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Cautela e proteção… Parece slogan de seguradora, mas é a recomendação do economista-chefe da Eleven Financial Research, Thomaz Sarquis, para uma navegação segura de 2023, ano que começa marcado por turbulências e incertezas.
Com a nova administração do Planalto pelejando para tomar as rédeas da economia, em meio a um cenário político interno conturbado e sinais pouco promissores vindos do exterior, uma coisa já está clara: 2023 será um ano difícil.
Não que tenhamos pela frente, necessariamente, mares tempestuosos ou perspectivas de naufrágio. Afinal, os obstáculos são bem conhecidos e até as rotas para vencê-los contam com um certo consenso. Os avanços, no entanto, prometem ser mais lentos e custosos. Vamos ter quer remar contra o vento.
Crescimento baixo e inflação persistente
Os especialistas consultados pelo Metrópoles preveem um ano com baixo crescimento, mercado de trabalho enfraquecido, inflação resiliente e pouco espaço para redução de juros. Portanto, é tempo de ser (ainda mais) cuidadoso na administração do dinheiro. A boa notícia é que, se o país fizer o dever de casa, pode fechar o ano com algum saldo positivo. “O item mais importante da
pauta econômica em 2023 é a nova regra fiscal”, diz Adriano Vilela Sampaio, especialista em Macroeconomia e professor da Faculdade de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense).
“O teto de gastos já estava inviabilizado. Foi uma morte que não causou nenhuma comoção. Se formos agora para um caminho de meta de gastos, como vem sendo aventado, vamos ter mais previsibilidade e estabilidade”, acredita o professor.
A equipe econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem trabalhando na proposta de uma regra fiscal baseada em metas de gastos anuais que sinalizem uma trajetória realista de equilíbrio das contas públicas.
“É uma oportunidade e é urgente ter uma regra clara que a gente possa levar por alguns anos. Se o governo conseguir apresentar isso antes do meio do ano, essa questão do gasto público, que gera muita incerteza, fica mais equacionada”, defende Sampaio.
De fato, as contas públicas são a variante que vai definir os rumos da economia brasileira em 2023. O país viveu nos últimos anos um acúmulo de afrouxamentos fiscais que levaram a uma perspectiva preocupante: despesas com a pandemia em 2020 (essas, é claro, inevitáveis), PEC dos Precatórios em 2021, PEC Kamikaze em 2022 e, agora, PEC da Transição.
“Esse aumento do gasto público é ruim para o país, porque a nossa moeda se desvaloriza, gerando inflação. O mercado também passa a pedir uma taxa de juros maior para financiar os gastos do governo”, lembra Sarquis.
Incertezas que vêm de fora
Rafael Rondinelli, analista de Macroeconomia do Banco Modal, ressalta que as incertezas vêm também do cenário externo. “A inflação em termos globais, ainda que tenha dado alguns sinais de arrefecimento, continua em nível bastante elevado, principalmente nos EUA, onde o mercado de trabalho segue aquecido, ainda que não nos mesmos níveis de alguns meses atrás. Na China, outro mercado importantíssimo, a reabertura pós-Covid é um foco de atenção. Pode haver problemas nas empresas, com falta de mão de obra, assim como pode, por outro lado, surgir uma pressão inflacionária de demanda”, diz.
Sarquis enxerga sinais mais positivos vindos de fora. “Vejo uma ligeira melhora, com China reabrindo, EUA com dados de inflação recentes abaixo do esperado… Há alguma perspectiva geral de abrandamento inflacionário, com taxas de juros mais estáveis”, acredita o economista.
Já sobre a condução da política econômica no Brasil, Rondinelli se preocupa com o perfil desenvolvimentista da nova gestão. “Temos um governo com uma visão de crescimento induzido pelo Estado. Isso pode gerar um impulso inicial, mas ao custo de um risco acentuado de inflação mais alta”.
Rondinelli vem trabalhando com uma previsão de inflação para 2023 em 5,95%, perspectiva mais pessimista que a média do mercado (5,39%, segundo o Boletim Focus de 13/01). Sarquis não fica distante: espera 5,7% no fechamento do ano. “É questão de tempo o mercado elevar as projeções”, diz o analista.
Convém lembrar que a inflação, medida pelo IPCA, terminou 2022 em 5,79%, acima da meta de 3,5%, com tolerância de 1,5%. Até o Banco Central já admite um novo estouro da meta de tolerância de 2023, que é de 4,75%.
Fim da desoneração?
Um dos fatores que pode levar a um repique da inflação é o eventual fim da desoneração da gasolina, algo que parece inevitável em algum momento diante da fragilidade do caixa da União.
O governo estendeu o benefício – criado com fins eleitoreiros no ano passado – até 28 de fevereiro. A equipe econômica conta com a exoneração em sua cruzada para reduzir o déficit fiscal do ano, mas a decisão passa pela questão política e a palavra final caberá ao presidente Lula.
