Com EPIs escassos, oficiais de justiça mantêm atividades
Em regime de plantão, 32 mil profissionais do país cumprem mandados de isolamento, afastamento do lar e outras determinações urgentes
atualizado
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Com o coração apertado, a servidora pública Kenia Revert, 42 anos, deixou os filhos de 5 e 9 anos na casa sogra na última sexta-feira (03/04), em Belo Horizonte (MG). Oficiala de justiça do Tribunal Regional do Trabalho do Distrito Federal (TRT/DF), ela decidiu manter as crianças em isolamento com a avó porque não pode aderir ao teletrabalho: a carreira dela está entre as profissões consideradas de cunho essencial para a sociedade.
Assim como Kenia, outros 850 oficiais de justiça do DF — e cerca de 32 mil em todo o país — seguem em atividade, cumprindo medidas de caráter urgente. Ou seja, aquelas que, caso não realizadas, podem gerar danos de difícil reparação, ou até irreparáveis, tais como: mandados de internação em UTI, de soltura, medidas ligadas à Lei Maria da Penha e até as relacionadas ao coronavírus, a exemplo das determinações de isolamento.
Nesses casos, os cumprimentos dos mandados devem ser feitos no mesmo dia ou até na manhã do dia útil seguinte, como determina portaria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Outros tribunais situados no DF têm regulamentação semelhante no que diz respeito às urgências.
Kenia, que atua há oito anos como oficiala de justiça, conta que optou por ficar distante dos filhos por quase dois meses porque tem medo de se tornar vetor do coronavírus: “Nós vamos a inúmeros endereços ao longo de um dia de trabalho, seria muito arriscado”, destaca. Mas ela garante que tem usado os equipamentos de proteção fornecido pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça do DF (Sindojus/DF) — máscaras, luvas descartáveis e álcool em gel.
É importante usar os EPIs não só para a nossa proteção, mas como também para que as pessoas a quem nós visitamos se sintam mais seguras, principalmente porque os assintomáticos também estão transmitindo a doença.
Kenia Revert, oficiala de justiça
Na profissão há 20 anos, o oficial de justiça Ernesto Mustafa conta que a rotina mudou bastante desde o início do ano. Lotado no Fórum Desembargador José Júlio Leal Fagundes (próximo à Rodoviária Interestadual), ele diz que na região onde atua mais de 80% das medidas urgentes estão relacionadas à Lei Maria da Penha, que trata dos casos de violência doméstica.
No último dia 30, ele fez um vídeo para mostrar um pouco de sua rotina. Com apoio da Polícia Militar, Ernesto foi à Chácara Santa Luzia, invasão situada na Cidade Estrutural, que é considerada uma das regiões mais violentas do DF. A área tem acesso precário: ruas esburacadas, esgoto correndo a céu aberto.
Como não localizou o ofensor na ocasião, Ernesto terá de realizar mais diligências para cumprir efetivamente a medida de afastamento do lar e, assim, garantir que a integridade física e moral da ofendida seja protegida. “A nossa profissão é muito dinâmica. Temos que perguntar endereços no meio da rua, entrar em regiões de difícil acesso e em locais com pessoas doentes”, destaca.
Assumimos um risco para garantir que direitos essenciais sejam assegurados. Meu desejo é de que as pessoas possam reconhecer a importância do papel do oficial de justiça, pois estamos trabalhando com a cara, a coragem e uma caneta.
Ernesto Mustafa, oficial de justiça do DF
De acordo com o presidente do Sindojus/DF, Gerardo Alves Lima Filho, os equipamentos de proteção são escassos e foi necessária uma intervenção do sindicato para que o TJDFT passasse a oferecê-los.
Segundo ele, o sindicato também elaborou um protocolo de medidas de segurança que deve ser adotados pelos profissionais. “Além de sempre usar os EPIs, recomendamos manter distância das pessoas, conferir a distância os números de identificação com base nas informações do mandado, evitar passar a contrafé física. Trata-se da cópia do mandado e demais documentos que ficam com o jurisdicionado, mas que é dispensável, já que a entrega pode ser feita eletronicamente e até ser recusada pelo destinatário da ordem. Além disso, sugerimos não colher assinaturas, que podem ser substituídas pela fé pública do oficial,
não emprestar canetas e se restringir aos documentos urgentes”, assinala.
Neste fim de semana, a oficiala de justiça Clarice Fuchita Kestring, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, veio a óbito em razão da Covid-19. Trata-se da segunda morte de um trabalhador da categoria decorrente do coronavírus. O primeiro caso foi do oficial de justiça José Dias Palitot, também do TRT-SP, na semana anterior.
O presidente do Sindojus/DF também destaca que, mesmo sem o fornecimento adequado de EPIs pelos tribunais, a entidade tem se empenhado para conseguir viabilizar a proteção adequada aos oficiais. Os profissionais da categoria que não conseguirem o material podem recorrer ao sindicato.
“O momento é de união e de muita cautela. Os oficiais de justiça são imprescindíveis para a materialização dos direitos dos cidadãos e, por isso mesmo, neste momento devem desempenhar o seu papel com todo o cuidado necessário para resguardar a saúde deles e conseguir continuar atendendo as necessidades urgentes da população”, reforça Geraldo Filho.