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O Brasil conta com o maior programa público de transplantes do mundo. É o quarto país que mais realiza o procedimento em números absolutos, com quase 90% das cirurgias custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, a quantidade de doadores efetivos não supre a demanda no país.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, mais de 43 mil brasileiros estão na lista de espera por um transplante, sendo que cerca de 28 mil desses pacientes aguardam por um transplante de córnea.
A chefe do núcleo da Organização de Procura de Órgãos (OPO) do Hospital de Base do Distrito Federal, Adriana Salomão, conta que um dos maiores entraves para a doação de órgãos é a recusa familiar. Quase 50% das famílias não autorizam o procedimento após o diagnóstico de morte encefálica de entes queridos.
Essa negativa, muitas vezes, está ligada à falta de informações sobre o processo ou até mesmo ao desconhecimento do desejo do falecido de ser um doador.
A cada 14 potenciais doadores de órgãos, apenas 4 seguem com a doação.
No Brasil, a autorização dos familiares é obrigatória, mesmo que a pessoa tenha manifestado a vontade de ser doador em vida.
“Muitas famílias fazem a recusa por não saber o desejo do paciente, por não ter conversado antes. Por isso, sempre reforçamos a importância de se falar no assunto para que, em um momento de dor, a decisão possa ser tomada de forma mais clara”, aponta Adriana.
Nesse sentido, o Ministério da Saúde lançou a campanha “Doação de Órgãos. Precisamos falar SIM”. A campanha, promovida agora em setembro em razão do Dia Nacional da Doação de Órgãos (27/9), visa a conscientizar a população e chamar a atenção para um assunto que pode impactar a vida de muitas pessoas.
Para se ter uma ideia, um único doador pode impactar positivamente a vida de até 8 pessoas.
Como funciona o processo de doação?
De acordo com Adriana Salomão, todo paciente com uma lesão cerebral grave que evolui para a morte encefálica – como em casos de traumatismo craniano ou acidente vascular cerebral (AVC) – passa por dois exames clínicos e um complementar para obter o diagnóstico. O primeiro exame clínico é feito por um médico especializado que atestará a gravidade e se o quadro é irreversível.
Após uma hora, o paciente passa por um segundo exame clínico feito por um neurologista ou neurocirurgião. Depois é feito teste de apneia, exames de imagem para ver o fluxo cerebral e a atividade elétrica cerebral.
Com a confirmação da morte encefálica, uma equipe médica especializada entra em contato com a família para comunicar a situação e discutir a possibilidade de doação. Nesse momento, são tiradas todas as dúvidas sobre o procedimento para auxiliar na tomada de decisão.
Podem ser doados rins, fígado, coração, pulmões, pâncreas, intestino, córneas, valvas cardíacas, pele, ossos, tendões e tecidos.
Após o consentimento, a Central Estadual de Transplantes é notificada sobre um potencial doador e o paciente passa por uma nova bateria de exames de sorologia e compatibilidade.
Ao encontrar um receptor compatível, o doador segue para um centro cirúrgico onde será feita a cirurgia para a retirada dos órgãos. O procedimento não desfigura a aparência do doador, permitindo que os rituais de despedida ocorram normalmente.
Doação que salva vidas
O Brasil conta com um sistema de distribuição de órgãos considerado justo e transparente, que segue critérios de urgência e compatibilidade, sem privilégios à classe social ou posição econômica.
Em 2023, foram 28.530 transplantes em todo o país. Desse total, 6.206 foram transplantes de rim; 2.416 de fígado; 429 de coração; 16.027 de córnea; 3.251 de medula óssea, entre outros. Os dados de 2024 ainda não foram divulgados.
Receber a notícia de que há um doador compatível é uma das sensações indescritíveis vivenciadas por quem está na lista de espera por um transplante. Para a gaúcha Gisele Hedler, de 42 anos, essa notícia foi comemorada com alívio.
Em 2017, a empresária recebeu o diagnóstico de nefropatia por IGA ou “doença de Berger”, uma patologia autoimune que leva à inflamação e lesão progressiva do sistema renal. Nos últimos anos, a doença progrediu, e com as enchentes no Rio Grande do Sul, o quadro se agravou.
“As enchentes no Rio Grande do Sul foram um gatilho muito forte, o que desencadeou a falência renal. Precisei passar por hemodiálise e entrei para a fila de espera por um transplante de rim”, conta Gisele.
O transplante renal era a única alternativa para a melhora da qualidade de vida dela. Devido à falência dos rins, ela teria que ficar na hemodiálise até encontrar um doador. “Meu pai tinha essa mesma doença, ele passou 14 anos à espera de um rim e morreu sem fazer o transplante”, pontua.
A notícia de um doador compatível chegou para Gisele pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) e, no dia 1º de agosto deste ano, ela estava no centro cirúrgico recebendo um órgão novo.
“Minha vida mudou. Antes, com os sintomas da doença, eu passava muito mal, sofria com enjoos, cansaço, falta de ar, dor e confusão mental. Tinha restrição alimentar e muita retenção de líquidos. Com o transplante, eu voltei a viver.”
Gisele Hedler, paciente com doença crônica renal
Gisele reforça que a lista do SUS é segura e funciona. “Não tem outro caminho. Ser doador é o maior presente que a pessoa pode ter, de, mesmo na morte, poder gerar vida. E quem recebe só tem gratidão. É uma corrente do bem”, ressalta.
O Sistema Único de Saúde financia todas as modalidades de transplantes e doação de órgãos e tecidos, tratamento de intercorrências, medicamentos imunossupressores e tudo que for necessário para garantir a saúde dos pacientes.