesmo lugar”, pontua Flaviane.
A psicóloga também reconhece que há outras formas de retornar à vida social sem que seja necessário estar em um evento, mas só de não existir acessibilidade para essas pessoas, um conflito interno é gerado: “por que esses eventos não se tornam acessíveis para mim também?”.
A volta do público na visão geral de produtores e músicos
O produtor e assessor Emanuel Nascimento, 25 anos, conta o impacto de quem trabalha com o setor de eventos. “Quem trabalhava só com isso teve que se reinventar e buscar outras alternativas de fazer dinheiro. Muita gente começou a trabalhar em aplicativo, foram buscar emprego fixo e infelizmente nosso setor de eventos foi o mais prejudicado. Foi o primeiro a parar e o último a começar a voltar”, conta.
Segundo ele, o mercado tem se reaquecido aos poucos e dentro de um ano e meio ele acredita que os custos voltarão ao normal com a “estabilização da pandemia”. Emanuel complementa explicando o porquê do alto custo cobrado na volta das atividades do setor de diversão: “Em nosso país, tudo está muito caro. Todos na base do entretenimento público tendem a ter um custo muito maior, então, isso é refletido nos preços da alimentação, hotelaria e passagens”.
Dessa forma, o preço para o consumidor cresceria à medida que os custos dos eventos também aumentassem. Entretanto, é possível perceber que tanto os trabalhadores quanto os consumidores do setor de diversões são os mais atingidos pela alta de preços nesse retorno de atividades.
Danilo Rodrigues, 32 anos, músico e morador do Park Way, integra bandas de pagode e samba desde os 16 anos e percebe que a remuneração dos músicos está diretamente relacionada com o local onde o cantor se apresenta. “Existem locais que conseguem funcionar muito bem e outros pequenos, que possuem música ao vivo e não conseguem funcionar tão bem. Esses locais pequenos funcionam à base de couvert”.
O couvert artístico é um valor cobrado individualmente por execuções ao vivo de músicas ou outras atrações artísticas, sendo uma prática comum em restaurantes e casas noturnas. “O couvert em Brasília não é caro, então o músico recebe muito pouco. Nos locais onde ele recebe um couvert alto, a casa sempre quer uma ponta. Assim, o músico sempre sai prejudicado”, acrescenta.
Em casos onde o preço é fixo, quando produtores contratam músicos para eventos maiores, o valor do cachê ainda não consegue dar conta da nova situação socioeconômica do país, já que os estabelecimentos se apoiam no fato de que os preços estão altos, mas não levam em consideração que os músicos precisam arcar com gasolina, manutenção de carro e equipamento. “Os músicos precisam se locomover e levar equipamento, dependendo do próprio carro, e isso não é levado em consideração”, completa Danilo.
Visão de um economista
Economista, consultor em finanças e mercados e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Mathias Schneid Tessman cita alguns dos fatores que podem ter acarretado no aumento de preços dos eventos, como a inflação de oferta, que é uma espécie de diminuição da oferta na economia. Na maioria das vezes, a inflação é ocasionada por um excesso de dinheiro em posse das pessoas em relação aos produtos que têm à venda. “Nesse caso, foi ao contrário: nós tivemos uma diminuição dos produtos disponíveis na economia por conta das paralisações. Por isso, os preços sobem”, explica.
O aumento dos preços pode ser visto como uma forma de contornar o tempo em que o setor ficou paralisado, sendo essa a maneira mais eficaz encontrada pelos empresários. Essa estratégia visa a um grupo de pessoas que já está indo a bares e restaurantes, pois elas conseguem manter o consumo inelástico em relação aos preços.
Esse grupo, que tem uma renda relativamente boa, continuará indo aos eventos se os preços estiverem um pouco mais caros ou um pouco mais baratos. Constituindo a fotografia do Plano Piloto e dos Lagos, são pessoas que têm renda suficiente para pagar o consumo essencial e conseguem manter os gastos em entretenimento.
Essas pessoas não deixam de consumir porque houve um aumento nesses bens. “Esse é o conceito de inelasticidade, é um bem que a gente tem uma espécie de vício. Mesmo que suba o preço, a pessoa vai consumir igual”, explica Mathias.
Segundo dados da pesquisa Datafolha/Itaú Cultura, cerca de 43% das pessoas da Classe D se sentem seguras para consumir entretenimento, ante 61% da Classe C e 54% das classes A e B. Esse dado demonstra a elitização desses espaços, que já existia antes da pandemia e foi potencializada com a crise econômica causada por ela.
As produtoras e casas de shows não conseguem praticar preços viáveis para toda essa parcela da população. Questionado sobre outras estratégias que possam diminuir o valor para os consumidores, Mathias explica que a situação é complexa, pois o setor já está bastante tensionado, com dívidas renegociadas e impostos parcelados. “Não tem muito espaço para que as produtoras diminuam seus preços”, acrescenta o economista.