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Corrupção brasileira: um perene capítulo que precisa chegar ao fim

Em artigo, o presidente da Anape, Vicente Braga, destaca a necessidade dos órgãos de combate à corrupção se unirem na luta contra os desvios

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atualizado

A declaração mundial de emergência em saúde pública, instituída em 2020 a partir da proliferação da Covid-19, escancarou uma chaga brasileira que perdura há séculos: a corrupção. Durante esse triste capítulo da história, acompanhamos agentes públicos em todas as esferas de governo se aproveitando do momento de emergência e vulnerabilidade para desviar recursos de um país já combalido financeiramente.

Atos corruptos estão presentes na rotina do brasileiro, e não somente na esfera pública. Desde o começo da pandemia, notícias mostraram criminosos se passando por funcionários públicos para clonar números de telefones, vender remédios e vacinas falsas e até invadir residências. Infelizmente, trambiques fazem parte do nosso desenvolvimento como nação e um dos principais caminhos para a mudança é por meio do exemplo, que, obrigatoriamente, tem de partir do agente público.

A corrupção é um problema sistêmico, histórico e está presente na máquina pública há séculos. Estudiosos da Administração Pública demonstram que é herança antiga deixada por colonizadores, a partir de sistemas ultrapassados de governar como o patrimonialismo e o patriarcalismo. Nesses modelos, os conflitos de interesses, os desvios de conduta e o nepotismo eram regra.

O aparato legal brasileiro vem combatendo o patrimonialismo desde 1930, primeiramente, ao adotar o modelo burocrático de gestão, depois, em 1995, ao implementar o modelo gerencial (Nova Administração Pública). Entretanto, o desvirtuamento insiste em participar perenemente do cenário. Nas últimas décadas, assistimos ao mensalão, ao petrolão, aos exageros cometidos de cada um dos lados, e todas as consequências políticas, econômicas e legislativas.

A corrupção permanece porque ela tem natureza inescrupulosa. Ela atua de forma silenciosa na falta de transparência; no corte de verbas de pesquisas; nas análises de cenários deturpadas; nos números distorcidos; na mistura do interesse público com o privado; no entendimento de que o cargo público pertence a uma pessoa e não a uma nação, e esse “bem” vai sendo passado de geração em geração.

Dados do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da ONG Transparência Internacional, mostram que, em 2020, o Brasil ficou estagnado em um patamar considerado ruim no combate à corrupção, com 38 pontos. A pontuação está abaixo da média mundial (43), da média dos países do G-20 (54) e da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 64. O índice mede a percepção da corrupção em 180 países desde 1995, indo de zero a 100, sendo que quanto mais pontos, melhor a situação do país. O Brasil ocupa atualmente a 94 posição do ranking.

E a pandemia elevou ainda mais a percepção de que os atos ilícitos estão fora de controle. Levantamento do XP-Ipespe, divulgado em agosto, mostra que para 46% da população a corrupção irá se agravar nos próximos meses. Entretanto, diante de um cenário de mais de 15 milhões de desempregados, de inflação galopante, e de mais de 14 milhões vivendo na miséria, o tema perde algumas posições na lista de prioridades a se combater.

Porém, é preciso lembrar que a corrupção também mata. Ela desvia recursos que deveriam estar sendo investidos em Saúde, Educação, em políticas públicas de renda e emprego e de assistência social. Atos corruptos levam ao clientelismo e ao corporativismo, que sobrepõem os interesses privados em relação aos valores coletivos e ao bem comum.

Já passou da hora de interrompermos esse histórico, de quebrarmos esse ciclo. Movimentos como a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) precisam ser aprimorados e incentivados. Os órgãos de combate à corrupção podem e devem se unir na luta contra os desvios de recursos públicos, conluios em processos licitatórios, superfaturamento de obras e outras criminalidades.

É um vírus que precisa ser combatido com transparência, punição e, especialmente, prevenção. E eis que chegamos ao ponto principal: prevenção. Prevenir é bem mais eficaz e barato aos cofres públicos do que buscar a reparação. Depois que o recurso é desviado é praticamente impossível resgatá-lo na totalidade.

Há caminhos para isso. Políticas públicas precisam ser bem elaboradas e bem executadas. As brechas que possibilitam os desvios têm de ser identificadas pelos órgãos de controle e contidas.

Para o diplomata Fernando Mello Barreto, autor do livro Os Sucessores do Barão e do estudo Corrupção no Brasil: uma perspectiva comparativa e internacional, a corrupção é fator dinâmico e a cultura não é imutável. É possível. Precisamos reacender o tema como prioridade nacional. A corrupção está atrelada a tudo que nos rebaixa como nação. Temos de controlá-la e combatê-la. Com a união de esforços em todas as esferas governamentais poderemos vislumbrar gestores públicos que servirão de exemplo para mudarmos essa cultura.


Vicente da AnapeVicente Martins Prata Braga
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), advogado, procurador do Estado do Ceará e doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP)

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