Estima-se que, nos postos, o combustível possa aumentar R$ 0,70 por litro com o fim da isenção de impostos federais. “É uma situação muito delicada herdada por esse governo, difícil de desarmar. Se voltar a ser como era, vai dar um pico de inflação”, avisa Sampaio, que, ainda assim, acredita num IPCA mais contido para esse ano, um pouco abaixo do fechamento de 2022, mas ainda na casa dos 5%.
Para o professor, no entanto, um IPCA ligeiramente menor que o do ano passado não vai deixar espaço para uma redução significativa da taxa de juros. “A expectativa ainda é de alguma queda da Selic a partir do segundo semestre. Mas há um mês a gente esperava uma taxa mais perto de 10% no fim de 2013. Agora se trabalha com cerca de 12%. No nível em que estamos, cair 1 ponto, 1 ponto e meio é muito pouco”, diz.
Sem tração
Com a Selic a 13,75%, o Brasil começa 2023 liderando o ranking global de juros reais. Em carta aberta ao ministro da Fazenda, o BC previu que, ao longo do primeiro trimestre, a taxa de juros reais fique em 7,8% e chegue ao fim do ano em 6,9%.
São taxas com grande capacidade contracionista que já começam a surtir efeito na economia real. O varejo apresentou queda de 0,6% em novembro. O setor de serviços, depois de acumular alta de 5,8% de março a setembro, caiu 0,5% em outubro e ficou em 0% em novembro. Sinais claros de um 2023 desacelerado.
“É difícil imaginar de onde possa vir alguma tração”, diz Sampaio. “Tanto no Brasil quanto no resto do mundo, a expectativa é de um crescimento fraco. Se em 2022, o PIB deve ter fechado em torno de 3%, o que não é ruim, para esse ano as previsões não chegam a 1%” (0,77%, segundo o Boletim Focus de 13/01).
Sampaio chama a atenção para o endividamento, que se mantém nos maiores níveis da série histórica, comprometendo, em média, 28,2% da renda das famílias (dados do BC referentes a outubro). “Tivemos uma elevação de mais de 10 pontos na taxa de juros em dois anos. Isso impacta a família já endividada. Até para renovar a dívida fica mais complicado”.
Com um quadro de endividamento e inadimplência crescentes, os bancos ficam mais seletivos na hora de conceder qualquer tipo de financiamento. O BC já prevê que a expansão do crédito, que vinha girando em 15% ao ano desde 2019, vai recuar para 8% em 2023.
Custos de financiamento no pico também inibem a perspectiva de novos investimentos por parte das empresas. “Juros reais na faixa de 8% funcionam como um sinal para as empresas de que é melhor
esperar. Com ganhos financeiros da ordem de 1% ao mês, emprestando para o governo, e em cenário de incerteza, a decisão por um investimento é muito difícil”, diz Rondinelli.
Sem investimento, os empregos, obviamente, não são gerados. Com isso, a expectativa é de que o movimento de redução das taxas de desemprego visto nos últimos anos, arrefeça. “A recuperação de vagas que tivemos foi importante”, diz Sampaio. “Mas esse movimento veio com rendimento estagnado. Então, essa reação não ajudou a dar tração ao consumo”.
Proteção e cautela
Se o ano é desafiador, os analistas consultados pelo Metrópoles também veem brechas que, se bem exploradas, podem favorecer um cenário mais positivo. E deixam algumas recomendações no trato com o dinheiro em 2023.
“Uma preocupação é o governo começar a contar com receitas extraordinárias para reduzir o déficit (como é o caso das renegociações de dívidas tributárias previstas no pacote apresentado por Haddad). A tendência é contratar despesas que se tornam permanentes. Mas é importante ouvir de um ministro da Economia a disposição em reduzir despesas. Agora, é o caso de esperar e ver o arcabouço fiscal que o governo vai apresentar nos próximos meses para poder tomar uma decisão de investimento mais assentada nos fatos”, recomenda Rondinelli.
“A Reforma Tributária é um fator me deixa otimista”, aponta Sarquis. “Não pelo impacto fiscal, mas pelos ganhos de eficiência. Uma reforma bem feita seria semelhante ao que já está na PEC 45 (que tramita na Câmara dos Deputados desde 2019). E tem chances de sair esse ano, se o cenário político for positivo. Por enquanto, é hora de deixar o dinheiro em títulos públicos e até privados atrelados à inflação”.
O cenário político, aliás, é outro fator destacado por Sampaio. “Se o que aconteceu no 8 de janeiro (a invasão de prédios dos Poderes, em Brasília) for realmente apenas episódico, como parece se desenhar, vamos ter mais estabilidade e, então, poderemos discutir os temas realmente relevantes para o país… Isso melhora as perspectivas. Mas não dá para esperar que a Economia vá bombar”.