atualizado
Desde 1982, quando o primeiro game brasileiro foi lançado no Brasil até o ano passado, o mercado de jogos eletrônicos gerou mais de 12 mil empregos diretos, segundo o Relatório da Indústria Brasileira de Games 2022, elaborado em parceria entre a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames).
O poder dessa indústria também se reflete em cifras bilionárias. O setor movimentou em 2022 US$ 2,4 bilhões, consolidando o país como o maior mercado da América Latina. Apenas no setor de fantasy games – jogos on-line em que os participantes escalam equipes virtuais com jogadores reais, como o Cartola FC, o Cravada, o Rei do Pitaco, entre outros – a movimentação foi de US$ 12 milhões.
O relatório de tendências Fantasy Sports Market by Product, Platform and Geography – Forecast and Analysis 2023 – 2027, desenvolvido pela global TechNavio, empresa líder em pesquisa de mercado, aponta que, até 2027, esse nicho do mercado, o de fantasy sports, deve saltar do montante atual de US$ 22,3 bilhões para cifras superiores a US$ 30,5 bilhões em todo o mundo e especialistas indicam o Brasil como uma das economias globais fundamentais para alcançar esse resultado.
Contudo, mesmo com esse cenário promissor de geração de empregos e renda, o setor tem o crescimento dificultado pela falta de regulamentação no país. Realidade que pode mudar em breve, já que tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n º 2796/2021, que trata da fabricação, importação, comercialização e desenvolvimento de jogos eletrônicos, além da prestação dos serviços de entretenimento vinculados aos fantasy games.
Para os adeptos da modalidade esportiva virtual, como o jogador e especialista em fantasy game Carlos Henrique dos Santos Filho, mais conhecido como CH – que joga desde 2007, é fã do esporte e hoje comanda uma equipe que produz scouts, faz análises e apresenta estatísticas – o marco legal agregará mais transparência ao mercado.
“Meu time conta com uma equipe de oito membros e temos responsabilidade com os conteúdos que produzimos para os nossos mais de 300 mil seguidores nas redes sociais e prezamos pela transparência de todo o processo. Hoje é um grande desafio porque o mercado não é tão transparente, infelizmente. E por isso acaba gerando uma certa desconfiança dos consumidores no meio. Acreditamos que com a regulamentação todo o sistema terá mais credibilidade e dará mais segurança aos usuários”, declarou.
A Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS), que representa os interesses de mais de 15 milhões de pessoas em todo o país, também se posiciona a favor da proposta.
“A aprovação do Marco Legal dos Games no Senado é fundamental para dar previsibilidade e segurança jurídica ao setor. O texto define com clareza quais são os pressupostos de funcionamento de Fantasy Games e jogos eletrônicos, dirimindo dúvidas que possam surgir em relação aos jogos de azar. Regras mais claras significam maior poder de atração de investimentos, nacionais e estrangeiros. O mercado mundial de games movimenta hoje US$ 200 bilhões.”
Rafael Marcondes, presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS)
Apesar de uma atenção maior, o Projeto de Lei não se resume aos jogos eletrônicos utilizados para entretenimento, ele abarca também games voltados para o ambiente escolar, para fins didáticos, em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC); para fins terapêuticos; e para fins de treinamento e de simulações de condução de veículos, de reação a situações de emergência, bem como de manuseio de máquinas e de equipamentos. Ou seja, o texto ainda amplia as possibilidades de postos de trabalho sendo criados a partir da aprovação da legislação.
“O investimento em desenvolvimento de jogos eletrônicos é considerado investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação”, pontua o texto do Marco Legal dos Games.
Marcondes acredita, inclusive, que só no segmento de fantasy games, com a regulamentação, o crescimento é estimado em 120% até 2028. Além disso, mais de 5.800 empregos diretos podem ser gerados.
O executivo defende ainda que as leis vigentes no Brasil não acompanham as exigências do setor de games e destaca que não apenas a ABFS, mas diversas empresas do ramo compartilham do pensamento de que a aprovação do Projeto de Lei é o melhor caminho para o impulsionamento do mercado.
“A indústria é nova e a nossa legislação está ultrapassada. Temos um mercado de jogos eletrônicos cada vez mais forte, com grande potencial de geração de empregos e arrecadação”, afirma o presidente. “Somos o maior mercado de games da América Latina e o 10º no mundo em receitas, e acreditamos que, com a aprovação da legislação, no formato em que foi aprovada na Câmara dos Deputados, podemos potencializar ainda mais o mercado nacional de jogos eletrônicos, que hoje arrecada cerca de R$ 12 bilhões por ano.”
Principais dúvidas sobre o Marco Legal dos Games
Para esclarecer alguns pontos que estão sendo tratados pelo Projeto de Lei, separamos os principais questionamentos sobre o Marco Legal dos Games:
O Projeto de Lei nº 2.796/2021 cria o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos e para os jogos de fantasia, abarcando a fabricação, a importação, a comercialização, o desenvolvimento dos jogos eletrônicos e a prestação dos serviços de entretenimento vinculados aos jogos de fantasia.
