atualizado
Historicamente, os períodos de crises vividos pelo mundo são capazes de provocar profundas mudanças sociais e econômicas em diferentes países e sociedades. Assim foi em tempos de guerras, recessões e catástrofes. Recentemente, a pandemia de Coronavírus mostrou que a premissa continua sendo verdadeira. Se o mudo vivia uma intensa digitalização, o isolamento social imposto pela Covid-19 acelerou ainda mais o processo.
No entanto, enquanto muitos países se adaptaram rapidamente à “vida remota”, a proliferação do vírus escancarou muitos problemas do Brasil, especialmente no que diz respeito à educação e à conectividade, como a falta de estrutura, de mão de obra qualificada e de acesso à internet.
De acordo com o estudo “Acesso Domiciliar à Internet e Ensino Remoto Durante a Pandemia”, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 6 milhões de estudantes brasileiros, desde a pré-escola até a pós-graduação, não têm conexão à internet banda larga ou 3G/4G em casa. Desses, 5,8 milhões são alunos de instituições públicas de ensino.
Os dados chamam atenção para uma questão inadiável: a urgência de avançar no desenvolvimento da educação. Na avaliação do economista e educador José Pio Martins, atualmente reitor da Universidade Positivo, é imprescindível munir o país de ferramentas adequadas para lidar com a nova realidade, que é digital.
O processo de produção e de serviços mudou de tal forma, sobretudo com a evolução da computação, da telefonia, da internet e de tudo que deriva dela, que a educação ficou para trás.
José Pio Martins economista, educador e reitor da Universidade Positivo
Para o especialista, é preciso investir na área, promovendo a melhoria da estrutura e a capacitação dos docentes. “Para começar a reverter essa situação, é fundamental dotar os municípios de um sistema de comunicações altamente eficiente e moderno. O desafio é imenso porque o país tem o tamanho de um continente, mas a escola não pode mais manter o modelo educacional do século passado”, defende. “Esse desafio é da sociedade e do governo. É entender o problema e ter disposição política e social para fazer”, completa.
Na mesma linha, o diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diretor-geral do Senai e diretor-superintendente do Sesi, Rafael Lucchesi, destaca que é necessário buscar soluções para a questão sob pena de aprofundar a desigualdade econômica e social no país.
“É urgente destinar mais recursos à ampliação de equipamentos e de acesso à internet banda larga para alunos e escolas, à formação dos professores em novas tecnologias educacionais, ao permanente apoio pedagógico, assim como à elaboração de material didático digital que dialogue com as diretrizes curriculares da BNCC [Base Nacional Comum Curricular]”, explica.
Mas, ao contrário do que se pode pensar, o país contabiliza avanços. É o que pondera a pesquisadora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) Camila Lima de Moraes, que atua no Relatório de Monitoramento Global da Educação (GEM). Ela ressalta que, na visão internacional, o Brasil é considerado um caso de sucesso em educação.
O primeiro passo, que é aumentar o acesso à escola e manter os alunos nela, já foi dado. Agora há muitos outros desafios relacionados às questões de equidade e igualdade. Um dos maiores é a desigualdade educacional. Isso é um entrave para o desenvolvimento do país em geral.
Camila Lima de Moraes, pesquisadora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
Além da educação básica, é preciso pensar em políticas mais amplas de educação contínua, profissionalização e inovação. Para o diretor da CNI, Rafael Lucchesi, é fundamental capacitar e requalificar os profissionais com tecnologias de ponta.
A criação e a oferta de cursos para formação profissional precisa ser estratégica, seguir uma lógica de mercado, do que está sendo demandado pelos setores econômicos. Não é só fazer um curso para ter a certificação, é preciso garantir que há um mercado de trabalho para essa formação e quais as perspectivas para esse profissional a médio prazo.
Rafael Lucchesi, diretor da CNI
Trabalho pós-pandemia
De acordo com projeção feita pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a pandemia de Covid-19 acelerou tendências que afetam diretamente o mercado de trabalho e deve criar mais oportunidades de emprego para trabalhadores das áreas de tecnologia e de logística. A previsão é que surjam, em até cinco anos, novos profissionais para responder, por exemplo, à maior necessidade por internet ultrarrápida em um novo mundo on-line.
Especialista no acompanhamento do mercado de trabalho, o Senai apontou, em projeção realizada em setembro de 2020, a tendência de surgimento, em médio e longo prazo, de 30 novas ocupações devido à 4ª Revolução Industrial. A pandemia intensificou, de forma dramática, esse processo de atualização tecnológica, o que deve antecipar para 2021/2022 uma demanda que estava prevista para daqui a cinco ou 10 anos.
O perfil do novo trabalhador
Na avaliação do professor José Pio Martins, a adaptação ao mundo moderno exige uma educação permanente, tendo em vista o aumento da expectativa de vida da população. “A educação não é mais algo dado para uma parte da população, a crianças, adolescentes e jovens, como foi até os anos 1960. Agora, ela deve ser uma constante ao longo da vida das pessoas”, acrescenta.
O mundo vive a 4ª Revolução Industrial, que teve início em 2015 e vai até 2024. Segundo o educador, se comparada às anteriores, a revolução atual tem uma característica essencial. Em todas, da primeira à terceira, a máquina competia com o ser humano em habilidades físicas. Agora, com a inteligência artificial, nanotecnologia, o big data e etc, os robôs se tornaram capazes de competir com o homem também em habilidades cognitivas. “Mas, no meio disso tudo, não acabou a divisão do trabalho, as habilidades técnicas e nem a especialização. Tudo isso continua sendo exigido”, aponta.
O futuro vai exigir que os profissionais tenham, cada vez mais, uma posição ativa em relação ao conhecimento. Que não sejam apenas receptáculos, mas também produtores de informações. Pensamento criativo, resolução colaborativa de problemas, capacidade para lidar com as relações interpessoais e interpretar grandes quantidades de informações serão essenciais.
Para o professor Martins, o trabalhador terá que dispor de quatro competências:
- Habilidades técnicas: estar capacitado para desempenhar seu papel.
- Habilidades emocionais: ser capaz de se relacionar em quatro direções: com quem está acima dele, abaixo, à direita e à esquerda.
- Atitude: ter uma postura proativa e ser um tomador de decisões.
- Cultura: ter conhecimentos gerais e uma conduta em sociedade. Se relacionar nos diferentes contextos relacionados à família, negócios e etc.
O diretor de Educação e Tecnologia da CNI, Rafael Lucchesi, lembra que o Senai já trabalha as habilidades comportamentais, as soft skills, com os alunos há anos. Hoje, a instituição reconhece como prioritárias questões como pensamento crítico, resolução de problemas complexos, liderança e influência social, inteligência emocional, empreendedorismo, criatividade e inovação, além de aprendizagem ativa.
“É preciso levar para a sala de aula o contexto e as necessidades da sociedade moderna, incentivando os jovens a desenvolverem projetos de vida e de carreira. Mostrar as mudanças e as novas tecnologias do mercado de trabalho e investir na metodologia STEAM (sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharia, artes/design e matemática), já que temos uma defasagem histórica e uma demanda crescente por profissionais nessas áreas”, explica.