atualizado
O combate à corrupção é um exercício diário e envolve, no caso do Brasil, o enfrentamento de uma cultura histórica de apropriação do público pelos interesses privados. Quando esse tema entra na pauta, o que se coloca quase que imediatamente é a necessidade do fortalecimento das instituições e dos mecanismos de controle e de prevenção do estado brasileiro.
Muitas vezes, uma outra dimensão fundamental do enfrentamento à corrupção é colocada em um segundo plano: a exigência da construção de um arcabouço legal que regule de forma objetiva a relação entre agentes públicos e privados. Isso porque é legítimo que uma instituição privada se relacione de forma republicana com agentes do estado brasileiro em temas de interesse dela, desde que respeitados os limites da lei.
Mas, o que acontece é que a falta de transparência e de um regramento claro sobre como deve ocorrer esse tipo de relação oportuniza a cooptação de agentes públicos, desvios de conduta e o estabelecimento de relações ilícitas. Por isso, precisamos avançar no aprofundamento da transparência no setor público. Nesse sentido, as novas tecnologias oportunizam uma verdadeira revolução na questão do controle social, como, por exemplo, a realização de reuniões, que podem ser gravadas e colocadas à disposição de toda a sociedade, ou, a transmissão pública desses encontros, quando não envolverem informações sigilosas.
Outro aspecto que deve ser visto é o estabelecimento de critérios objetivos que devem ser respeitados por agentes públicos em relação a assuntos de interesse de iniciativa privada junto ao setor público, inclusive com estabelecimento de prazos e instâncias recursais. É evidente que, neste em particular, uma só norma não seria suficiente para contemplar as especificidades de todas as áreas de atuação do estado, mas é possível a criação de princípios gerais e dos marcos temporais para que os órgãos públicos criem regramentos específicos dentro de suas áreas.
A discricionariedade desmedida de servidores públicos, no sentido do exercício de uma certa liberdade de decisão frente a situações concretas que não se encontram regulamentadas, também pode abrir brechas para a atuação de corruptores e corruptos. Daí, termos que aprimorar os mecanismos de gestão, de participação social e de boas práticas regulatórias dos órgãos públicos, assegurando maior previsibilidade, segurança e transparência ao processo decisório e à relação entre o público e o privado.
Por isso, nos governos do PT, avançamos de forma consistente no fortalecimento dos órgãos de controle, na adoção de medidas de maior transparência na gestão pública e em uma maior participação da sociedade civil no controle da gestão. Criamos o Portal da Transparência, os leilões eletrônicos e a Lei de Acesso à Informação, iniciativas que tornaram públicas diversas atividades do estado e que ampliaram o controle da sociedade.
Entre 2003 e 2014, foram realizadas 2.198 operações da Polícia Federal (PF) contra corrupção e desvios. Isso só foi possível pois fortalecemos a instituição com a contratação de mais de 3 mil agentes e delegados e a ampliarmos o orçamento de R$ 1,8 para R$ 4,7 bilhões, no mesmo período. Além disso, a PF, as Procuradorias da República e o Ministério Público passaram a ser instituições do estado brasileiro, com a eliminação da política de controle político.
A CGU tornou-se uma eficiente instituição de fiscalização de verbas federais destinadas aos municípios. Fortalecemos, ainda, as carreiras públicas, atendendo a uma recomendação da ONU, segundo a qual o fortalecimento do funcionalismo público configura-se como uma das principais medidas preventivas contra a corrupção.
Nos governos do PT, aprovamos a Lei das Organizações Criminosas, que modificou o instituto da delação premiada, a Lei de Conflito de Interesses, a Nova Lei de Lavagem de Dinheiro e a Lei que instituiu a Responsabilização de Pessoas Jurídicas por Atos de Corrupção. Essas iniciativas promoveram mudanças estruturais na prevenção e no combate à corrupção no país.
Infelizmente, o desvio de conduta de alguns agentes públicos permitiu que esses importantes instrumentos de combate à corrupção fossem utilizados de forma equivocada para criminalizar a política e para subsidiar julgamentos de exceção, atropelando o estado de direito e os direitos e garantias individuais. Delações premiadas forçadas e forjadas serviram para proteger bandidos confessos e para condenar pessoas inocentes. Esse expediente apontou para a necessidade de aprimoramento desse mecanismo, uma vez que uma delação precisa ser acompanhada de provas concretas sobre o que está sendo delatado.
Assim, apesar de ser uma dimensão importante para qualquer governo, o combate à corrupção deve fazer parte de um processo de funcionamento do estado. Trata-se da capacidade de um governo em assegurar o pleno funcionamento das instituições de controle, sem interferências políticas e dentro dos limites da Lei, preservando a democracia e os direitos e garantias individuais de todos os cidadãos. É colocar a luz da transparência sobre todos os atos da administração pública, fortalecendo o controle social e coibindo atitudes ilícitas.
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Rogério Carvalho
Senador da República por Sergipe e filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). É médico com residência em medicina preventiva e social. Fez especialização em gestão hospitalar e mestrado e doutorado em saúde coletiva na Unicamp (SP)