O Marco Legal determina diretrizes claras para o setor se desenvolver, de uma maneira geral e completa. Garante-se segurança jurídica para as operações, reconhecimento legal do enquadramento correto da indústria dos jogos eletrônicos e fomenta o crescimento do setor nacionalmente com o incentivo de criação de postos de trabalho e profissionalização em tecnologia.
O Marco dos Games – na atual redação – não prevê acesso ao setor dos games a recursos diretos destinados pela Lei Paulo Gustavo ao setor da cultura.
Isso porque essa lei foi formulada durante a pandemia para garantir o uso dos recursos da área cultural do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual. A Lei Paulo Gustavo destinou R$ 3,8 bilhões para as cidades brasileiras com o propósito de recuperar o setor dos impactos negativos da Covid-19, que fechou cinemas e teatros e interrompeu espetáculos musicais e eventos culturais. Foi o maior valor da história já destinado ao setor cultural.
Diferentemente do setor cultural, o segmento de games não foi impactado negativamente pela pandemia, não havendo razoabilidade da indústria em acessar tais recursos. Pelo contrário, viveu uma das maiores expansões da história, já que a reclusão redirecionou muitas pessoas para o ambiente virtual na busca de entretenimento.
Existem grupos interessados em fazer ajustes na definição de jogos eletrônicos de forma a permitir que os desenvolvedores de games tenham acesso aos recursos do fundo, mas a medida tem encontrado resistência por parte de senadores, na medida em que redirecionar recursos para os desenvolvedores de jogos significa retirar recursos do cinema, do teatro e da música, setores que verdadeiramente sofreram com a reclusão social gerada pela pandemia.
O Marco Legal se propõe a fomentar a produção nacional de ferramentas e de jogos eletrônicos, dando segurança ao setor e permitindo a captação dos recursos necessários ao crescimento da indústria.
Três medidas para impulsionar o crescimento:
1- O Estado apoiará a formação/capacitação de profissionais para a indústria de jogos.
2- O incentivo do Governo Federal para pesquisa, desenvolvimento e inovação, tal qual previsto na Lei nº 8.248/91 (Lei de Informática).
3- A fixação de diretrizes claras e simples que dão segurança aos desenvolvedores, operadores e aos investidores ao assegurar liberdades na área de criação de jogos e desburocratizar as atividades da indústria.
O detalhamento das ferramentas próprias de um DevKit, por questões técnicas, deverá vir em norma infralegal, que possibilita maior agilidade diante de alterações e aperfeiçoamentos que venham a surgir, pois atos executivos (normas infralegais) são de simples modificação quando comparados a textos legais. Trata-se de um setor dinâmico e altamente tecnológico que não pode ser travado por detalhamentos excessivos inseridos em lei.
A definição de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) não é matéria de atribuição legal. Ela é feita por ato executivo (resolução) da Comissão Nacional de Classificação (Concla), que atua em um trabalho conjunto das três esferas de governo sob a coordenação da Receita Federal e orientação técnica do IBGE.
O Marco Legal dos Games determina que “não se consideram jogos eletrônicos as máquinas caça níqueis ou outros jogos de chance semelhantes” (§2º do art. 2º), afastando qualquer confusão que possa ser levantada entre a indústria e as apostas esportivas (consideradas legalmente loterias em território nacional, portanto, jogos de azar).
Além disso, os games e os jogos de fantasia não são apostas. Tratam-se de modalidades que requerem habilidade e cujo resultado depende eminentemente do conhecimento do jogador. Logo, a regulamentação dos games e do fantasy game em nada contribuem para acelerar a regulamentação das apostas, que possui legislação própria e específica, a Lei nº 13.756/18.
A eventual regulamentação das apostas deve ocorrer em breve por razões distintas: o prazo legal previsto na Lei nº 13.756/18 de quatro anos já se esgotou, colocando o governo federal em atraso; e há interesse do Poder Público em aumentar a arrecadação para poder financiar ações sociais.
O projeto foi apresentado pelo deputado Kim Kataguiri (União/SP) em outubro de 2021, tendo sido aprovado por unanimidade de votos na Câmara em outubro de 2022, após várias sugestões feitas pela iniciativa privada, especialmente relativas à definição de jogos eletrônicos.
No Senado, o relator senador Irajá (PSD/TO) recebeu todos os representantes setoriais por diversas vezes. O texto já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Desses debates surgiu, inclusive, a emenda de redação apresentada na CAE para deixar mais claro o conceito de jogos eletrônicos.
O Marco Legal dos Games está agora no Plenário do Senado Federal aguardando pela apreciação final para, enfim, ser enviado à sanção presidencial e virar lei.